No entanto, o termo não é citado na sentença, nos autos ou nas alegações finais do Ministério Público (MP). A jornalista explica na reportagem que a expressão foi usada para resumir o entendimento do juiz sobre o caso, que disse que “a jovem não estava em condições de consentir a relação, não existindo portanto intenção de estuprar”.
Foi o uso desta expressão que acarretou na condenação de Schirlei. A juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Florianópolis, considerou que a jornalista cometeu o crime de difamação contra funcionário público em razão de suas funções, ao atribuir ao juiz o uso da tese inédita de “estupro culposo”.
A juíza afirmou que as consequências da reportagem foram "nefastas" e "alcançaram principalmente o público de todo o Brasil". Andrea disse ainda que o exercício da liberdade de expressão “não pode ultrapassar o direito à honra da vítima em razão da divulgação de notícias falsas ou fora do contexto da realidade”.
Abraji afirma que decisão “fere a liberdade de imprensa”
A presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, repudiou a decisão, chamando-a de “desproporcional” e que “fere a liberdade de imprensa” e “abre um caminho perigoso”.
Ela ainda falou sobre a pena de "indenização exorbitante e totalmente incompatível com sua renda, o que mostra uma tentativa de intimidar e silenciar os jornalistas".
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), filiados a CUT, e o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina divulgaram nota em conjunto de repúdio e se solidarizaram com a jornalista Schirlei Alves e se colocaram à disposição para buscar a reversão destas condenações absurdas.
No modo de ver das diretorias do SJSC e da FENAJ, a decisão é injusta e decorre em grave atentado à liberdade de imprensa. A desproporção da pena em si, por ter supostamente cometido crime de difamação, é indício de que a decisão pode ter sido guiada por um sentimento de corporativismo que acaba cumprindo o objetivo de intimidar denúncias jornalísticas contra juízes e promotores. Leia a nota: Jurisprudência da “Mordaça”.
“Meu único desejo era expor a verdade e foi isso que fiz. Apesar do enorme custo pessoal e profissional, eu faria isso de novo hoje. Agora, espero que o sofrimento de Mari Ferrer e o meu possa levar a mudanças para que mais mulheres não tenham que passar por aquilo a que fomos submetidas. Nós merecemos o melhor”, afirmou Schirlei Alves ao Intercept.
O advogado do veículo e da jornalista, Rafael Fagundes, afirmou que “a sentença ignorou a realidade dos fatos e a prova dos autos, resultando em uma decisão flagrantemente arbitrária e ilegal”.
“A sentença cometeu uma série de erros jurídicos primários, agravando artificialmente a condenação e contrariando toda a jurisprudência brasileira sobre o tema. Incapaz de esconder preocupações corporativistas, essa sentença pode servir como uma ameaça contra aqueles que ousam denunciar os abusos eventualmente cometidos pelo Poder Judiciário”, concluiu.
Juiz recebeu reprimenda leve
Após a repercussão da sentença que absolveu Aranha, o juiz Rudson Marcos foi julgado no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por não reagir diante dos ataques do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho contra a vítima, permitindo que ocorresse “uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”.
Nesta terça-feira (14), o magistrado recebeu uma pena de advertência do CNJ, considerada a mais leve prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).
Após a decisão de Rudson Marcos em 2020, o empresário André de Camargo Aranha foi absolvido novamente, em segunda instância, em outubro de 2021.
Ele foi acusado de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer em 16 de dezembro de 2018, no beach club Café de La Musique, em Florianópolis (SC). O caso foi tornado público pela própria Mariana em 2019, com o objetivo de acelerar as investigações, que estariam sendo retardadas pela influência de Aranha.
* Com informações da Folha de S.Paulo e do Intercept