Escrito por: Redação RBA

Juízes pela Democracia: prisão em 2ª instância é incompatível com a Constituição

Associação aponta ser ilusório acreditar que suprimir garantias constitucionais possa trazer resultados positivos no combate à impunidade

FELIPE SAMPAIO/SCO/STF

A Associação Juízes pela Democracia (AJD) divulgou nota técnica nesta terça-feira (27) em que se manifesta contrária à possibilidade de decretação de prisão antes de esgotados todos os recursos cabíveis em um processo. Segundo a nota, o artigo 5º da Constituição Federal, que determina em um dos seus parágrafos que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", é claro o suficiente e não admite interpretação.

"Trata-se de dispositivo categórico, imperativo e que, justamente em razão de não suscitar qualquer dúvida, não admite interpretação e sim a aplicação do que está efetivamente escrito", dizem os juízes. 

Segundo eles, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza a prisão a partir de condenação em segunda instância representa "supressão" de garantias constitucionais. Eles também alertam que é "ilusório" acreditar que tal entendimento colaboraria para a diminuir a impunidade. 

Os juízes destacam que as múltiplas instâncias recursivas servem justamente para limitar o poder do Estado, prevenindo assim o arbítrio e também o erro judicial. "O desvio dos imperativos constitucionais, longe de trazer os efeitos almejados por aqueles que insistem em fazê-lo, somente se traduzirá em prejuízos para o indivíduo e a coletividade."

Confira a nota da AJD na íntegra

A PRISÃO DECRETADA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO É INCONSTITUCIONAL

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes de todo o território nacional e que tem por objetivo primordial a luta pelo respeito aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, vem apresentar NOTA TÉCNICA a respeito da inconstitucionalidade, diante da inteligência do art. 5º, LVII, da Constituição da República, da prisão decretada após decisão proferida em segundo grau de jurisdição, sem a existência do trânsito em julgado.

1. O art. 5º, LVII, da Lei Maior, institui a garantia de o indivíduo somente ser privado de sua liberdade com arrimo em decisão condenatória quando esta transitar em julgado, ou seja, na hipótese de não haver mais recurso cabível. Trata-se de dispositivo categórico, imperativo e que, justamente em razão de não suscitar qualquer dúvida, não admite interpretação e sim a aplicação do que está efetivamente escrito.

2. A tentativa de supressão da garantia mencionada encontra-se dentro de um perigoso contexto de relativização de direitos e garantias fundamentais, tendência que busca se perpetrar com o desígnio ilusório de, no caso, diminuir a impunidade. Olvida-se, no entanto, que as garantias processuais penais, importantes conquistas civilizatórias, não se traduzem em obstáculo para a efetiva aplicação da lei penal, mas sim em formulações destinadas a impedir o arbítrio estatal, dificultar o erro judiciário e conferir um tratamento digno de maneira indistinta a todos os indivíduos.

3. A Carta Magna expressamente proíbe, a não ser no caso de prisão cautelar, que o indivíduo venha a ter sua liberdade suprimida quando ainda houver recurso contra a decisão condenatória. No mesmo sentido da garantia constitucional, estão disciplinados dispositivos previstos na legislação ordinária (art. 283 do Código de Processo Penal e art. 105 da Lei das Execuções Penais, lei esta que exige o trânsito em julgado inclusive para o cumprimento da pena restritiva de direitos – art. 147 – e pagamento de multa – art. 164). Sendo plena e comprovadamente possível as instâncias superiores modificarem questões afetas à liberdade, seu cerceamento antecipado mostra-se incompatível com nossa realidade constitucional.

4. A pavimentação do Estado Democrático de Direito somente é possível dentro da estrita observância da Constituição da República. O desvio dos imperativos constitucionais, longe de trazer os efeitos almejados por aqueles que insistem em fazê-lo, somente se traduzirá em prejuízos para o indivíduo e a coletividade.

5. A Associação Juízes para a Democracia, por considerar a prisão decorrente de decisão condenatória sem o trânsito em julgado incompatível com o cumprimento da Constituição da República, vem manifestar-se contrária à relativização da referida garantia constitucional.

São Paulo, 27 de março de 2018