Julgamento no TRF-4: desigualdade social também está em jogo
Sentença sobre Lula nesta quarta (24) pode ser decisiva para eleição e para os rumos das políticas sociais do Brasil, afirma economista Leda Paulani, da USP
Publicado: 23 Janeiro, 2018 - 17h21 | Última modificação: 24 Janeiro, 2018 - 12h32
Escrito por: Solange do Espírito Santo, especial para a CUT
O congelamento dos gastos públicos determinado pela PEC do Teto e a interrupção da política de aumento real do salário mínimo foram decisivos para o aumento da desigualdade social no Brasil. Somente com a eleição de um governo progressista será possível recolocar o País na rota da recuperação da renda da população. Isso, no entanto, depende do resultado do julgamento do ex-presidente Lula nesta quarta-feira (24) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A avaliação é da economista Leda Paulani, professora da USP e da Universidade Federal do ABC, que integra o Projeto Brasil Nação e é uma das articuladoras do manifesto “Eleição sem Lula é Fraude”, que até a manhã desta terça-feira (23) chegou à marca das 208 mil adesões.
A professora afirma que “caso o TRF-4 confirme a sentença de primeira instância, será o último prego no caixão da democracia”.
Em entrevista ao Portal da CUT, Leda Paulani comenta o resultado do estudo da OXFAM, divulgado nesta segunda-feira (22) – que aponta o aumento da desigualdade social no Brasil, mostrando que cinco pessoas têm o equivalente ao total da renda de metade da população – e alerta: “Se continuarmos com esse tipo de governo que hoje comanda o Brasil, haverá uma piora muito grande no quadro de desigualdade e o país vai andar para trás numa velocidade ainda maior”.
A OXFAM é uma instituição britânica voltada para o combate à desigualdade social. No estudo divulgado ontem, a organização mostra que de toda a riqueza gerada no mundo em 2017, 82% ficaram concentrados nas mãos dos que estão na faixa de 1% mais rica. Já a metade mais pobre – o equivalente a 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada. No Brasil, o estudo mostra que o patrimônio dos bilionários cresceu 13% no último ano, enquanto a fatia da renda dos 50% mais pobres caiu de 2,7% para 2%.
Confira, a seguir, a íntegra da entrevista:
Portal da CUT – Como avalia a conjuntura que o Brasil atravessa?
Leda Paulani – Não tivemos tanques do Exército indo para as ruas em 2015, mas um golpe branco que destituiu a presidenta Dilma Rousseff e atacou a democracia. Por isso, agora o caso Lula é emblemático: não estamos lutando somente por ele, mas, antes de tudo, lutando pela democracia.
Se o TRF-4 confirmar a sentença de Sérgio Moro, escancaradamente será o último prego no caixão da democracia. Formalmente, o Judiciário teria de manter certa compostura, mas infelizmente não é isso o que estamos vendo. Impedir um candidato popular de disputar é tapetão! Por isso, não me espanta a reação de muitos da esquerda, chamando a desobediência civil.
Portal da CUT – O aumento da desigualdade social apontado pela OXFAM também é fruto do golpe?
Leda Paulani – Sim. Quem está à frente deste governo não está preocupado com as políticas sociais e com a diminuição da desigualdade. A PEC do Teto – que congelou os gastos públicos – limita brutalmente a capacidade de o Estado atuar para a redução da desigualdade social.
A não manutenção da política de aumento real do salário mínimo, a reforma trabalhista e a possível reforma da Previdência Social vão aprofundar o retrocesso que já estamos tendo e, rapidamente, vamos perder tudo o que se avançou nos governos Lula e Dilma.
Portal da CUT – Quais foram as principais receitas do sucesso adotadas por eles que contribuíram com a redução da desigualdade?
Leda Paulani – As políticas sociais de grande impacto dos governos do PT acabaram sendo decisivas no que diz respeito à distribuição de renda. E há dois aspectos a considerar sobre isso. O primeiro é o Bolsa Família que, para mim, é uma política compensatória e diz mais respeito à pobreza do que a distribuição de renda em si, porque seu foco é a redução da miséria absoluta. O que considero decisivo para a distribuição de renda foi a política de aumento real do salário mínimo, que impactou diretamente no regime geral da Previdência Social e chegou a 22 milhões de pessoas, incluindo a grande massa de trabalhadores rurais.
O salário mínimo foi o maior responsável pela queda da desigualdade social e fez até com que o Brasil virasse “case” do índice GINI da PNUD [índice do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que mede a desigualdade social], pela redução da desigualdade medida entre 2003 e 2014.
O GINI leva em conta a renda proveniente dos salários. Por isso, o que aconteceu com a redução da pobreza pouco influencia nos índices que medem a desigualdade.
Portal da CUT – Como recuperar esse legado?
Leda Paulani – Se não elegermos um governo com outra orientação para tratar os problemas sociais, vamos aprofundar o retrocesso. Se Lula for candidato e ganhar, precisaremos entender que as condições econômicas do país serão piores, por conta de todas as mudanças de rumo adotadas nos dois últimos anos. Será preciso rever a PEC do Teto, as reformas trabalhista e da Previdência (se ela seguir adiante agora).
Mas o mais importante é se o novo governo teria capital político para convocar um referendo revogatório das medidas e conferir ao Estado um pouco mais de liberdade para voltar seu foco às políticas sociais. Amanhã poderá ser o início do vislumbre do que nos espera.