Julho das Pretas: hora de acabar com o racismo e exigir respeito à mulher negra
No mês em que se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, a luta é também por igualdade, emprego e renda para as mulheres negras, primeiras a serem vitimadas por crises econômicas e sociais
Publicado: 12 Julho, 2022 - 15h03 | Última modificação: 13 Julho, 2022 - 14h03
Escrito por: Andre Accarini | Editado por: Marize Muniz
O Julho das Pretas, mês em que se busca atrair ainda mais o olhar da sociedade para a luta de séculos contra o racismo, este ano alerta mais uma vez para a condição da mulher negra no Brasil.
A secretaria de Combate ao Racismo da CUT Nacional, por exemplo, está promovendo uma série de debates e atividades sobre os desafios e perspectivas das mulheres negras relacionadas a questões como emprego, renda, sexualização e faixa etária.
Uma dessas atividades será uma live no dia 26, a partir das 18h, transmitida pelas redes sociais da CUT e entidades filiadas. A atual condição social e econômica dessa população será um dos destaques do evento.
Dados de diversas pesquisas constatam que são elas, as mulheres negras, as mais impactadas por crises sociais e econômicas. E não é diferente no Brasil de hoje em que os indicadores econômicos mostram uma realidade de recessão com disparada da inflação e altas taxas de desemprego e informalidade no mercado de trabalho.
A população negra, no geral, incluindo jovens, homens e mulheres, é a mais penalizada por essas crises, mas as mulheres negras sofrem impacto ainda maior. “As pesquisas mostram isso – que as mulheres negras são realmente atingidas de maneira mais forte, perdem o emprego mais rápido e demoram mais para se recolar no mercado de trabalho”, diz Rosana Fernandes, secretária-adjunta de Combate ao Racismo da CUT Nacional.
O último levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), intitulado “A Inserção da população negra e o mercado de trabalho”, referente ao 2° trimestre de 2021, aponta que, além de o desemprego entre as mulheres negras ser o dobro que o dos homens brancos, as que conseguem uma ocupação têm os piores salários e os trabalhos mais precarizados. Somente 1,9% delas ocupam algum cargo de direção.
Enquanto 35% dos homens brancos e 34% das mulheres brancas têm ocupações consideradas precárias, entre as mulheres negras o índice é de 46%. A subutilização da força de trabalho impacta 40,9% das mulheres negras enquanto que para os homens não negros, atinge 18,5%.
Um outro dado da mesma pesquisa revela a retração na participação delas no mercado de trabalho. O número total de mulheres negras que estavam trabalhando no 1° trimestre de 2021 era 8% menor no 2º trimestre de 2020, ou seja, houve uma redução, nesse período, do total de ocupadas. Entre os homens brancos a retração foi de -2%.
Elas também têm os menores rendimentos. Enquanto o salário médio dos homens brancos, no 2° trimestre de 2021, ficou em R$ 3.471, a média para as mulheres negras foi de R$ 1.617, ou seja, elas ganham apenas 46,5% do que ganham os homens brancos.
“A desigualdade provocada pelo racismo no Brasil é latente e comprovada pelos postos de trabalho ocupados pelas mulheres negras. Infelizmente, a gente sabe que a maioria daquelas que têm alguma ocupação, não têm carteira assinada, não têm direitos”, diz Rosana, reforçando que elas não são representadas por sindicados e que isso é um desafio para o movimento sindical.
Pandemia
A crise sanitária contribuiu para piorar a situação das trabalhadoras negras, como confirmou o estudo do Dieese. “Elas foram as primeiras a perder o emprego e, de praxe, as últimas a conseguir uma recolocação”, afirma Rosana Fernandes.
E as consequências sociais desta realidade vão além do sofrimento delas. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021, 45% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres – em 63% destes lares, as chefes são mulheres negras, que estão abaixo da linha da pobreza.
“São justamente elas que não têm trabalho, não têm renda, não têm condições minimamente dignas de sustentar os filhos. E isso se torna um ciclo de desigualdade”, afirma a secretaria-adjunta de Combate ao Racismo da CUT Nacional.
“Essa tragédia social atinge as crianças e a juventude negra. Elas ficam sem acesso à educação, são jogados para o mercado de trabalho de forma precoce e crescem sofrendo todas as demais consequências da desigualdade, como falta de trabalho, empregos informais, menores rendas”, acrescenta.
“Em algum momento precisamos romper esse ciclo”, diz Rosana Fernandes apontando que são necessários investimentos e políticas públicas de proteção à mulher negra, para promover dignidade e respeito a essa parcela da população brasileira.
Causa: racismo
O Brasil ainda vive heranças culturais do colonialismo e dos quase 400 anos de escravidão em que negros eram sequestrados da África e trazidos para o Brasil como mercadoria - uma mão de obra para servir aos latifundiários brancos vindos da Europa.
Para Rosana Fernandes é inaceitável que, no Brasil do século 21, ainda haja o racismo estrutural construído àquela época e que rege a maior parte das relações atuais, seja no trabalho, seja na sociedade como um todo.
O racismo determina quem vai ter oportunidades, quem vai ter acesso a políticas públicas, a espaços de poder, ao emprego, à saúde. Determina quem vai sobreviver na sociedade
A secretaria-adjunta complementa o raciocínio fazendo uma análise dos efeitos do racismo no que diz respeito à violência praticada e permitida pelo Estado.
“Nós, mulheres negras, temos que lutar ao mesmo temo contra o racismo, contra o machismo e contra toda a opressão social que sofremos. Quando nossos companheiros e nossos filhos saem para trabalhar e estudar, vivemos o medo de não vê-los voltarem para casa no fim do dia por causa do risco cotidiano de serem vitimados por essa violência”, ela diz.
De acordo com a dirigente, o racismo é uma situação que provoca o adoecimento das mulheres negras, o cerceamento a direitos, acesso a políticas públicas e é necessário reforçar cada vez mais a luta antirracista, que ela pontua, “é uma luta de toda a sociedade”.
“Não deve ser uma luta só dela, da mulher negra, mas de todos que querem uma sociedade diferente, justa. Não vamos conseguir construir uma sociedade igualitária enquanto elas estiverem na base da pirâmide. E para lutar contra o racismo precisamos de todos - precisamos de homens e mulheres não negras, principalmente, denunciando o racismo cotidiano. Precisamos de antirracistas”, diz Rosana Fernandes.
Julho da Pretas
As atividades do mês têm como referência o dia 26 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder do Quilombo Quaritetê, na região do Pantanal do Mato Grosso, no século XVII.
“É um mês importante de luta da mulher negra. O movimento começou em 2020 com a Jornada das Pretas, uma conferência que reuniu centenas de mulheres ativistas e candidatas nas eleições”, conta Rosana Fernandes.
Entre as pautas, que conforme observa a dirigente, são constantes, mas reforçadas nesse mês, estão o combate ao racismo, a luta contra o tratamento do corpo da mulher negra como mercadoria, direito a saúdem, educação, emprego, renda e moradia, além de respeito.
O Julho das Pretas é marcado por atividades não só no Brasil, mas nos países da América Latina e do Caribe. “É uma forma de dialogar com a sociedade dos países e construirmos um mundo melhor”, pontua a secretaria-adjunta de Combate ao Racismo da CUT.
Tereza de Benguela
Após a morte de seu companheiro, José Piolho, Tereza de Benguela passou a liderar a comunidade quilombola por duas décadas, sendo um exemplo de matriarcado e governabilidade democrática.
A história, incerta, conta duas versões. Uma, a de que Tereza de Benguela cometeu suicídio após ser capturada por bandeirantes e outra, que foi morta por quem a perseguia e teve sua cabeça exposta no próprio quilombo.
A memória de Tereza, assim como de outras heroínas negras, se perdeu na vertente da historiografia brasileira que ignora a capacidade de mulheres negras na construção de processos de libertação e de organização popular latino-americanas.
Embora quase esquecida por mais de dois séculos, Tereza vem sendo resgatada e referenciada cada vez mais.
*Com apoio do Brasil de Fato (Rainha negra no Pantanal: conheça a história de Tereza de Benguela, por Sofia Isbelo e Andresa Costa)