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Justiça decide que crime por trabalho escravo não prescreve

Juízes do TRF-1 tomaram decisão após analisar caso ocorrido há 18 anos no Pará. Para secretária da CUT,   apesar da vitória, com Bolsonaro no poder o movimento sindical tem de estar atento a perdas de direitos

Publicado: 20 Dezembro, 2018 - 10h43 | Última modificação: 20 Dezembro, 2018 - 10h52

Escrito por: Rosely Rocha

Stefano Wrobleski / Repórter Brasil
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A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu que crimes análogos ao trabalho escravo não prescrevem. A decisão foi tomada no julgamento do  pedido de habeas corpus (HC) de João Luiz Quagliato Neto acusado de manter na fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, 85 trabalhadores sob vigilância armada, sem alimentação adequada e condições de moradia, além de apreender suas carteiras de trabalho.

As vítimas foram resgatadas em março de 2000 por auditores-fiscais do trabalho, após dois trabalhadores fugirem do local e procurarem ajuda. Este não foi o primeiro caso de trabalho escravo envolvendo a fazenda de Quagliato Neto. Em 1997, outros 43 trabalhadores já haviam sido resgatados na Brasil Verde.

No pedido de HC, os advogados de defesa do fazendeiro alegaram que o artigo 149 do código penal prevê uma pena de, no máximo, oito anos em casos de crimes de trabalho análogo à escravidão, e este tipo de crime teria prescrito em 2012. 

A continuidade da ação só se deu porque o Estado brasileiro foi condenado em 2016, por violação do tratado continental sobre o direito de uma pessoa não ser submetida à escravidão e ao tráfico de pessoas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA).  No entendimento da Corte, as vítimas não receberam uma proteção judicial adequada. Com isso, o Brasil foi o primeiro país a ser condenado por escravidão contemporânea pela CIDH e o caso foi reaberto.

A defesa do fazendeiro também pediu o trancamento de um procedimento de investigação criminal aberto pelo Ministério Público Federal, alegando que o Brasil aderiu ao tratado internacional em 2002, dois anos após a libertação dos trabalhadores.

No entanto, o relator da ação juiz Saulo Casali, da 4ª Turma do TRF-1 - que engloba o Distrito Federal e todos os estados da Região Norte e parte do Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste – decidiu que não há limite de prazo entre a investigação, o processo e a condenação em um caso de escravidão contemporânea.

Nos autos do processo o magistrado rechaçou a prescrição do crime citando vários tratados internacionais que o Brasil é signatário como a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), adotada pelo país desde 1992 - cuja  regra não pode ser suspensa nem mesmo em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado - a Convenção Relativa a Abolição do Trabalho Forçado, da Organização Internacional do Trabalho(OIT), adotada em 1957; a Convenção sobre a Escravatura, adotada em Genebra, em 1926 e vários tratados internacionais que têm reiterado a proibição da escravidão.

Nos casos de escravidão, a prescrição da ação penal é inadmissível e inaplicável, pois esta não se aplica quando se trata de violações muito graves aos direitos humanos, nos termos do Direito Internacional
- Do juiz Saulo Casali,nos autos do processo

 

“Este foi um caso de violação de direitos humanos que fere o acordo do direito internacional, regra que se aplica ao território brasileiro e torna imprescritível casos de violação graves. A CDHI também recomendou que a legislação brasileira seja alterada para que outros casos de trabalho análogos à escravidão não prescrevam”,  diz o juiz relator do caso no TRF- 1 Saulo Casali.

Segundo ele, é preciso que se faça pressão para que o Congresso Nacional e o Ministério da Justiça mudem a Lei sobre prescrição de crimes por trabalho escravo.

A legislação sobre prescrição é benéfica e causa sensação de impunidade de forma generalizada”, afirma Saulo Casali.

Este primeiro passo que pode evitar a prescrição de outros crimes por trabalhos análogos à escravidão é uma vitória extraordinária, segundo a trabalhadora rural e secretária da Saúde do Trabalhador Madalena Margarida.

“Esta decisão traz uma luz para os trabalhadores e trabalhadoras, especialmente os do campo, que são os que mais sofrem com o trabalho escravo. Precisamos acreditar na Justiça e sempre recorrer a ela. Todo trabalhador e trabalhadora que estiver nesta situação e se sentir constrangido, ameaçado deve procurar seus direitos”, diz Madalena.

No entanto, a dirigente alerta para o retrocesso que está por vir nos direitos da classe trabalhadora, por conta dos acenos do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), de que os trabalhadores devem escolher entre ter emprego ou direitos.

“A reforma trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) já nos retirou muitos direitos. Cada vez mais as formas de contratação estão precarizadas e os salários menores, e assim você tem menos segurança social, mais adoecimento, mais mutilações e problemas na saúde do trabalhador. E tudo isso pode piorar se Bolsonaro colocar em prática o que defende”,  afirma Madalena.

Para ela, a luta do movimento sindical se reinicia a todo momento porque a expectativa é de que a situação do trabalhador vai piorar.

“Precisaremos estar atentos e firmes na defesa dos trabalhadores e trabalhadoras do país”.