Escrito por: RBA
Processo ignora direito fundamental a defesa e presunção de inocência, grampeou advogados e uma presidenta da República, e divulgou conteúdo gravado. Tudo sob as bênçãos dos tribunais superiores
Desde o momento em que foi deflagrada, em março de 2014, pela chamada “força tarefa” chefiada pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba, com o auxílio do Ministério Público, a Operação Lava Jato paulatinamente se caracterizou como um processo de violação a normas básicas da legislação penal e da Constituição.
O processo ignorou o direito fundamental à presunção de inocência, grampeou advogados e uma presidenta da República, divulgando o conteúdo gravado. Da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Judiciário negou pedidos da defesa por inúmeros direitos recusados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
E culminou com sua prisão, no dia 7 de abril, após a recusa do Supremo Tribunal Federal em conceder um habeas corpus (HC) preventivo contra a antecipação de execução de pena, depois de o Superior Tribunal de Justiça também negar HC.
A RBA fez um levantamento sobre as principais e mais polêmicas ilegalidades e afrontas à Constituição, como aos incisos LVI e LVII do artigo 5°, que determinam expressamente: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” e “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” – uma cláusula "pétrea", o que significa que não permite margem de interpretação e não pode ser alterada, a menos que por uma nova Constituinte.
Prisão
Após sentença de Moro, Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de prisão. A decretação da prisão do ex-presidente aconteceu menos de 24 horas depois de o STF negar o HC preventivo por maioria de 6 votos a 5, a favor da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
O julgamento do STF, que se prolongou por quase 11 horas, foi marcado por acirrado debate, no qual os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello atacaram a violação à presunção de inocência.
O voto da ministra Rosa Weber foi polêmico. Ela se manifestou contrariamente a sua própria convicção (firmada em julgamento de outubro de 2016) alegando agir em nome do princípio da colegialidade.
O tema prisão após condenação em segunda instância é objeto de duas ações declaratórias de inconstitucionalidade (n°s 43 e 44) relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello e liberadas por ele em dezembro de 2017. Outra foi ajuizada pelo PCdoB recentemente. Mas a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, se nega a pautar o julgamento das ADCs.
A prisão de Lula foi determinada por Sérgio Moro em 5 de abril, antes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julgar o último recurso do réu. O juiz de Curitiba afirmou no despacho em que decreta a prisão que "hipotéticos embargos de declaração constituem apenas uma patologia protelatória”.
Ao votar a favor do HC de Lula em 4 de abril, o ministro Gilmar Mendes justificou o voto dizendo que o tribunal definiu em 2016 que a prisão seria “possível”, e não “automática”. “Porém, essa possibilidade tem sido aplicada pelas instâncias inferiores ‘automaticamente’, para todos os casos e em qualquer situação”, disse no voto.
Incompetência de Moro
Para inúmeros juristas, o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba era “incompetente”, do ponto de vista processual, para conduzir o processo contra o ex-presidente. Entre eles, Afrânio Silva Jardim destaca que esse é um dos principais vícios do processo.
Segundo ele, Moro e a 13ª Vara Federal eram “absolutamente incompetentes” para julgar porque os crimes imputados ao ex-presidente teriam ocorrido em São Paulo, e a competência é do lugar onde se consumou a infração, de acordo com o Código de Processo Penal. A defesa de Lula usou esse argumento o tempo todo, sem sucesso.
Com o julgamento da Segunda Turma do STF desta terça-feira (24 de abril), no qual decidiu remeter para a Justiça Federal em São Paulo parte do processo contra Lula, com as acusações de delatores da Odebrecht sobre o sítio de Atibaia, a defesa afirmou em nota que a decisão "faz cessar de uma vez por todas o juízo de exceção criado para Lula em Curitiba".
Por 3 votos a 2, a Segunda Turma entendeu que o caso não tem ligação com a Petrobras e, portanto, não deve ser julgado por Moro.
Grampos e exceção
Uma das mais graves ilegalidades cometidas por Moro, segundo inúmeros advogados, foi a interceptação de conversa telefônica entre a então presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente, em março de 2016. O grampo foi feito após o horário que Moro determinara para sua suspensão.
Além da ilegalidade na captação da conversa, ela não poderia ter sido divulgada porque envolvia prerrogativa de foro.
Porém, no dia 22 de setembro de 2016, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que viria a julgar Lula em segunda instância em janeiro de 2018, proferiu uma decisão polêmica. Ao julgar uma representação de 19 advogados pedindo o afastamento de Sérgio Moro Moro pela divulgação do grampo, o TRF4 negou o pedido sob a justificativa de que os processos e investigações decorrentes da Lava Jato "trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas". O tribunal declarou ainda que a conduta de Moro era “incensurável.”
Na ocasião, ao comentar a decisão, o jurista Pedro Serrano afirmou que o Estado de exceção estava implantado no país. “Essa é uma declaração de exceção. A exceção está declarada”, disse. “No caso Lula, o TRF4 assumiu que está praticando a exceção, que a Lava Jato é um caso excepcional e, portanto, devem ser suspensas as normas gerais no caso, para o juiz atuar como queira.”
O juiz Moro não mandou grampear apenas Lula. Ele adotou o procedimento contra advogados do ex-presidente, o que foi considerado séria violação às prerrogativas da advocacia.
“Convicção” e lawfare
Em setembro de 2016, os procuradores Henrique Pozzobon e Deltan Dallagnol fizeram uma exposição pelo programa PowerPoint para demonstrar a culpabilidade de Lula e admitiram que não tinham “provas cabais” (dito por Pozzobon), mas “convicção” (por Dallagnol). O ato falho de ambos virou meme na internet.
Mas, apesar de cômica nesse episódio, a atuação dos promotores e da Lava Jato ilustram a prática de “lawfare” denunciada pela defesa de Lula, e que permeou todo o processo. Trata-se do uso do aparato legal e das leis para atingir objetivos políticos ou militares eliminando ou desqualificando o inimigo.
Delação
O sistema de Justiça brasileiro e a força-tarefa da Lava Jato utilizaram a delação premiada, instituída pela Lei 12.850/2013, como método para obter “provas” e conduzir Lula à condenação e prisão. Inúmeros advogados consideram essa legislação absolutamente inconstitucional.
O advogado australiano-inglês Geoffrey Robertson, integrante da defesa de Lula perante o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), criticou duramente esse método.
"Aprisionar os acusados sem julgamento até que eles decidam dizer aquilo que os promotores querem ouvir. Essa foi uma característica do caso Lula. É errado prender pessoas para forçá-las a fazer acusações, porque essas acusações podem ser falsas".
O advogado assistiu ao julgamento de Lula no TRF-4 e caracterizou o que viu como “primitivo”. "Nenhum juiz em nenhum país da Europa aceitaria essa acusação" , disse. "O que me deixa estarrecido é que, no Brasil, não há presunção de inocência", acrescentou Robertson.
Condução coercitiva
Em típico ensaio para uma prisão que já se anunciava desde então, em 4 março de 2016 o juiz Sérgio Moro determinou a condução coercitiva de Lula, em operação midiática, pela Polícia Federal. Lula prestou depoimento em uma sala no aeroporto de Congonhas. Os advogados Valeska Martins e Cristiano Zanin Martins protestaram contra a operação "injustificável". Para eles, ela era desnecessária, uma vez que Lula nunca havia se recusado a depor.
Para ouvir Lula, as autoridades usaram uma sala com paredes de vidro do aeroporto, o que provocou confusão e risco à segurança. A condução coercitiva e a busca na casa de Lula foram filmadas e depois vazadas para a mídia, o que contrariava determinação do Ministério Público.
Na ação, os policiais apreenderam fotos pessoais, tablets de netos de Lula e outros objetos “alheios à investigação”, segundo os advogados, sem nenhuma justificativa.