Escrito por: The Intercept Brasil

Lava Jato usou site O Antagonista para interferir no Banco do Brasil

Novas mensagens do The Intercept revelam que o procurador Deltan Dallagnol interferiu na escolha do presidente do Banco do Brasil e a parceria entre os dois não começou aí

Fernando Frazão/Agência Brasil

Procuradores da Lava Jato agiram politicamente – usando o site O Antagonista como porta-voz – para interferir na escolha do presidente do Banco do Brasil no governo Bolsonaro. Em fins de 2018, a força-tarefa municiou com documentos o site comandado pelos jornalistas Diogo Mainardi, Mario Sabino e Claudio Dantas para alimentar notícias que evitassem que o ex-presidente da Petrobras Ivan Monteiro ocupasse a presidência do banco. Monteiro era o nome mais forte entre os cotados para assumir o BB, uma escolha do ministro da Economia Paulo Guedes – a ele era dado o crédito por ter salvado as contas da Petrobras.

O caso é o exemplo mais escandaloso de uma relação promíscua entre o grupo comandado por Deltan Dallagnol e os jornalistas do Antagonista – mas nem de longe o único, como mostram as conversas no aplicativo Telegram que foram entregues ao Intercept por uma fonte anônima e fazem parte da série Vaza Jato, que já publicou 84 reportagens em parceria com os veículos Folha de S. Paulo, El País, Bandnews FM, Veja, BuzzFeed News, Agência Pública e UOL.

A leitura das conversas deixa claro que a Lava Jato e O Antagonista se veem como parceiros. O site abre mão da função primordial do jornalismo – fiscalizar o poder e os poderosos, aí incluídos procuradores e juízes – e recebe em troca informações em primeira mão. Os procuradores também interferiram, ao menos uma vez, diretamente na direção editorial do site.

O comentarista Diogo Mainardi, dono e editor do site, acatou pedido de Dallagnol e parou de publicar notícias sobre um escândalo de corrupção que envolvia a Mossack Fonseca, um escritório de advocacia suspeito de abrir empresas offshore no Panamá.

Mainardi também deu dicas de investigação a Dallagnol, que seguiu as pistas do comentarista e em seguida informou-o – em tom lamentoso – de que o caso estava fora da alçada da operação.

Em outro caso, os diálogos mostram também que a Lava Jato acreditou num boato repassado por Claudio Dantas para pedir – sem autorização da justiça – a quebra do sigilo fiscal de uma nora do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2016. Para isso, os procuradores acionaram informalmente um contato na Receita Federal. Nada foi encontrado contra ela, que jamais foi indiciada ou acusada de crimes.

Em troca do jornalismo chapa-branca, Dallagnol passava informações privilegiadas ao site. Isso fica claro numa mensagem num chat privado de 30 de agosto de 2018, em que o procurador diz o seguinte, ao entregar em primeira mão a Claudio Dantas dados que haviam sido pedidos pelo jornal El País: “Nao estamos passando pra mais ng agora”. Tratava-se de uma resposta da operação a um depoimento do advogado Rodrigo Tacla Duran, um crítico da Lava Jato, na Espanha.

Nos diálogos, Claudio Dantas se mostra um bom parceiro dos servidores públicos que, pela ética da profissão, ele deveria fiscalizar. O jornalista perguntou aos procuradores, em junho de 2017, quem a Lava Jato apoiaria na eleição da categoria para o cargo de procurador-geral da República, o chefe do MPF, o Ministério Público Federal. Dantas desejava se alinhar aos procuradores para, em suas palavras, “apoiar [o nome] certo”. Em resumo: o editor do site queria entrar em campanha com a Lava Jato.

Fundado por jornalistas que ajudaram a dinamitar a credibilidade da maior revista semanal do país, a Veja – ao torná-la um panfleto antipetista e ingrediente crucial na crise que afundou a editora Abril –, O Antagonista é bancado pela Empiricus, uma consultoria de investimentos que espalha panfletos catastrofistas (e habitualmente furados) em busca de clientes e já foi multada por propaganda enganosa.

Mesmo com tal currículo, o site se tornou porta-voz da Lava Jato e, principalmente, de Sergio Moro. A própria Veja, em uma carta ao leitor publicada em julho do ano passado, fez uma autocrítica pela fase em que alçou Moro à condição de herói nacional imune a críticas. Na mesma edição, a revista publicou reportagem em parceria com o Intercept mostrando ilegalidades cometidas pelo então juiz da Lava Jato.

‘A HORA DE LEMBRAR DELES’

UMA BATALHA SILENCIOSA ESTAVA EM CURSO no embrionário governo de transição de Jair Bolsonaro nos últimos dias de novembro de 2018. Em disputa, a presidência do Banco do Brasil. Paulo Guedes, o “super-ministro” da Economia, gostaria de entregar o cargo a Ivan Monteiro, então presidente da Petrobras. Mas a preferência do “posto Ipiranga” incomodava a “área política” do então futuro governo – comandada por Onyx Lorenzoni, ex-deputado federal e atual chefe da Casa Civil do Planalto.

O político do DEM gaúcho era o então chefe da equipe de transição governamental. Lorenzoni e Dallagnol eram muito próximos. Quando deputado, foi Lorenzoni que encampou e relatou as Dez Medidas contra a Corrupção na Câmara, gestadas por Dallagnol e que se tornaram uma obsessão dele. Nem a certeza de que o político estava envolvido em corrupção, como mostramos em agosto, afastou o procurador do ex-deputado.

As mensagens trocadas via Telegram não deixam claro porque – e, questionado a respeito, Dallagnol se recusou a responder –, mas no fim de tarde de 21 de novembro de 2018 ele enviou ao grupo do Telegram Filhos do Januario 3 uma reportagem da Folha que citava a insatisfação de Onyx Lorenzoni com o então presidente da Petrobras Ivan Monteiro. O procurador acionou os colegas em busca de informações que pudessem desabonar Monteiro.

 Bendine e Monteiro são próximos. Mas Monteiro – que foi levado à petrolífera por Bendine e chegou a presidi-la durante o governo Temer – jamais foi indiciado ou acusado de cometer qualquer crime pela Lava Jato. Após ordenar a assessores a busca pelos documentos, Dallagnol enviou quatro arquivos a Claudio Dantas, do Antagonista, que vinha em campanha aberta para que Monteiro não tivesse assento no governo Bolsonaro.

Àquela altura, como deixam claro os diálogos, O Antagonista já publicara várias notas tentando implodir a nomeação de Monteiro no governo Bolsonaro – boa parte delas assinadas por Claudio Dantas. Ainda que o procurador Januário Paludo acreditasse que o então comandante da Petrobras era carta fora do baralho, Dallagnol preferiu se precaver. Na madrugada, o procurador voltou a abastecer o jornalista:

 

Dantas, no fim das contas, nunca postou o material que Dallagnol lhe enviou para incriminar Monteiro. Não seria preciso. Àquela altura, Guedes já escolhera Rubens Novaes para comandar o Banco do Brasil, como informou a Folha. A ala política comandada por Onyx Lorenzoni, o amigo de Dallagnol, venceu. Com ajuda da Lava Jato.

‘CLAUDIO DANTAS QUE ME PASSOU A INFORMAÇÃO’

A FORÇA TAREFA PREPARAVA, no início de 2016, seu passo mais ousado até ali: a fase da operação que obrigaria Lula a prestar depoimento no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Nos primeiros dias de janeiro, a operação receberia de Claudio Dantas uma informação que, mesmo desacompanhada de provas, levou os procuradores a fuçar sem autorização judicial os dados fiscais de Marlene Araújo Lula da Silva, nora do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Segundo as conversas, Dantas disse ao procurador Januário Paludo, um dos veteranos da Lava Jato, que Marlene teria recebido da empreiteira OAS um imóvel no novo terminal de passageiros do aeroporto internacional de Guarulhos. A fé da Lava Jato em seus porta-vozes na imprensa bastou para que Paludo dissesse aos colegas que pediria informalmente à Receita Federal – ou seja, sem controle judicial – uma devassa na vida de Marlene, como Intercept e Folha de S. Paulo já mostraram.

 

Não foi só Paludo que se movimentou. Naquele mesmo dia, outro procurador da Lava Jato, Júlio Noronha, recebeu pelo Telegram a seguinte informação, vinda de um assessor: “Dr Julio, no COAF tem qualquer indicação suspeita dela, por isso não gerou a DOI. No CENSEC não constam escrituras ou procurações para o CPF dela. No Rastreamento societário aparece uma bar da qual ela foi sócia entre 2000 e 2002″.

Ainda assim, a Lava Jato tinha tal fé na dica do Antagonista que pediu formalmente a Sergio Moro a quebra do sigilo fiscal e bancário de Marlene Araújo – o então juiz da Lava Jato recusou, alegando que não vislumbrava “causa suficiente” para a medida contra ela.

Nada jamais foi encontrado contra Marlene, casada com Sandro Luís Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente. Ela nunca foi indiciada ou acusada de crime pela Lava Jato. Nem isso e nem os repetidos avisos dos assessores de comunicação do Ministério Público Federal sobre a pouca credibilidade do site – que veremos adiante – diminuíram o prestígio do Antagonista com os procuradores.

‘SUSPENDA INFORMAÇÕES’

NO FINAL DE DEZEMBRO DE 2015, O Antagonista publicou quatro notas que colocavam empresas offshore no rol de suspeitos da Lava Jato – leia aqui, aqui, aqui e aqui. Não se tratou de uma investigação jornalística do site – notório pelas notas telegráficas e publicações no estilo “Fulano de tal foi ao Twitter para…” –, mas de um vazamento de inquéritos em andamento na Polícia Federal, como ficaria claro pela reação dos procuradores.

Horas depois da última nota publicada, um dos diretores do site, Diogo Mainardi, recebeu mensagens de Dallagnol pelo Telegram. O coordenador da Lava Jato queria que o site parasse de publicar notícias sobre offshores “em benefício do interesse social da investigação”. O procurador se arvorava o direito de definir o que era melhor para a sociedade e, em troca, acenava com a promessa de informações exclusivas no futuro.

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