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Lei da cadeia de suprimentos alemã irá fortalecer sindicatos brasileiros

Lei mais progressista aprovada sobre diligência fortalece o papel dos sindicatos em toda a cadeia produtiva

Publicado: 07 Junho, 2021 - 12h35 | Última modificação: 07 Junho, 2021 - 12h40

Escrito por: Revista Fórum

Agência Brasil/Arquivo
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Após passar por várias comissões e ser discutida em várias audiências públicas, a Lei da Cadeia de suprimentos alemã está prestes a ser aprovada no Parlamento Alemão (Bundestag). A promessa é de que seja votada ainda este mês.

Trata-se de uma legislação que vai além das fronteiras alemãs e pretende fiscalizar toda a cadeia de produção da forte indústria alemã e punir, em território alemão, as empresas infratoras da cadeia, mesmo que não sejam empresas alemãs.

Para se ter ideia, o Brasil ocupa o 8º lugar no fornecimento de produtos para a Alemanha, do couro para estofamento de carros no setor automobilístico alemão, passando pela carne até o minério de cobre.

No jargão empresarial e jurídico o termo “Due diligence” significa, grosso modo, um processo de auditoria que não se restringe ao aspecto financeiro da empresa. Due diligence e um verdadeiro raio X da empresa. Trata-se de um mecanismo realizado para investigar e diagnosticar toda a gestão da empresa no âmbito financeiro, contábil e fiscal, trabalhista, previdenciário, ambiental, jurídico, imobiliário, de propriedade intelectual e até mesmo tecnológico da empresa.

A Lei da Cadeia de Suprimentos estabelece Due diligence em toda a cadeia produtiva alemã. Deste modo, a nova Lei alemã estabelece um compromisso forte com o respeito aos direitos: trabalhistas, sociais, enfim aos direitos humanos. Assim, empresas não alemãs que pertencem à cadeia produtiva alemã que fizerem uso de trabalho análogo à escravidão ou trabalho infantil; que não respeitarem os direitos trabalhistas; que desrespeitarem as regulamentações nacionais de proteção ao trabalho; que praticarem assédio; que fizerem tratamento desigual com base em gênero, raça, nacionalidade, origem social, saúde, idade, manifestação do pensamento e religiosa; que desrespeitarem, combaterem e perseguirem os sindicatos; que destruírem o meio ambiente poderão ser punidas nos tribunais alemães e deixarem de fazer parte da cadeia produtiva das empresas daquele país.

Vitória dos Sindicatos alemães e grande apoio da sociedade alemã

A sociedade alemã como um todo está de olho no Bundestag.

Os sindicatos alemães foram os grandes responsáveis pela formulação desta lei. Durante anos, os sindicatos fizeram campanha por uma lei da cadeia de abastecimento com o objetivo de fortalecer o dever de devida diligência das empresas alemãs sobre os direitos humanos e vem acompanhando de perto o debate no parlamento.

De acordo com o presidente do IndustriALL, Jörg Hofmann: “Depois de uma longa luta, e com o apoio do movimento sindical, conseguimos um projeto de lei que obrigará as empresas a se responsabilizarem pelo que acontece em suas cadeias produtivas, o que tornará o comércio mundial mais justo. “Se as empresas não cumprirem suas obrigações de direitos humanos, os sindicatos e as ONGs poderão denunciá-los aos tribunais alemães”.

O presidente da DGB, Reiner Hoffmann, comentou :“A lei da cadeia de abastecimento é um sucesso duramente conquistado pelos parlamentares que negociaram o acordo nas últimas semanas. Acima de tudo, no entanto, é um sucesso dos sindicatos e da sociedade civil que uma mudança de paradigma esteja finalmente sendo implementada – passando do auto-compromisso voluntário para uma obrigação legal de respeitar os direitos humanos nas cadeias de valor globais. “

 De acordo com o site alemão Lieferkettengesetz até mesmo as duas grandes igrejas na Alemanha fizeram um comunicado conjunto à imprensa saudando a Lei e pressionando para sua votação ainda esta semana:

“Nós, alemães, em particular, nos beneficiamos da economia globalizada e aproveitamos as oportunidades que vêm com ela”, disse o Prelado Martin Dutzmann, representante do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha para a República Federal da Alemanha e a União Europeia. Opinião também endossada pelo Prelado Karl Jüsten, chefe do Comissariado dos Bispos Alemães – Escritório Católico em Berlim:, que acrescenta: “Portanto, é também responsabilidade de todos, a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, garantir o mundo” . 

A lei da cadeia de abastecimento goza de grande apoio  entre a população: em uma pesquisa atual e representativa da Federação das Organizações de Consumidores Alemães, 85% dos entrevistados concordaram que a política deve obrigar todas as empresas têxteis a respeitar os direitos humanos na cadeia de abastecimento global. Em uma pesquisa representativa da Infratest Dimap em setembro de 2020, 75% dos entrevistados apoiam uma lei da cadeia de suprimentos. 

Como funcionará a lei

A lei imporá obrigações legais às empresas sediadas na Alemanha para garantir que os direitos humanos e os padrões ambientais relacionados sejam observados em todos os níveis da cadeia de abastecimento. A lei deve entrar em vigor no início de 2023 e abrangerá inicialmente empresas com mais de 3.000 funcionários. A partir de 2024, abrangerá empresas com mais de 1.000.

Os subcontratados em outros países terão de cumprir os mesmos padrões, embora os fornecedores indiretos só sejam examinados se forem levantados problemas. Isso tornaria as empresas alemãs responsáveis ​​por abusos que ocorrem em suas cadeias de abastecimento. Se não conseguirem remediar esses abusos, os sindicatos e as ONGs poderão levar as empresas aos tribunais na Alemanha em nome das vítimas.

Impactos no Brasil

O Brasil exporta para Alemanha principalmente commodities como produtos agrários, agropecuários e minerais. Essas cadeias produtivas no Brasil não contam com boa reputação nem no campo das relações de trabalho nem na preservação do meio ambiente. Várias delas foram alvos de denúncia ou protagonizaram tragédias ambientais sem precedentes como o caso da Vale.

Aprovada a Lei da Cadeia de Suprimentos, as empresas alemãs que importarem do Brasil, por exemplo, ou de outros países cuja proteção trabalhista e ambiental são frágeis, sofrerão maior fiscalização e com isso fiscalizarão com maior rigor seus fornecedores.

Isso abre um enorme espaço aos sindicatos brasileiros destas empresas para vigiar e denunciar práticas que ferem os direitos humanos, sociais, trabalhistas, coletivos e ambientais e contar com a punição das empresas infratoras nos tribunais alemães.

A Lei da Cadeia de Suprimentos recupera a célebre máxima marxista: Trabalhadores do mundo, uni-vos!