Escrito por: Andre Accarini

Lideranças internacionais debatem impactos da hidrovia do Araguaia-Tocantis, no Pará

André Accarini
Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT durante a Caravana em Defesa do Rio Tocantins no Pará

O aumento da desigualdade como consequência da destruição ambiental no planeta foi tema de um debate virtual realizado por lideranças femininas de diversas organizações do mundo na manhã desta quinta-feira (17). Promovido pelo Solidarity Center, braço da maior central sindical da América do Norte, a AFL-Cio, o debate “Mulheres Trabalhadoras na Defesa da Justiça Climática” fez parte de um calendário de atividades paralelo “a 6ª sessão da Comissão sobre a Condição da Mulher, realizada pela ONU Mulheres

Entre os temas apresentados, a Secretária-Geral da CUT, Carmen Foro, denunciou as consequências sociais e ambientais a que estarão expostas as populações, em especial as mulheres, da região do Rio Tocantins no interior do estado do Pará, no Brasil. A implementação da hidrovia Araguaia-Tocantis, projeto tocado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) trará severos impactos a essas populações que sobrevivem do rio.

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Para Carmen Foro as mudanças climáticas no Brasil já são uma realidade e têm causado impacto econômico e social na vida das populações das diversas regiões do país. Característica principal desses impactos, ela diz, é a desigualdade.

A dirigente aponta ainda que além das mudanças climáticas é preciso destacar o fator degradação da vida provocada pela mão humana, como uso indiscriminado de agrotóxicos.

“Os fenômenos de enchentes e secas, o uso de agrotóxicos que não permite que tenhamos sementes sem veneno, sem transgenia, tudo atenta contra a vida da população”, disse a dirigente durante sua fala no debate.

E, somadas a essas condições, projetos predatórios de desenvolvimento tem impactado ainda mais na vida de populações como a do Baixo Tocantins, tema principal da participação de Carmen Foro.

Lucivaldo Sena Carmen Foro durante o debate virtual “Mulheres Trabalhadoras na Defesa da Justiça Climática”

 

Antes de denunciar e apontar os prejuízos à vida com a construção da hidrovia, Carmen fez um comparativo da situação com outro projeto, a Hidrelétrica do Tucurui, que trouxe esses impactos à vida das pessoas da região, como a desapropriação e realocação de famílias, além dos riscos de enchentes na região, problemas que até hoje, não foram solucionados. Há moradores ribeirinhos que relatam o temor de dormir à noite, por exemplo, em épocas de chuva, com medo de uma ‘invasão das ‘aguas’.

Por outro lado, a contrapartida, ou seja, investimentos na região e nas comunidades, prometidos, não foram cumpridos e a energia produzida pela hidrelétrica só chegou à população da região, anos depois, com muita mobilização e luta dos movimentos populares.

“Os grandes projetos na Amazônia, inclusive na região do baixo Tocantins, que tem sido alvo de projetos capitalistas, não levam em conta a vida das pessoas, a população que lá reside”, criticou Carmen.

E, com a construção da hidrovia, que é um projeto para atender o agronegócio e o setor da mineração, o drama de perder a identidade social, as condições de sustento e o próprio território – o local onde milhares de famílias moram – volta a fazer parte da vida dessas pessoas.

“Agora vivemos a construção de uma hidrovia nesse mesmo rio que já foi afetado e teve retiradas as condições básicas da população, que é diversa, que tem professores, pescadores, agricultores, quilombolas, indígenas e outros segmentos que serão afetados”, disse Carmen.

Entre os impactos da hidrovia estão a degradação da natureza e da forma como ela se organiza, como o próprio ciclo de reprodução dos peixes, importante para a atividade econômica e de subsistências das populações.

Os impactos também se estendem à agricultura familiar, outro meio de vida dessas populações, já que o agronegócio, beneficiado pela hidrovia, já vem promovendo na Amazônia uma grande devastação para o plantio de soja e milho para exportação, criação de gado e com obras para a logística de escoamento dessa produção.

Serão cerca de 800 mil famílias impactadas pela hidrovia – 800 mil trabalhadoras e trabalhadores e suas famílias.

Proteção ao trabalhador

Durante o debate, a Secretária Geral da CUT, também abordou o tema da proteção aos trabalhadores e seus direitos. Ela indicou que é objetivo do movimento sindical, hoje, identificar quem são os trabalhadores, afirmando que não se trata mais de considerar como classe trabalhadora aqueles que têm empregos formais.

“Quase um milhão de pessoas que estão à margem do rio e que serão impactados, são trabalhadores. No entanto, a obra vai envolver pouco mais de 200 trabalhadores que serão temporários”, ela disse se referindo à argumentação falaciosa do governo federal de que obras desse porte geram empregos.

E, para contextualizar a mulher no mundo do trabalho afirmou: “Nós mulheres, além de convivermos sofrermos mais com os impactos das mudanças climáticas, nós também vivemos com muitos trabalhos informais”.

Carmen ainda citou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como forma de proteção aos trabalhadores. Ela garante o direito de as populações serem consultadas sobre obras desse porte em seu local de vida.

“Se o pescador vive daquele rio, esse é seu trabalho principal e se vai haver intervenção no rio é preciso consultar como ele vai ver daí para frente. O rio vai perder essa função aos pescadores” disse Carmen.

Contra a hidrovia

Realizada de 30 de janeiro a 5 de fevereiro, a Caravana em Defesa do Rio Tocantins percorreu vários municípios da região para dialogar com as populações sobre os impactos da construção da hidrovia.

Também grande agressão à natureza será a derrocada do Pedral do Lourenço (o “Lourenção” como é conhecido na região), um trecho de 42 km de formação rochosa natural no Rio Tocantins, por ser inavegável. Serão meses de implosões nas pedras que deixaram um rastro de dejetos no rio. “A derrocada do Pedral, vai causar a morte do nosso rio”, alerta Carmen Foro.

Governo do Pará

Antes dessa jornada, outras atividades já vinham sendo realizadas desde 2019, pela CUT e outros movimentos populares para denunciar e impedir que a obra seja feita.

Desde 2019, a CUT Brasil com o apoio da AFL-CIO/Solidarity Center vem realizando na Amazônia Paraense uma mobilização envolvendo organizações sociais, sindicais, comunidades tradicionais, além da Igreja Católica e da Universidade Federal do Pará pelo desenvolvimento sustentável da região contra a lógica dos grandes projetos planejados pelo governo federal. Encontros presenciais foram realizados:

1° Seminário dos Povos das Águas e das Florestas da Margem Esquerda do Baixo Amazonas, no município de Oriximiná (PA), colocou em pauta o Programa Barão do Rio Branco do governo federal, com grandes obras de infraestrutura na região que abriga as últimas reservas de água doce ainda não contaminadas do mundo. Bolsonaro pretende construir uma hidrelétrica em território quilombola e grandes corredores de asfalto para escoamento da produção de soja, principalmente.

I Encontro dos Povos das Águas dos Baixos Rios Tocantins, realizado no município de Cametá (PA), em novembro de 2019. 

II Encontro dos Povos das Águas dos Baixos Rios Tocantins, em julho de 2021, em Baião (PA).

Nestes encontros, a pauta são os prejuízos com o projeto da Hidrovia Araguaia Tocantins, planejada para diminuir os custos no transporte para exportação de soja e minério pela Amazônia. A previsão é que 4 comboios com 9 barcaças trafeguem diariamente pelo canal de navegação que será criado no rio Tocantins.

Mulheres

Carmen ressaltou que as mulheres têm tomado a frente da luta contra a hidrovia, em especial, alertando sobre ‘compensações’ aos impactos, que possam ser prometidas pelo governo federal. “Não queremos compensação porque os impactos são incompensáveis”, disse, se referindo aos prejuízos à vida das populações que são incalculáveis.

Alertou ainda que a luta ganha ainda mais corpo quando há união de todos e todas. “Só tem uma saída que é juntar a diversidade dos trabalhadores e isso tem sido uma experiência forte que nos faz chegar ao governo do estado e cobrar atitudes do governo federal”.

Por fim, a dirigente deixou claro o posicionamento sobre o desenvolvimento “”Não somos contra o desenvolvimento e sim contra esse modelo de desenvolvimento que ignora a vida das pessoas e beneficia meia dúzia de capitalistas”. Para contextualizar, Carmen exemplificou com a própria hidrovia.

“A hidrovia vai passar com riquezas que vêm de outros estados e vai nos deixar só prejuízos. Vamos perder a liberdade de circular no rio, o rio ficará poluído, o leito será dragado com incalculáveis prejuízos à nossa população”, concluiu Carmen Foro.

O debate

Também participaram do debate virtual a gerente regional do projeto Mudando a Coalizão do Poder, Sharon Bhagwan Rolls; a Coordenadora Regional do HomeNet Ásia, Navya Dsouza;  além de Albertina Simango, vice-Presidenta da Associação da Economia Informal de Moçambique (AEIMO) e Rina Begum, presidenta do Sindicato dos Catadores de Bangladesh

Veja trecho do debate coma participação da Secretária-Geral da CUT, Carmen Foro: