Escrito por: Carolina Servio
Obra reúne entrevistas com 30 lideranças do movimento sindical que protagonizaram nas décadas 1970 e 1980 papéis importantes e que tiveram por consequência o surgimento da CUT
“Lá se vão quarenta anos. Neste constante movimento de fazer-se e refazer-se a classe trabalhadora foi capaz de produzir uma geração que tomou para si a grande tarefa de reescrever a história do país.” O trecho é do livro “A geração que criou a CUT - a história contada por quem a faz”, que será lançado nesta terça-feira (5), às 18h, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, que fica na Rua General Jardim, 522 - Vila Buarque, região central da capital.
O livro reúne o testemunho de 30 lideranças do movimento sindical que protagonizaram nas décadas 1970 e 1980, período de intensas lutas sociais e do trabalho, papéis importantes e que tiveram por consequência o surgimento da CUT.
A partir de entrevistas com sindicalistas que, à época, lideraram grande parte desses movimentos que sacudiram esse período da história do Brasil, o livro "A geração que criou a CUT" faz um resgate histórico tendo como pano de fundo o período que se inicia com a avalanche grevista de 1978 até a promulgação da Constituição de 1988, dois marcos desse processo.
O livro, publicado pela editora Annablume, foi organizado por Claudio Nascimento, Iram Jacome Rodrigues, João Marcelo Pereira dos Santos, Maria Silvia Portela de Castro e Sandra Oliveiro Cordeiro da Silva.
Segundo o professor Iram, que há mais de 30 anos pesquisa o mundo do trabalho e, principalmente os agentes que organizam esse mundo, a ideia surgiu a partir de vários encontros virtuais, ainda na época da pandemia de Covid-19, em que discutiam questões envolvendo o mundo sindical.
“A ideia era falar de fatos históricos a partir de seus agentes mais importantes. Essa geração era composta por pessoas muito jovens e com um sentimento de solidariedade muito forte. Os relatos falam muito da origem dessas pessoas, de como os trabalhadores eram pobres. E fica muito claro como os movimentos de base ligados à Igreja Católica e aos sindicatos rurais tiveram enorme importância nesse período político do país”, afirma Iram.
A partir dos relatos é possível observar que a geração que criou a CUT se conectou com o seu tempo histórico com os olhos fixados em um mundo que ainda não chegou. Segundo trecho da introdução, “o futuro que essa geração desenhou é permanentemente confiscado pelas classes dominantes, por isso continuam a nos inquietar.”
O livro explica que na segunda metade dos anos 1970 a indústria manufatureira brasileira e setores de serviços modernos (telecomunicações) tiveram um crescimento muito grande, trazendo novas questões para a enorme massa de trabalhadores que havia sofrido com o arrocho salarial e que passa a demandar sua parte no bolo e na política. Em 1978 ocorrem as greves no Brasil começando pela indústria metalúrgica e estas se estendem por um longo período e marcam o ocaso da ditadura militar. A lembrança de um entrevistado é muito viva daquele momento:
“A partir de 12 de maio de 78 eclode um tsunami de mobilizações, sobretudo operárias, industriais, basicamente. Começa com uma greve na Scania, em São Bernardo[...]. Mas o fato é que quando a gente viu aquela coisa extraordinária a partir do dia 12 de maio... Foi um negócio fabuloso! Que eu acho que todos que vão falar sobre esse período vão mostrar que aquilo teve um impacto enorme, imenso, que era chamado “os dias que valem por anos”. A partir do 12 de maio de 1978 [...], não parou mais, e não precisava [...]. É claro que o fato de os peões da Scania encontrar uma diretoria receptiva, aos seus anseios, às suas reinvindicações, isso ajudava [a] que o movimento não fosse interrompido, mas a eclosão do movimento não foi provocada pelos sindicatos... Havia um roteiro geográfico – a partir de São Bernardo ela começou a se espraiar... Tinha uma lógica territorial. Começou a vir ao encontro do parque industrial de São Paulo: zona sul, zona leste e foi se espraiando, vindo pelos roteiros industrializados. Foi um negócio fabuloso! O nosso mimeógrafo a tinta trabalhou celeremente. E bastava um “mosquito”, uma coisinha de nada você dizendo: “É amanhã!” A gente decidia. Mas a gente sabia que estavam esperando por aquilo. [...] Foi assim uma onda [por] meses. E não ficou só nas fábricas. Começou [a] parar tudo. Eu me lembro que passou ali pela região do zoológico, lá uma região próxima também ao ABC, pararam também os funcionários do zoológico, passou por um cemitério, pararam os coveiros. Era assim. Não era só fabril A comunicação, o zumzumzum, a rádio-peão, se fazia por vias diversas, mas chegava a todo mundo. Todo mundo tomava os mesmos ônibus, parava nos mesmos pontos, não é? E era isso...Até 1988 não se pode dizer que [havia] arrefecido. Claro que havia altos e baixos, mas dentro de uma ofensiva... dentro de uma disposição grande de mobilização”.
Filme
Com a profusão de relatos tão importantes para história da democratização do país e da organização política dos trabalhadores, surgiu, após o livro, a ideia de fazer um documentário com todo esse material. Esse trabalho está nas mãos do diretor Celso Gonçalves, que nesta terça-feira irá exibir o trailer do filme.
“Era um volume de histórias muito rico, revelador e inspirador também. Como as conversas foram gravadas na pandemia, todas elas foram feitas pelo zoom e sabíamos que perderíamos em qualidade técnica, mas os testemunhos são muito afetivos, francos, e nisso que o filme se sustenta”, conta o diretor. O filme deve ser lançado ainda neste mês de dezembro.