Escrito por: Carta Maior
“Curuguaty - carnificina para um golpe” denuncia papel da mídia e defende camponeses
Lançamento nacional acontece nesta quinta com presença de lideranças dos movimentos sociais
UM POUCO DE HISTÓRIA
Nas terras paraguaias de Marina Kue, Curuguaty, no dia 15 de junho de 2012, foram mortas 17 pessoas - seis policiais e 11 camponeses. O “confronto” envolveu 324 policiais, tropas de elite treinadas pela CIA e pelo exército dos EUA fortemente armadas com fuzis, bombas de gás, capacetes, escudos, cavalos e até helicóptero. Do outro lado, 60 trabalhadores sem-terra, metade deles mulheres, crianças e anciãos. O sangue derramado, vertido para as manchetes dos jornais e emissoras de rádio e televisão, inundou o imaginário coletivo de mentiras, como a de que a tropa teria sido “emboscada” e de que os camponeses não ocupavam organizadamente uma terra pública, mas formavam uma força “terrorista” que buscava tomar uma “propriedade particular”. Manipulada pela oposição, a mortandade levou à cassação do presidente Fernando Lugo uma semana depois.
Apontando a ingerência estrangeira por trás dos acontecimentos, este novo livro do jornalista Leonardo Wexell Severo, assessor da presidência da Confederação Sindical Internacional (CSI) e da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, demonstra como o capital monopolista nacional e os cartéis transnacionais atuam em fina sintonia contra a democracia e a soberania. Mais do que denunciar o processo-farsa que mantém 11 trabalhadores privados de liberdade pelo governo de Horacio Cartes, o autor faz uma exortação à luta por justiça.
Para João Antonio Felicio, presidente da CSI, a publicação do livro-reportagem justamente no momento em que o julgamento dos camponeses se encaminha para o final, reforça a campanha pela sua libertação. "Como observador internacional, Leonardo Severo acompanhou de perto o processo no Palácio de Justiça, em Assunção. Esta presença lhe possibilitou desnudar como uma farsa jurídico-midiática serviu de combustível ao golpe parlamentar contra o governo Lugo. É uma leitura esclarecedora, que convoca à solidariedade aos camponeses presos políticos do presidente Horacio Cartes e à luta pela democracia", afirma João Felício, na apresentação da obra.
De acordo com Antonio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT e membro do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é fundamental dar o máximo de visibilidade ao tema, que vem sendo completamente invisibilizado pelos grandes conglomerados de mídia. “Estudioso dos meandros de um processo judicial viciado, que mantém injustamente presos 11 trabalhadores sem-terra de Curuguaty, Leonardo Severo expõe depoimentos, dados e documentos que comprovam a necessidade da sua imediata absolvição. Este é um livro militante, que pulsa e mobiliza em favor da verdade”, destacou.
Conforme Ariovaldo de Camardo, secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, “o fato é que da mesma forma que não aceitam a reforma agrária e derramaram muito sangue para derrotar um governo constitucional, os golpistas paraguaios agora querem ver os trabalhadores sem-terra pagando por um crime que não cometeram”. “Para fazer ecoar o nosso grito de justiça, estivemos na Cúpula Social dos Povos do Mercosul, realizada no final de 2015 em Assunção, assim como no começo do ano no Fórum Social de Porto Alegre, denunciando os abusos e atropelos de um processo totalmente viciado e exigindo justiça”, concluiu.
SERVIÇO
Lançamento “Curuguaty – carnificina para um golpe”
Dia 9 de junho – quinta-feira – Das 18h30 às 21h30
Livraria Martins Fontes – Avenida Paulista, 509
Próximo ao Metrô Brigadeiro
Leia abaixo a entrevista com Leonardo Wexell Severo.
A temática latino-americana tem sido uma constante em seu repertório. Na sua opinião, qual o peso que teve Curuguaty no golpe contra Lugo?
Nas terras paraguaias de Marina Kue, Curuguaty, foram assassinadas 17 pessoas – seis policiais e 11 camponeses – em 15 de junho de 2012. O “confronto” envolveu 324 policiais, tropas de elite treinadas pela CIA e pelo exército dos Estados Unidos fortemente armadas com fuzis Galil, AR-15, AK47, bombas de gás, capacetes, escudos, cavalos e até helicóptero. Segundo a versão dos agressores, desmentida pelos fatos e pelas provas exibidas ao longo do livro, este verdadeiro exército teria sido vítima de uma “emboscada” por parte de 60 trabalhadores sem-terra, metade deles mulheres, crianças e anciãos com alguns facões, foices e espingardas velhas. O sangue derramado em prol da família de Blas Riquelme – que se advoga “dona” desta terra pública, sem apresentar qualquer título de propriedade – foi vertido para as manchetes dos jornais e emissoras de rádio e televisão, que se alinharam caninamente contra os “vagabundos”, “invasores” e “criminosos”. Desta forma, o interesse do grande capital inundou o noticiário com todo tipo de patifarias, enquanto silenciava sobre os que foram abatidos com tiros à queima-roupa depois de rendidos e esmagados por patas de cavalo. Nada sobre a dor dos filhos que ficaram sem pais nem dos pais sem filhos. Campanha midiática movida contra pessoas com calos nas mãos, fome, sede e sonhos de justiça. Eficientemente manipulada pela oposição parlamentar, a mortandade fazia parte de um plano – bem orquestrado – com objetivo claro: a cassação do presidente Fernando Lugo e a entrega ao vice, o golpista Federico Franco, ocorrida uma semana depois.
É uma denúncia sobre um processo viciado e das injustiças daí decorrentes?
Mais do que denunciar um processo-farsa que mantém 11 trabalhadores rurais privados de liberdade há quase quatro anos, dou voz aos que foram silenciados pelo tilintar dos cifrões, a fim de contribuir com a imediata libertação dos sem-terra, presos políticos de Horacio Cartes. Publico aqui parte da meia centena de artigos e reportagens que realizei ao longo do julgamento, que acompanho na qualidade de Observador Internacional cadastrado junto ao Tribunal de Sentença, em Assunção. A parceria dos jornais Hora do Povo e Brasil de Fato, das revistas Fórum e Diálogos do Sul, da Agência Carta Maior, da Rede Brasil Atual, do Portal da CUT e do site Ópera Mundi, entre outros, foi decisiva para a popularização do tema. Esta publicação não seria possível sem a valiosa contribuição da Articulação Curuguaty, responsável pela intensa, destemida e dedicada ação de solidariedade, e sem o empenho e abnegação dos advogados Vicente Morales e Guillermo Ferreiro, condutores da causa pela maior parte do tempo. Contei também com contribuições valorosas, como a do companheiro Nicolás Honigesz, da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA).
O processo judicial ainda está correndo. De que forma isso impacta na publicação?
Como o livro foi encerrado com o processo em andamento, é natural que permaneçam lacunas, pelas quais pedimos a compreensão de todos. Também nos deparamos com dificuldades, com fraudes e falsificações feitas pela polícia, como no caso do piloto do helicóptero que sobrevoou o local, Marcos Agüero. Ele teve o seu nome divulgado durante três anos e meio pela polícia como “o piloto que sobrevoou Curuguaty”, o que foi reproduzido pela mídia, sendo jamais contestada a sua presença no local. Marcos morreu em um acidente em agosto de 2015 sem ter sido ouvido, o que levanta muitas suspeitas. Agora, convenientemente, o comando da polícia informa que o piloto era outro, de nome Wilson Agüero, que passa a testemunhar em favor do operativo militar. Assim, ao mesmo tempo em que tenta aplacar as dúvidas sobre a morte de Marcos, coloca uma versão afinada aos desígnios nada confiáveis da promotoria. Feitas pequenas adaptações para que o texto não ficasse redundante, exponho acontecimentos que auxiliam na compreensão das covardes ações de um governo parceiro dos grandes latifundiários – criadores de gado, plantadores de soja transgênica e drogas – e inteiramente submisso aos cartéis transnacionais como Bunge e Cargill.
Qual a sua expectativa deste livro-reportagem?
Acredito que a leitura será de grande valia para maior entendimento da intensa e crescente disputa política e ideológica que sacode o Paraguai, o Brasil e a América Latina. Diferente do caminho neoliberal do “ajuste fiscal”, com suas privatizações/concessões e desmonte de tudo o que é público, precisamos de juros baixos para fomentar a produção; realizar a reforma agrária, garantindo terra a quem nela mora e trabalha; fortalecer o mercado interno, com valorização dos salários e garantia de direitos; democratizar os meios de comunicação e acelerar a integração dos nossos povos. Na minha avaliação, é preciso libertar os Estados do poder corrupto e corruptor dos capitais monopolistas nacionais e estrangeiros. Minha expectativa é que estas linhas sirvam de estímulo à luta sem trégua pela afirmação da soberania, para virarmos a página de alienação e submissão ao imperialismo, a fim de construirmos, ombro a ombro, a Pátria Grande sonhada por Simón Bolívar.