Escrito por: Paulo Donizetti de Souza, da RBA
"Sei que esse é muito mais que um ato de solidariedade a um preso político. É a liberdade de um povo que não aceita mais ser prisioneiro do ódio, da ganância e do obscurantismo"
Coube ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o ato final do Festival Lula Livre, que reuniu neste domingo mais de 30 artistas no palco montado na Praça da República – hoje, a “Praça da Democracia”, segundo a definiu o homenageado.
Depois de quase oito horas de música, Thiago Trindade Lula da Silva, neto de Lula, leu mensagem enviada pelo avô. “Esse ato é na verdade um grito de liberdade que estava preso em nossas gargantas. Mais que um grito, um canto de liberdade (…) O cantos dos estudantes, que não aceitam nenhum retrocesso na educação. O canto das mulheres, que não aceitam abrir mão de nenhuma conquista histórica. O canto da juventude, que não aceita que lhe roubem os sonhos”, diz a carta.
Difícil não comparar a edição paulista da versão carioca do Festival Lula Livre, realizada em julho do ano passado, no centro do Rio de Janeiro. A diferença mais nítida ficou por conta do clima. Enquanto o festival do Rio teve como cenário o céu azul claro de cartão postal sobre os Arcos da Lapa, o show do centro paulistano desafiou o céu acinzentado pelas nuvens que insistiam em regar a praça e as cerca de 80 mil pessoas que por ali passaram, na avaliação dos organizadores.
No mais, ambos os eventos se assemelharam em gênero, número, diversidade de ritmos, público e na sensação de que estão todos do mesmo lado, numa trincheira animada de luta que reúne estudantes, professores, trabalhadores, artistas, gente jovem e das antigas. Todos por um Brasil democrático, cidadão, mais humano, inclusivo, alegre.
“Nada mais perigoso para nossos adversários que um povo que canta e é feliz. Que faz da arte e da cultura instrumentos de resistência. Vamos então à luta, sem medo de sermos felizes, com a certeza que o amor sempre vence”, disse Lula, pela voz de Thiago. O neto, com voz firme e punho cerrado, encerra o texto com uma frase que levou muitos aos prantos – “um abraço, com muita saudade e a vontade imensa de estar aí”. Leia a íntegra:
Agradeço de coração a cada uma e a cada um de vocês, artistas e público, que nesse 2 de junho fazem da praça da República a Praça da Democracia. Embora tenha o nome de “Festival Lula Livre”, sei que esse é muito mais que um ato de solidariedade a um preso político. O que vocês exigem é muito mais que a liberdade do Lula. É a liberdade de um povo que não aceita mais ser prisioneiro do ódio, da ganância e do obscurantismo.
Esse ato é na verdade um grito de liberdade que estava preso em nossas gargantas. Mais que um grito, um canto de liberdade. O canto dos trabalhadores que não aceitam mais o desemprego e a perda de seus direitos. O cantos dos estudantes, que não aceitam nenhum retrocesso na educação. O canto das mulheres, que não aceitam abrir mão de nenhuma conquista histórica. O canto da juventude, que não aceita que lhe roubem os sonhos, e da juventude negra em particular, que não aceita mais ser exterminada. O canto dos que ousam sonhar, e transformam sonhos em realidade.
Boa parte de vocês que aí estão, artistas e público, felizmente não viveram os horrores da ditadura civil e militar instalada em 1964, essa que alguns querem implantar de novo no Brasil. Foi um tempo em que a luta contra a censura podia ser traduzida em canções que diziam assim: “Você corta um verso, eu escrevo outro”.
Foi com muita luta que conseguimos acabar com a censura neste país. E não vamos aceitar essa outra forma de censura, que é a tentativa de acabar com as fontes de financiamento da arte e da cultura. Que não vamos aceitar a tentativa de censurar o pensamento crítico, estrangulando as universidades.
Se eles arrancam nossas faixas, nós escrevemos e botamos outras no lugar. E vamos continuar ocupando as ruas em defesa da educação, da saúde, públicas e de qualidade; das oportunidades para todas e todos; contra todas as formas de desigualdade e de retrocesso.
Nossos adversários querem mais armas e menos livros, menos música, menos dança, menos teatro e menos cinema. E nós insistimos em ler, escrever, cantar e dançar, insistimos em ir ao teatro e fazer cinema.
Nada mais perigoso para nossos adversários que um povo que canta e é feliz. Que faz da arte e da cultura instrumentos de resistência. Vamos então à luta, sem medo de sermos felizes, com a certeza que o amor sempre vence.
Um abraço, com muita saudade e a vontade imensa de estar aí,
Lula