Escrito por: Cláudia Motta, especial para RBA
“Se enganam eles se pensam 'vamos tirar o Lula da jogada e está tudo resolvido'; se pensam que o 'problema' sou eu, é bom tirar o cavalo da chuva porque temos milhões de pessoas que pensam como o Lula
Quase três horas para chegar à Praça Pedro II, no centro histórico da capital. Metade do caminho de ferry, metade de ônibus, assim Elza Rodrigues saiu da comunidade quilombola de Rio Grande, no município de Bequimão, para chegar ao ato de encerramento da Caravana Lula pelo Brasil, na noite desta terça-feira (5). Foram 20 dias e 4.300 quilômetros passando por mais de 50 municípios nos nove estados do Nordeste. Dona Elza é mais um personagem dessa história que não poderia ser contada sem os milhares de rostos anônimos, principal componente em cada parada pelo caminho, em cada grande manifestação.
São os responsáveis por uma mistura especial de “cheiro de poeira com cheiro de esperança”, como definiu Lula em seu discurso de despedida. “Termino dizendo para vocês: queria que todo governante desse país fizesse uma caravana. Que tivessem coragem de conversar com o povo, abraçar pessoas com cheiro de poeira, cheiro de esperança e cheiro de sonho. Pessoas dizendo que estamos perdendo o que conquistamos. Eu diria: não percam a esperança. Quando não acreditarem em ninguém, entrem na política.”
Aos 65 anos, Elza estava feliz por estar ali e, mesmo sem saber, fazendo política. “Nunca tinha visto uma coisa assim”, dizia a mãe de quatro filhos, avó de 15 netos e uma bisneta. Ela conta que em Bequimão tinha “muita gente pobre”. “E no governo de Lula melhorou a qualidade de vida de muitas pessoas. Na associação que nós temos, arranjamos 49 casas nesse projeto. Colocamos o projeto no governo de Lula e recebemos as casas no governo de Dilma”, explica a agricultora que ao lado de três dos seus filhos planta milho, mandioca, feijão e já quebrou muito coco babaçu. “Hoje não quebro mais, não.”
Essa é a realização de dona Elza: ter sua casa e não quebrar mais coco. E foi à praça para comemorar. Se isso é pouco aos olhos de alguns, para ela é parte importante de sua satisfação com sua terra e sua cultura. As festas na comunidade têm forró de caixa e tambor de crioula, tudo que aprendeu com a avó e a com mãe, e ensina aos filhos e netos.
elza-e-vigilante-luiz-bezerra.jpgCLÁUDIA MOTTA/TVT/RBA
Dona Elza respondia à pergunta feita por Flavio Dino, do alto do palco, em frente à sede do governo estadual, o Palácio dos Leões. “Quem construiu as riquezas de São Luís? Quem construiu a riqueza do Brasil? Os negros, índios, os trabalhadores, o povo mais pobre do nosso país. Todos nós sabemos que estranhamente, nosso país desenvolveu um ódio aos mais pobres. Esse país é racista, preconceituoso e obscenamente desigual. Temos de lutar contra tudo isso.”
Era mais uma noite em que, longe dali, o Jornal Nacional dedicava longos minutos a uma denúncia apresentada contra Lula e Dilma pelo procurador-geral Rodrigo Janot, em mais um episódio de perseguição política por uso da Justiça e da mídia – enquanto o telejornal desprezava as provas materializadas em malas de dinheiro em apartamento de Geddel Vieira Lima.
E Lula voltava a pedir que ninguém se desesperasse. “Ninguém pode perder a esperança”, reforçou. “Se enganam eles se pensam: vamos tirar o Lula da jogada e está tudo resolvido. Se pensam que o problema sou eu, é bom tirar o cavalo da chuva porque já temos milhões e milhões de pessoas que pensam como o Lula”, avisou.
“O Lula hoje representa uma ideia: a ideia de que o povo merece e pode viver bem. Nós aprendemos que não queremos mais morar na senzala, queremos morar na casa grande. Queremos subir o degrau social nesse país. Nosso milagre não está na capacidade do Lula, está na capacidade de vocês.”
Benjamim Alves, 15 anos, é um dos Lulas. O estudante estava na praça por que sempre conviveu com a desigualdade social. “Para mim, esse ato é um grito de democracia. O que a gente está vivendo hoje é uma espécie de ditadura camuflada. Esse ato é o grito da classe dominada, que somos nós. Representa toda a luta de um povo. Agora querem chegar e tomar a liderança, mas não vão. Eles só ganham no grito, a gente ganha na urna.”
Definindo Lula como um grande orador, Benjamim ainda estava por ali quando o ex-presidente falou da caravana. “Defendemos a democracia, o respeito à Constituição, o direito de termos um presidente que conhece a alma do povo, o que pensam negros, índios, LGBT, a sociedade diversa.” Mas ressaltou: “A democracia que eu quero é diferente da democracia que a elite quer. Na democracia deles, você pode gritar que tá com fome, mas não pode comer. Tem direito de dizer que quer trabalhar, mas não se preocupam com seu emprego. Por isso, o Temer está destruindo todas as conquistas dos trabalhadores”, criticando as mudanças impostas após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e o projeto político eleito para governar o Brasil.
contag-e-eduardo-souza.jpgCLÁUDIA MOTTA/TVT/RBA
Lula aproveitou o ato de encerramento da caravana em São Luís para agradecer aos governadores e prefeitos que receberam a comitiva em seus estados, suas cidades. Também agradeceu ao MST, à CUT, à Contag, aos sindicatos locais, “pela dedicação extraordinária para que pudéssemos colher carinho e sugestões do povo”.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), incentivou seus sindicatos filiados às noves federações locais no Nordeste a se envolver na caravana. “Está sendo uma oportunidade muito boa de a gente discutir com a população o que está acontecendo com o Brasil. O Lula não trás apenas esperança, traz também consciência, para que as pessoas entendam o que está acontecendo com o Brasil e a gente possa sair desta situação”, observou o presidente da Contag, Aristides Santos.
A secretária nacional de combate ao racismo da CUT, Júnia Nogueira, chegou à caravana durante esta passagem pelo Maranhão. “Minha participação está se dando no meu estado natal, mas acompanho a caravana pelas redes sociais e Lula acertou em ter construído essa caravana que, no Nordeste, tem sido um sucesso total. O objetivo principal dela é o presidente dialogar com a sociedade local e, acima de tudo, ouvir o que a população nordestina, que tanto se beneficiou das políticas sociais do governo Lula, está pensando e querendo”, disse.
O coordenador nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, destacou: “Não podemos apenas vir aqui e bater palmas para o Lula. Como militantes e representantes do povo brasileiro, temos que arregaçar as mangas e lutar. A luta é para amanhã, e depois, e só termina 1º de janeiro de 2019. O Brasil tem jeito. O Brasil tem futuro. O Brasil tem um povo lutador. E nós temos vontade política. Em 2018, vamos colocar de volta nosso companheiro Lula. A direita está mais perdida porque eles não representam o povo, não têm líderes do povo. Eles só têm uma forma de impedir que o povo volte ao poder, que é impedir o companheiro Lula”.
Stédile anunciou que os movimentos sociais estarão novamente solidários ao ex-presidente na ocasião de seu próximo depoimento ao juiz de primeira instância Sérgio Moro, no dia 13 em Curitiba. “O Judiciário tem que estar com o povo e não contra, como estão”, disse.
O ex-presidente encerrou o último ato de sua viagem com uma saudação especial ao movimento social: “Termino essa caravana muito grato ao movimento social, porque fizeram acontecer a caravana que mexeu com o coração do povo brasileiro, apesar de a grande imprensa não ter dado uma única notícia em todos esses dias”. Em entrevista aos jornalistas da mídia alternativa, Lula já tinha criticado a postura dos jornais, revistas e emissoras de TV e rádio comerciais. “Se a elite não sabe fazer, por favor, não se escondam atrás de mentiras. Disputem as eleições pra gente recuperar o Brasil para os brasileiros. Eles que se cuidem porque o povo brasileiro vai voltar a governar esse país.”