Lula lê manifesto sobre prisão política antes da entrevista a Folha e El País
"Folha de S.Paulo" cortou leitura de manifesto elaborado pelo ex-presidente em que, antes da entrevista, denunciou as arbitrariedades cometidas em seu processo
Publicado: 29 Abril, 2019 - 16h08 | Última modificação: 29 Abril, 2019 - 16h23
Escrito por: Redação RBA
Antes de responder às perguntas dos jornalistas da Folha de S.Paulo e El País na última sexta-feira (26), o ex-presidente Lula leu um manifesto de três páginas em que denuncia a "condenação injusta" e a "prisão ilegal" a qual está submetido há mais de um ano. Mesmo na "íntegra" da entrevista, a Folha cortou a leitura do documento, mostrado pelo El País.
Nele, o ex-presidente diz que a sua condenação é consequência direta do golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, consumado em 2016, e, segundo Lula, "preparado" desde 2013 pela Rede Globo, que estimulou manifestações de rua, num "vale-tudo" antidemocrático contra o governo do PT.
Lula repudiou acusações "levianas" da OperaçãoLava Jato, denunciou as "mentiras" do procurador Deltan Dallagnol, e destacou que sua pena foi agravada pelo "arbítrio" de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), "tão parciais quanto o juiz Sérgio Moro".
"Eu sei muito bem o lugar que a história nos reserva, meus companheiros e companheiras. E sei também quem estará na lixeira dos tempos, quando o povo vencer mais essa batalha. Mais importante do que isso: sei que a injustiça cometida contra mim recai sobre o povo brasileiro, que perdeu direitos, oportunidades, salário justo, emprego formal, renda e esperança num futuro melhor".
Confira a íntegra do manifesto
Minha condenação injusta e minha prisão ilegal há mais de um ano são mais que o resultado de uma farsa jurídica. São consequências diretas do fracasso social, econômico e político do golpe do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016.
Aquele golpe começou a ser preparado em 2013, quando a Rede Globo de Televisão usou sua concessão pública para convocar manifestações de rua contra o governo e até contra o sistema democrático. Tudo valia para tirar o PT do governo, inclusive a mentira e a manipulação pela mídia.
Isso aconteceu quando nossos governos tinham alcançado nossas maiores marcas. Multiplicamos o PIB por várias vezes, chegamos a 20 milhões de novos empregos formais, tiramos 36 milhões de pessoas da miséria, levamos quase quatro milhões de pessoas às universidades, acabamos com a fome, multiplicamos de modo espetacular a produção e comércio da agricultura familiar, multiplicamos por quatro a oferta do crédito, e isso em meio a uma das maiores crises do capitalismo na história. E ainda assim praticamente quadruplicamos as nossas exportações.
O Brasil que estávamos criando junto com o povo e as forças produtivas nacionais foi retratado pela Rede Globo e seus seguidores da imprensa como um país sem rumo e corroído pela corrupção.
Nem em 1954 contra Getúlio, nem em 1964 contra Jango se viu tanta demonização contra um partido, um governo, um presidente. Centenas de horas do Jornal Nacional e milhares de manchetes e capas de revistas contra nós sem nenhuma chance de defender nossas opiniões.
Mesmo assim, em 2014 derrotamos os poderosos nas urnas pela quarta vez consecutiva.
Para quem não conhece o Brasil, nossas elites dizimaram milhões de indígenas desde 1500, destruíram florestas e enriqueceram por 300 anos às custas de escravos, tratados como se fossem bestas, colonos e operários tratados como servos, divergentes como subversivos, mulheres como objetos e diferentes como párias. Negaram terra, dignidade, educação, saúde e cidadania ao nosso povo.
Mas a Globo, o mercado e os representantes dos estrangeiros, os oportunistas da política e os exploradores da gente simples disseram que era preciso tirar o PT do governo para resolver os problemas do Brasil e do povo brasileiro. Hoje, o povo sabe que foi enganado.
Criamos o PT em 1980 para defender as liberdades democráticas, os direitos do povo e dos trabalhadores. O acúmulo das lutas do PT e da esquerda brasileira, do sindicalismo, dos movimentos sociais populares nos levou a consolidar um pacto democrático na Constituinte de 1988.
Esse pacto foi rompido pelo golpe do impeachment em 2016 e por seu desdobramento que foi minha condenação sem culpa e minha prisão em tempo recorde para que eu não disputasse as eleições.
Reafirmo minha inocência, comprovada por todos os meios de prova nas ações em que fui injustamente condenado pelo ex-juiz Sérgio Moro, sua colega substituta e três desembargadores acumpliciados do TRF-4.
Repudio as acusações levianas dos procuradores da Lava Jato e denuncio Dallagnol, que nunca teve a coragem de sustentar, ante meus olhos, as mentiras que levantou contra mim, minha esposa e meus filhos.
Mais de um ano depois de minha prisão arbitrária está cada dia mais claro para o povo brasileiro que fui injustiçado para não ser candidato às eleições presidenciais no ano passado, nas quais, segundo todas as pesquisas de opinião pública, teria sido eleito em primeiro turno contra todos os adversários.
O povo sabe que minha prisão teve motivos políticos. Posso reafirmar com a consciência tranquila por ser inocente. Os que me condenaram, não.
Fui condenado sem prova e sem crime. Minha pena ilegal foi agravada pelo arbítrio de três desembargadores do TRF-4, tão parciais quanto o juiz Sérgio Moro.
Os recursos de minha defesa laceados em argumentos sólidos foram ignorados burocraticamente pelo STJ. Meus direitos políticos foram negados, contra a lei, a jurisprudência e uma decisão da ONU pela justiça eleitoral.
Mesmo assim, minhas ideias e meus ideais continuam vivos na memória e no coração do povo brasileiro. Mantenho minha esperança e confiança no futuro num julgamento justo, por causa das generosas manifestações de solidariedade que recebo todos os dias aqui em Curitiba por parte dos companheiros maravilhosos da Vigília e de todos os cantos do Brasil e do mundo.
Eu sei muito bem o lugar que a história nos reserva, meus companheiros e companheiras. E sei também quem estará na lixeira dos tempos, quando o povo vencer mais essa batalha. Mais importante do que isso: sei que a injustiça cometida contra mim recai sobre o povo brasileiro, que perdeu direitos, oportunidades, salário justo, emprego formal, renda e esperança num futuro melhor.
Hoje, estou aqui para falar com jornalistas, como sempre fiz ao longo da minha vida. Na verdade, para falar com o nosso povo. Esse direito me foi negado por sete meses e durante o processo eleitoral, o que estava absolutamente fora da lei.
Mas guardo comigo uma certeza: preso ou livre, censurado ou não, tenho com o povo brasileiro uma comunhão eterna que o tempo não vai apagar. Contra todos os poderosos, contra a censura e a opressão, estaremos sempre juntos por um Brasil melhor, mais justo, com oportunidades para todos.
Obrigado!