Lula na TVT: Eu queria voltar em 2018 para radicalizar mais a democracia
"O Brasil cresceu 7% ao ano entre 1950 e 1980. Por que não teve inclusão? Porque pobre nunca entrou no orçamento; só entrava na mira da classe dirigente para apanhar"
Publicado: 16 Janeiro, 2020 - 10h17 | Última modificação: 16 Janeiro, 2020 - 10h20
Escrito por: Redação RBA
O período de fartura e crescimento econômico na era Lula é frequentemente desqualificado por seus críticos como sendo um período de alta de preços das commodities (produtos não industrializados) que o governo não soube aproveitar. Na entrevista desta quarta-feira (15) à TVT, o ex-presidente rebate: “O problema não é o boom de commodities. O que nós fizemos nesse país foi o boom da participação e da inclusão social. Eu disse outro dia: o Brasil cresceu, entre 1950 e 1980, 7% em média ao ano. Por que não teve inclusão social? Porque pobre nunca entrou no orçamento. E pobre nunca esteve na mira da classe dirigente a não ser para apanhar”.
Nesta parte da entrevista de Lula à TVT, a paixão pelo Corinthians e pelo bom futebol jogado no mundo também ganham destaque. Lula rechaça a tese de que teria influenciado na construção do Itaquerão e afirma que defendia o uso do estádio do Morumbi na Copa de 2014 – posição também defendida pelo ex-governador José Serra e testemunhada por Juca Kfouri, um dos entrevistadores da banca, ao lado de José Trajano e Talita Galli.
O ex-presidente reitera também que o PT deve fazer um exercício de reflexão sobre sua origem, sobre por que decidiu se dar ao trabalho de criar um partido político de esquerda em plena ditadura, quando teria sido mais cômodo filiar-se à ala histórica do então MDB, que já estava pronta.
“E para que a gente quer o partido? Para fazer a transformação social. Não estou falando de revolução. Estou falando da transformação que é possível fazer na democracia. Eu provei. E queria voltar em 2018 porque eu queria radicalizar mais. Radicalizar a democracia, radicalizar os direitos das pessoas”, afirma. “Se as pessoas podem comer três vezes ao dia, vão comer três vezes ao dia e ter mais uma ceiazinha. Por que que não pode?”
Juca – Presidente, e o Corinthians, que falta lhe fez no seu dia a dia?
Lá (na prisão) a gente não podia ver esporte, só tinha TV aberta. Só via coisa chata pra cacete. De vez em quando tinha um futebol. Eu fiquei triste, o Corinthians está muito ruim. Sou de uma tese de que o time de futebol precisa compreender a lógica do Real Madrid, do Barcelona, a lógica dos times ingleses. Ou seja, se você quer lotar estádio, se você quer ganhar dinheiro, se você quer vender camiseta, você tem que ter um time bom.
Eu saía da minha casa na Vila Carioca (bairro da região sudeste de São Paulo, próximo a São Caetano) para ver o Santos jogar. Para dar uma ideia: Santos e São Paulo, em que o Pagão estreou no São Paulo e São Paulo ganhou de 4 a 1; o Santos fugindo de campo; o Pelé expulso; depois caiu Dorval… Eu estava lá porque eu gostava do bom futebol. Eu fui ver o Palmeiras jogar muitas vezes, tinha um timão. Os times têm de ficar bons para o pessoal ir no campo, lotar o estádio.
Veja o jogo do Real Madrid, do Barcelona, tudo lotado. O Flamengo está lotando. Uma maravilha ver jogo do Flamengo no Maracanã, um espetáculo. Por que o Flamengo está assim? Porque o time está bom. Ele sempre jogou no Maracanã, agora ele montou um time razoável e o técnico conseguiu criar um padrão, motivação.
Trajano – O que acha dos técnicos estrangeiros? Alguns técnicos brasileiros estão reclamando disso, se sentindo desprestigiados.
Eu acho isso uma bobagem… Todo mundo tem seu time, mas todo mundo adora o bom futebol.
Juca – Mas o senhor gosta mais do Corinthians ou do bom futebol?
Eu gosto do Corinthians. O Corinthians faz parte da minha vida desde os 9 anos de idade. Eu comecei a torcer para o Corinthians morando em Santos. E no ano seguinte que eu comecei a torcer pelo Corinthians, o Santos foi campeão em 55 e 56. Depois eu estava no Pacaembu quando o São Paulo ganhou de 3 a 1 (tarde das garrafadas, lembra Juca). Então eu sou corintiano, é uma parte da minha vida. Agora, eu gosto do bom futebol.
Juca – Atribui-se ao senhor a boa fase do Corinthians. Eu mesmo um dia escrevi que o melhor presidente que o Corinthians jamais teve foi o presidente Lula. O Luís Paulo Rosenberg ficou muito bravo comigo. O Andrés Sanchez também. Eu não ligo. O Sanchez não teve nenhum gesto de solidariedade em relação ao senhor. Como entender isso tudo no mundo do futebol?
Eu não sei. Eu gosto das pessoas, eu não peço para as pessoas gostarem de mim. Eu gosto do Corinthians, diria que amo o Corinthians. Mas eu respeito o bom futebol.
Agora, estive preso e recebia recados de companheiros que o Andrés tinha mandado abraço. No dia em que ele me procurar, eu continuo sendo amigo dele. Acho que o segundo mandato dele não foi o mandato que ele mesmo esperava que pudesse fazer.
Juca – O grupo Democracia Corintiana quis abrir uma faixa em Itaquera por Lula Livre e não foi permitido.
Trajano – Não sei se foi por ele, exatamente por ele.
Não sei, mas de qualquer forma eu sempre tive uma boa relação. Eu não conversei com ele desde o dia 7 de abril de 2018. Quem sabe a gente se encontra um dia desses…
Juca – O senhor teve alguma influência mesmo na gestão do Corinthians? Atribuem Itaquera ao senhor…
Não tive. Uma bobagem que se inventou. Se inventou a bobagem que eu era que tinha mandado construir o Itaquerão. Eu, na verdade, queria é que o Morumbi fosse a sede da Copa.
Juca – Disso eu sou testemunha.
Queria, mas o Kassab não queria. Depois o Corinthians começou a construir o estádio. Se inventou que aquele estádio iria abrir a Copa do Mundo e daí pra frente se exigiu que gastasse um dinheiro que não poderia gastar. A Fifa exigiu elevador particular… Manda para aquele lugar! Fazer coisa particular e o Corinthians fica com a dívida?
Não conheço os detalhes, mas acho que o Corinthians em algum momento foi presunçoso em não resolver logo o negócio da publicidade do estádio. Sabe aquele negócio de eu posso mais, eu vou ganhar mais. Então, meu caro, foi isso. E se o time não estiver bom, não vai arrumar.
Trajano – Então agora é que não vai arrumar mesmo, então já era.
Juca – Você é anticorintiano…
Estou preocupado agora porque estão vendendo moleque com 16 anos e comprando velho com 35. Não pode ir pra frente. Até o Kaká deu uma entrevista falando: fui embora com 23 anos, ainda é cedo pra gente ir embora, podia ser um pouquinho mais. Poderia jogar aqui.
Porque, senão, a molecada vai embora e daqui a pouco você vê o Tite fazer uma convocação e não se conhece ninguém. Onde jogava aquele cara, que time que ele era. Não é correto isso. Com o futebol brasileiro não é correto.
Se bem que lá também, você pega os times melhores da Europa e vai perceber que tem 10 estrangeiros no time titular. Atrapalha o crescimento do futebol lá. Mas futebol é uma máquina de produzir dinheiro. Eu vejo menino de 17 anos ser vendido por 150…
Juca – Sim, esse menino Reinier foi vendido por 35 milhões de euros para o Real Madrid.
Trajano – Mudando de assunto. Eu li uma coluna da Eliane Brum que foi muito comentada, chamada “Os Cúmplices”. Eu peguei uma frase que abre esse artigo dela: “Em 2020, cada um saberá quem é diante de uma realidade que exige coragem para enfrentar e coragem para perder”. É um pouco o tom do que o Lula falou aqui. Tem de enfrentar, bloco na rua, não se omitir. E tem que estar preparados para perder. Não é isso?
Isso. Eu fui no Congresso do PT e fiz um pronunciamento em que eu falava as razões pelas quais o PT existia. Porque se não for para o PT cumprir determinadas coisas, não haveria razão de eu e outros companheiros, como Olívio Dutra, Jacó Bittar, José Ibrahim, Apolônio de Carvalho, criar um partido político. Eu podia ser autêntico do MDB, já estava criado, não tinha de ficar me esforçando. Passei quantos anos justificando minha barba? Passei quantos anos justificando a estrela vermelha? É um negócio maluco. Eu levava até Jesus Cristo barbudo: a gente é barbudo também. Vocês não tiveram isso com a barba dele, só com a minha? Um preconceito desgraçado.
Por que nós criamos um partido? Para dar vez e voz àqueles que nunca tinham tido vez e voz. Bem claro isso. Aqueles que estavam habituados a só bater palmas. Nós queríamos que aqueles que só batiam palmas, subissem no palanque. E criamos um partido.
E para que a gente quer o partido? Para fazer a transformação social. Não estou falando de revolução. Estou falando da transformação que é possível fazer na democracia.
Eu provei. E queria voltar em 2018 (participando da eleição presidencial) porque eu queria radicalizar mais. Radicalizar a democracia, radicalizar os direitos das pessoas. Se as pessoas podem comer três vezes ao dia, vão comer três vezes ao dia e ter mais uma ceiazinha. Por que que não pode?
Por que que pode uma pessoa só juntar 40 bilhões na sua conta pessoal e você ter um monte de criança aí no Glicério pedindo esmola e comendo na rua, do lixo.
Quando vejo a Globo fazer campanha do Criança Esperança… vão dizer que esse Lula é sectário. Não! Por que a Globo não dá da rentabilidade dela o dinheiro para o Criança Esperança? Por que tem de fazer campanha de arrecadação? Por que a Fundação Roberto Marinho não faz isso?
Por que essa gente não tem pelo menos o coração que têm ricos estrangeiros que dão prédios para fundações, que fazem universidades? Por que não faz aqui? Que paga imposto sobre herança, que aqui não paga…
Talita – O senhor falou em reconquistar…
A minha ambição de voltar era porque acho que eu podia fazer muito mais. Esses dias eu estava respondendo uma pergunta e falavam: “ah, mas o governo do Lula só deu certo por causa do boom das commodities”.
As pessoas hoje estão exportando a tonelada de soja a quanto? No meu tempo valia uns R$ 2,60 e hoje está quase R$ 4. Essas pessoas estão ganhando o dobro pela mesma tonelada.
O problema não é o boom de commodities. O que nós fizemos nesse país foi o boom da participação e da inclusão social. Eu disse outro dia: o Brasil cresceu, entre 1950 e 1980, 7% em média ao ano. Por que não teve inclusão social? Porque pobre nunca entrou no orçamento. E pobre nunca esteve na mira da classe dirigente a não ser para apanhar.