Escrito por: Redação RBA
Na Rádio Brasil Atual, Lula pede desculpas por frase infeliz e critica má fé de quem a explorou. Pede impeachment de Bolsonaro e unidade contra o fascismo
Em entrevista ao vivo na Rádio Brasil Atual, na tarde desta quarta-feira (20), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende o impeachment ou a renúncia de Jair Bolsonaro. “Ou ele cria coragem e governa o país, ou ele renuncia”, afirmou. Lula fala sobre as dificuldades de se formar uma frente ampla nas próximas eleições e também pede desculpas por uma frase que, desde ontem, provocou polêmica nas redes sociais.
Na última pergunta feita pela repórter Marilu Cabañas, em entrevista de aproximadamente 40 minutos, Lula pede desculpas e admite que a expressão “ainda bem” – durante entrevista a Mino Carta, diretor da revista CartaCapital – foi “infeliz”, empregada num momento em que defendia um Estado mais forte e atuante para enfrentar a pandemia do coronavírus. Mas acrescentou que muitas críticas mostraram má-fé, por partir de pessoas que sabem “muito bem” o que ele estava dizendo.
“Peço desculpas, porque a frase não cabia naquilo que eu queria falar. Que é no auge da crise a gente entende a importância do SUS e do Estado. Peço desculpas a quem se sentiu ofendido. Duas palavras (“Ainda bem”) que não cabiam na frase”, disse Lula, para explicar o sentido de sua afirmação: “Somente o Estado é capaz de resolver os problemas graves que o mercado nunca vai resolver”. Para exemplificar, o ex-presidente afirmou que 63% de todos os leitos do SUS foram criados no seu governo e no de Dilma Rousseff.
“Eu sou um ser humano movido a coração e sei o sofrimento que causa a pandemia. Acredito piamente que enquanto não tiver remédio a melhor solução é não sair de casa. Mas também não posso aceitar a má-fé de quem achou, a partir daí, que eu estava comemorando a pandemia. Não dou o direito a nenhum mau caráter de má-fé, que há 10, 15 anos só fala mal de mim e vem tirar proveito de uma coisa que ele sabia o que eu estava querendo falar”, reagiu o ex-presidente.
Prestes a receber, ainda hoje, um título Honoris Causa da Universidade de Rosário, na Argentina, Lula falou sobre as conversas virtuais que tem promovido com ex-ministros e afirmou que o Brasil “não tem presidente da República” neste momento. “Ele (Bolsonaro) não está governando o Brasil. É um presidente que não se preocupa com a crise sanitária, com a economia, com a relação com outros países, criando embaraços para o Brasil.”
Lula disse ainda que faltam “estabilidade emocional e capacidade política” ao atual chefe da nação.
Para o ex-presidente, o país poderia ter adotado medidas de prevenção, com testes, compra de insumos, estímulo à reconversão industrial, maior oferta de leitos. “Tudo que começa errado é mais difícil consertar. O presidente da República desprezou a crise sanitária, desrespeitou toda e qualquer ideia dos cientistas, dos estudiosos”, afirmou, citando ainda as saídas, em pouco tempo, de dois ministros da Saúde. Segundo ele, Luiz Henrique Mandetta “estava trabalhando razoavelmente”, mas saiu porque se opôs a deliberações do presidente. Já Nelson Teich “saiu menor do que entrou”.
“E aí o presidente coloca um general (o ministro interino, general Eduardo Pazuello), que não se sabe qual é a especialidade, um interino que já colocou nove outros militares no ministério. (…)”, acrescentou Lula. O dado concreto é que todo mundo precisa se unir para enfrentar esse adversário. Na Guerra do Vietnã, morreram 58 mil americanos. Com coronavírus, já morreram mais americanos do que em 20 anos de guerra.” Para o ex-presidente, a Organização das Nações Unidas (ONU) já deveria ter convocado os presidentes para discutir ações conjuntas.
Já o Brasil precisaria de um governante que atuasse como “maestro”, comparou Lula, com boas relações com governadores, prefeitos, Legislativo e Judiciário. “Ele tem que trabalhar de forma harmônica com todo mundo. Em 2008, estávamos para chegar à quinta economia do mundo. Hoje não sabemos mais onde estamos, porque só ouvimos falar em vender, vender.”
A repórter questiona Lula sobre o porquê de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não analisar as dezenas de pedidos de impeachment já recebidos. “Acho que ele deveria colocar em votação, e vai pra disputa”, disse o ex-presidente, lembrando que Bolsonaro vem tentando compor com o chamado Centrão para evitar o processo de impeachment. Mas acrescentou que um governo precisa de credibilidade e previsibilidade, e o atual não dá essa garantia. “Ninguém investe no país porque os olhos do presidentes são azuis ou castanhos, se é capitão, tenente ou general.”
Sobre a formação de uma frente ampla, inclusive com partidos de direita, ele lembrou do movimento pelas Diretas Já, na primeira metade dos anos 1980, com o objetivo de se restabelecer as eleições diretas para presidente da República. Mas na primeira eleição, apareceram mais de 20 candidatos.
“Nós precisamos juntar as pessoas que acreditam em democracia, que querem liberdade, que respeitam os direitos humanos, que querem lutar contra o racismo, o preconceito, para lutar contra o fascismo, ou o nazismo. Nós precisamos juntar tudo. Eu sei que está difícil, porque 2022 já está no horizonte. O PT tem se transformando em adversário de muita gente porque cresceu muito. É o mais importante e mais forte partido de esquerda da América Latina e o que tem a mais bela história de inclusão que o brasil conhece desde que Cabral aqui pôs os pés.”
Ao lembrar que já foi candidato cinco vezes, com duas vitórias e três derrotas, Lula observou que estará com 77 anos em 2022 e descartou seu próprio nome. “Meu papel é lutar pela democracia e eleger alguém quem saiba que pobre não é número, é gente. Que não é problema, é solução. (…) Tá difícil criar frente ampla. (…) Precisamos conscientizar as pessoas que este país não é senzala. Também não é Casa Grande”, disse o ex-presidente.
Ele também questionou a formação de uma eventual frente ampla, lembrando de articulação feita por alguns nomes do PMDB – citando Fernando Henrique Cardoso, entre outros – com o governo militar, ainda durante o movimento das Diretas, contra a candidatura de Ulysses Guimarães. “Fizeram um acordo e Ulysses Guimarães ficou chupando o dedo. Nós queremos uma frente ampla para quê? Onde estará o trabalhador?” Não pode ser só para bater palma, emendou.
Ele comentou ainda o assassinato do adolescente João Pedro, no Rio de Janeiro, chamando o Estado de “criminoso”. “Eles estão achando que a gente vai construir a paz com arma. A gente constrói a paz com emprego, salário, educação, com os estados cumprindo suas funções na periferia. Na verdade, o grande criminoso é o Estado, que não cumpre suas funções constitucionais”, afirmou, aproveitando para contestar uma expressão repetida nessas situações: bala perdida.
“Não sei qual foi o malandro que inventou a palavra bala perdida. A bala não se perde, o cara atirou para um determinado lado. o tiro é dado sem que a pessoa tenha noção do que está acontecendo em volta dela”, reagiu Lula. Ele lembrou de slogan da campanha presidencial de Fernando Haddad em 2018, propondo livro e carteira profissional no lugar da arma. E disse esperar que, no pós pandemia, “a gente possa ressurgir com um pouco mais de humanismo”.