Escrito por: André Accarini

Luta pela vida é ponto central do Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha

Mulheres negras são as maiores vítimas de uma violência institucional provocada pelo racismo estrutural da sociedade. Queremos ter direito à vida, diz secretária de Combate ao Racismo da CUT Nacional

CUT

A luta pela vida é um dos focos principais das celebrações, atividades e manifestações pelo dia da Mulher Latino-Americana e Caribenha, o 25 de julho, também Dia da Mulher Negra e Dia Nacional de Tereza de Benguela.

São as mulheres negras as maiores vítimas da violência institucional não só no Brasil, mas em todo o mundo, já que são elas as primeiras atingidas pelas crises econômicas e sociais, perdendo seus empregos, o acesso a políticas públicas, além de terem de enfrentar toda a crueldade do racismo estrutural da sociedade.

A data surgiu em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, realizado na República Dominicana e, no Brasil, é parte do “Julho, o Mês das Pretas”.

Apesar de ser cotidiana e permanente, a luta contra o racismo e contra a violência praticada contra as mulheres negras é intensificada neste período, para que a visibilidade sobre o tema seja ainda maior. E, em especial, na atual conjuntura brasileira, de recrudescimento das condutas extremistas de direita. “Reafirma a resistência e a luta das mulheres que têm como bandeira fundamental o direito à vida”, diz a professora Anatalina Lourenço, secretária de Combate ao Racismo da CUT.

Ela explica que essa luta passa por questões como o feminicídio, pela garantia de dignidade no trabalho, pela igualdade de oportunidades, pela luta contra o machismo e pela segurança alimentar.

Desemprego e violência

De acordo com os dados do Atlas da Violência, elaborado pelo Fórum Nacional da Segurança Pública, somente em 2009, 2.469 mulheres negras foram mortas, vítimas de homicídios. O risco de uma mulher negra ser vítima de homicídio em 2019 foi 1,7 vezes maior do que o de uma mulher não negra. 

Já no que se refere ao mercado de trabalho, segundo dados do Dieese referentes ao 2° trimestre de 2021, além de o desemprego entre as mulheres negras ser o dobro que o dos homens brancos, as que conseguem uma ocupação têm os piores salários e os trabalhos mais precarizados. Somente 1,9% delas ocupam algum cargo de direção.

Entre as mulheres negras o índice de ocupação em trabalhos precários é de 46%. A subutilização da força de trabalho impacta 40,9% das mulheres negras enquanto que para os homens não negros, atinge 18,5%.

Vítimas potenciais do racismo, as mulheres negras sofrem coma violência estrutural da sociedade também ao serem estigmatizadas como incapazes de ocupar trabalhos que requerem maior qualificação. Em geral, elas são vistas como se ocupassem tão somente postos de trabalho precarizados.

Se os dados mostram que, de fato, elas ocupam essas posições, a causa do problema é o racismo estrutural da sociedade, “um sistema ideológico que organiza a forma a estrutura do pensamento coletivo e de como as pessoas enxergam a vida”, reforça Anatalina Lourenço.

“O racismo estrutural organiza situações que normalizam uma série de atitudes que são extremamente racistas e dolorosas”, ela diz se referindo a classificar as pessoas pela cor da pele e pela estrutura física, ou seja, uma mulher negra será sempre vista daquela forma e pelo fato de a sociedade se organizar com base nessa ‘ideologia’, a mulher negra acaba tendo negado o direito a oportunidades. 

 “A luta pelo direito à vida passa também pela garantia de termos comida na mesa. A maior parte dos mais de 33 milhões de brasileiros que hoje passam fome, é de homens e mulheres negras”, diz Anatalina.

Além de todos esses fatores, que relegam à mulher negra a condição de ‘base da pirâmide social’, há a sexualização dos corpos das mulheres negras. Esta realidade é traduzida pelo ‘sentimento’ de muitos homens de que o corpo da mulher negra é “um objeto” e está à disposição para satisfazer prazeres o tempo todo. E esta é mais uma foram de violência contra elas.

Saúde mental

Ser mulher negra no Brasil, relata Anatalina, “exige um esforço sobre-humano para que manter a mente equilibrada”. Ela explica que realidade delas, ignorada por grande parte da sociedade, é de sofrimento, angústia e dor.

Ela cita como exemplo o drama diário das mães que temem por seus filhos, quando vão à escola, ao trabalho e até mesmo quando vão trabalhar, pela grande possiblidade de serem vítimas da violência nas ruas, em especial, praticada pela polícia.

“Para uma mãe negra, a preocupação deveria ser apenas de garantir condições dignas de cuidar dos filhos, protegê-los. Mas, para a mulher negra, isso acontece de outra forma. Além de lutar para que durante a infância o filho tenha atendimento médico digno, ela teme pela violência, tanto que a primeira orientação é ‘preste atenção por onde anda; quando a polícia te parar, tenha calma, não tenha gestos amplos, preste atenção no número da viatura, ao nome do policial’. É a primeira coisa que a mãe diz aos filhos ao saírem de casa.

E quando a criança consegue passar para a juventude,  prossegue Anatalina, a mãe ainda continua orientando os filhos a não andar com capuz na cabeça, jaqueta, boné e, ao avistar uma viatura, não apressar o passo e estar sempre em locais de grande circulação, para minimizar o risco de ser abordado e agredido gratuitamente pela polícia.

“Todos os dias que o filho sai de casa, além as orações, da fé pela proteção, a mãe vai dizer ‘que hoje meu filho não encontre nenhum racista, que hoje não seja abordado pela polícia, que volte vivo para casa’”, diz a dirigente.

E esta é mais uma forma de violência contra a mulher negra que não consegue alcançar a plenitude da vida, os direitos à tranquilidade e à paz. “Não há emocional que aguente”, pontua Natalina.

As mulheres negras são fortes, dizem, mas nós somos como quaisquer outras mulheres. Precisamos de carinho, de romance, de alegria, de afeto e não sermos confundidas com estereótipos, nem sermos vítimas de preconceito- Anatalina Louenço


Preconceito

“O racismo estrutural organiza situações que normalizam uma série de atitudes que são extremamente racistas e dolorosas”, diz Anatalina, se referindo a classificar as pessoas pela cor da pele e pela estrutura física, ou seja, uma mulher negra será sempre vista daquela forma e pelo fato de a sociedade se organizar com base nessa ‘ideologia’, a mulher negra acaba tendo negado o direito a oportunidades.

Além disso, ela prossegue, o racismo estrutural constrói uma neurose que não é própria da população negra. Ela fala sobre o chamado racismo cordial, em que muitas pessoas se mostram até solidárias, demonstram compaixão, mas não atentam ao fato de que estão sendo racistas.

Como exemplo ela cita uma experiência pessoal em que uma senhora – branca – e, certa ocasião a abordou na rua ao sair de um hotel onde estava hospedada e disse “não deve ser fácil limpar todos esses quartos com esse calor todo”. A situação indicou em primeiro lugar uma forma de se mostrar solidária, mas ainda assim, calcada na ideia de que uma mulher negra, em geral, não é, como no caso da dirigente, uma professora.

“Isso é algo que vai nos incomodando cada vez mais. Não é normal e se torna ofensivo, não aceitável”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT.

Luta de uma sociedade

A luta contra o racismo no Brasil ainda tem muito o que avançar em termos de resultado, ou seja, de para que o racismo seja banido da nossa sociedade. E a luta passa, prioritariamente, pelo mundo do trabalho. “A luta antirracista é uma luta da CUT e precisa ser central no debate sobre o mundo do trabalho. Quem são os trabalhadores na informalidade hoje e que precisam estar organizados? A maioria é negra”, responde Anatalina.

A luta antirracista, ela prossegue, não é uma bandeira fácil, mas quando se reconhece que o racismo é um sistema ideológico, assim como o capitalismo, a responsabilidade é de cada um que acredita em uma sociedade justa e igualitária.

“Não há igualdade social com desigualdade racial. Não há justiça social com desigualdade racial. Quando se quer justiça e igualdade, a luta antirracista é o primeiro passo”, ela diz.

Live

A secretaria de Combate ao Racismo da CUT Nacional, promoveu e participou de uma série de atividades pelo “Julho das Pretas” para debater sobre os desafios e perspectivas das mulheres negras relacionadas às questões como emprego, renda, sexualização e faixa etária.

Uma dessas atividades será a live deste no dia 26 (terça-feira), a partir das 18h, transmitida pelas redes sociais da CUT e entidades filiadas. A atual condição social e econômica dessa população será um dos destaques do evento.

Além de Sérgio Nobre, presidente da CUT, das secretárias de Comabte ao Racismo da Central, Anatalina Lourenço e Rosana Fernandes, e do Secretário-Geral, Apareciso Donizeti da Silva, a live terá participação de Adriana Medeiros, Professora e mestre em Letras pela USP, que falará sobre segurança pública e abordagem policial. Outros temas a serem abordados são raça e gênero, educação, políticas de inclusão e democracia.

Ainda nesta segunda, a Marcha das Mulheres Negras, programada para às 17h30, ocupará as ruas do centro da capital paulista. A contração será na Praça do Patriarca.