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MA: Contra agronegócio, 2 mil ocupam a Transamazônica

Romaria caminhou pela cidade de Balsas, que recebeu também o Encontro Nacional do Cerrado.

Publicado: 30 Setembro, 2017 - 23h21 | Última modificação: 01 Outubro, 2017 - 22h45

Escrito por: Rute Pina, no Brasil de Fato

Midia NINJA
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1° Romaria Nacional do Cerrado reuniu representantes de 9 estados.

Cerca de 2 mil pessoas paralisaram, na manhã deste sábado (30), a rodovia Transamazônica, na altura do município de Balsas, região Sul do estado do Maranhão. A via ficou bloqueada por duas horas, e o ato marcou o início da primeira edição da Romaria Nacional do Cerrado, que reúne representantes de povos de pelo menos nove estados para denunciar os impactos do agronegócio no bioma.

A caminhada teve início às 7h, mas, desde a madrugada, os romeiros se concentravam na Praça da Liberdade, onde ocorreu uma feira de economia solidária e troca de sementes.

Maria Conceição Barbosa da Silva, presidenta do Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais de Sítio Novo, é do extremo norte do estado do Tocantins. Ela levou confecções próprias de tapetes e turbantes para vender. Para ela, a feira da economia solidária foi o espaço de visibilidade da produção camponesa, indígena e de povos tradicionais:

“É uma forma de angariar algum fundo, mas é também um jeito de mostrar e valorizar aquilo que a gente faz”.

No evento, havia frutas, legumes e ervas típicas do cerrado, como o cajuí (um caju menor, que só dá neste bioma), o timbó (planta usada para ajudar a atordoar os peixes e facilitar a pesca), o baru (legume que amadurece nesta época de setembro a novembro) e o jatobá (fruto da árvore de mesmo nome, que nasce em quase todos os biomas brasileiros). Também se vendeu doce de leite, cachaça, plantas e raízes medicinais, artesanatos e outros produtos.

Por volta das 23h, os romeiros acenderam tochas em memória das vítimas dos conflitos nos campo. Durante a madrugada, houve manifestações culturais regionais, como o forró e o tambor de crioula.

Denúncias

No início da manhã, os romeiros e as romeiras iniciaram a caminhada pelas principais ruas da cidade de Balsas. O tom político e ecumênico permaneceu do início ao fim da romaria. Uma cruz feita de buriti abria os caminhos do ato. Usada pela primeira vez na Bahia há quatro anos, o objeto foi confeccionado por geraizeiros, que são criadores de gado livre e orgânico.

A quilombola maranhense Fátima Barros anunciava no microfone: “Nós também invocamos os orixás e nossos encantados contra a força do agronegócio e do capital”.

Miguel Souza, assentado da reforma agrária no município de Riachão das Neves, oeste da Bahia, foi um dos participantes que permaneceu em vigília até o nascer do sol. Segurando um cartaz em uma mão e uma pistola antiga em outra, ele denunciava a falta de segurança no campo:

“A polícia é paga e usa todo o aparato do Estado para defender o agronegócio, e o pobre não tem como se defender”.

Em frente à empresa Agromaranhão, o ato fez uma parada para denunciar ao subsídio do Estado aos grandes proprietários de terra e o descaso com os pequenos produtores.

“Estamos no centro do agronegócio. Quem é considerado aqui nesta cidade são apenas os fazendeiros. Estamos aqui para mostrar que Balsas também tem um povo lutador, e que aqui existem povos tradicionais”, disse Isolete Wichinieski, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.

Líderes comunitários usaram o espaço do carro de som para divulgar a situação específicas de suas comunidades. Os moradores de Riachão e São Raimundo das Mangabeiras (MA), por exemplo, denunciaram a seca dos rios da região por conta de açudes para criação de peixes. Eles calculam que 3 mil pessoas estão sendo impactadas pela prática.

Já o povo indígena Krenyê, da Aldeia São Francisco, localizada a seis quilômetros da cidade de Barra do Corda (MA), pediu a solução para um conflito que já dura dois anos: que a Fundação Nacional do Índio (Funai) cumpra o acordo de compra das terras. O indígena Antônio Carlos contou que a aldeia ficou restrita a uma área “do tamanho de um campo de futebol”, e que diversos indígenas tiveram que migrar para as periferias de outras cidades. Hoje, apenas dez famílias vivem no local.

Além das situações específicas, os povos também se posicionaram contra a reforma da Previdência e contra os cortes em programas do governo federal.

A romaria, que ocorreu em seguida do Encontro dos Povos do Cerrado, se encerrou na Igreja da Matriz de Balsas, por volta das 9h da manhã.


Leia a seguir a íntegra do documento síntese do Encontro dos Povos do Cerrado
 

Carta das Comunidades e Povos do Cerrado

Encontro dos Povos e 1ª Romaria Nacional do Cerrado

Balsas, Maranhão, 27 a 30 de setembro de 2017

 “Já chega de tanto sofrer, já chega de tanto esperar,

a luta vai ser tão difícil, na lei ou na marra nós vamos ganhar...”

 Nós, romeiros e romeiras e participantes do Encontro dos Povos do Cerrado e da 1ª Romaria Nacional do Cerrado, Balsas, MA, que teve como tema “Cerrado: os povos gritam por água e território livres” e lema: “Bendita és tu, ó Mãe Água, que nasces e corres no coração do Cerrado, alimentando a vida”, saudamos todo o povo deste imenso Brasil. Somos Indígenas, Geraizeiros, Quilombolas, Quebradeiras de Coco, Posseiros, Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, Pescadores, Vazanteiros, Veredeiros, Retireiros do Araguaia, Acampados e Assentados da Reforma Agrária, Atingidos por Barragens, e Trabalhadores e Moradores Urbanos e queremos compartilhar com vocês a riqueza destes dias.

No Encontro dos Povos, com cerca de 600 participantes, em debates, trocas, cantos, danças e rezas, partilhamos nossa dores, lutas, resistências e rebeldias, nutridas na força das águas de nossos rios, na esperança de afastar o mal que quer nos calar, nos expulsar e nos assassinar como estão fazendo com tantas lutadoras e lutadores do povo. As mortes matadas de tantos companheiros – 63 camponeses em conflitos agrários só este ano no país até agora – marcam o atual recrudescimento assustador da violência no campo e nas cidades, mas não nos intimidam. Elas são também denúncias trágicas de um projeto desumano e ecocida. Choramos nossos mortos, mas os temos como sementes vivas de uma nova terra justa e igualitária, que nos encorajam a seguir em frente, até “colher frutos maduros”. Daí cantamos a rejeição aos projetos de morte:

“aê meu povo, vamos prestar atenção...vem aí o MATOPIBA destruindo o Maranhão...”

Denunciamos o Estado capitalista como nosso inimigo, porque submisso às corporações empresariais-financeiras, ao agronegócio, às mineradoras e, desta forma, conivente e promotor de injustiças e violências no campo e nas periferias urbanas – os pobres, as mulheres, os negros, os índios e os jovens como vítimas preferenciais. Esta relação promíscua está criando as condições para o sacrifício total da natureza, do que ainda resta do nosso Cerrado e dos nossos povos. É o caso do projeto MATOPIBA, de produção de grãos para exportação, nos Cerrados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Dizemos com toda força: Não ao MATOPIBA!

Denunciamos e repudiamos a política agrária e agrícola do Estado brasileiro voltada para implantação desses grandes empreendimentos. E os cortes e reduções nas políticas públicas de saúde, educação, habitação e segurança pública. Não abrimos mão de nossos direitos e os queremos de volta. Respeitamos o Estado se respeita nossos direitos, o combatemos se não os respeita, mas visamos sempre a superação deste Estado, por natureza, classista e excludente, golpista quando convém, ainda que na aparência “democrático”.

“Ecoa noite e dia, é ensurdecedor, ai, mas que agonia, o canto do trabalhador

Esse canto que devia ser um canto de alegria, soa apenas como um soluçar de dor.”  

 Com força de Deus – o de Jesus, os Encantados e os Orixás – fortalecemos nossas consciências, identidades e sentimentos de pertença e formamos nossos famílias e comunidades a partir da nossa prática cotidiana e de luta permanente. Para expulsar nossos inimigos, retomar nossas terras e territórios, com seus solos, matas e águas, tradições, cultos e culturas. Desacreditamos que Governos irão resolver nossos problemas, se eles os causam.

Estamos costurando um tecido social novo, a juntar os povos e comunidades, articulados em redes e teias, para além da condição de vítimas indefesas e dependentes, submetidas à exploração econômica e dominação política. Priorizamos indígenas, negros, mulheres e jovens entre todos os que sofremos com o agravamento das condições sociais impostas pelas medidas tomadas nos Três Poderes da República contra os pobres, em favor da minoria rica, daqui e de fora, dilapidando o patrimônio nacional. E porque, mesmo ameaçados e violentados, nos oferecem, com seu modo de viver e lutar, alternativas de Bem Viver e cuidar da Casa Comum.

Na alegre certeza aqui reafirmadas, anunciamos que um outro mundo é possível e urgente e os estamos construindo a partir de nossos territórios livres e autônomos. Não nos enganam mais; não queremos esse desenvolvimento do agronegócio, das mineradoras, das empresas de energia, mas o envolvimento: com a natureza, com os irmãos e companheiros, com as tradições culturais dos povos, com o testemunho dos nossos mártires, com as futuras gerações e com o sagrado. Não queremos os agrotóxicos e transgênicos, mas a agroecologia, com a mata em pé – o buriti, o pequi, o cajuí, o murici, a mangaba, o combaru, o jatobá –, alimento e medicina, meio das águas acumuladas nos aquíferos, correntes nas veredas, riachos e rios, os animais em convívio, toda a biodiversidade da vida garantida. Juntos, auto organizados e articulados, a partir de nossas comunidades, em nossos movimentos, iremos plantando a nova semente da libertação.

 “Esta é a nossa bandeira, é por amor a esta Pátria Brasil que a gente segue em fileira”.

Na Romaria, com mais de 5 mil pessoas em caminhada, percorremos ruas e rodovias, gritando nossas denúncias e sonhos, cantando ao Deus da Vida, que segue conosco. E conclamamos a todas e todos de boa vontade e espírito cidadão, a nos acompanhar. Continuarem firmes na luta incessante, na esperança que não morre jamais.

 Balsas, MA, 29 de setembro de 2017.

Edição: Camila Rodrigues da Silva