Mais uma vez Petrobras socorre o Brasil, diz Rangel
Opção por leilão reafirma que país sofre da doença holandesa
Publicado: 07 Novembro, 2019 - 09h20 | Última modificação: 07 Novembro, 2019 - 09h23
Escrito por: Conceição Lemes - Viomundo
O megaleilão de quatro áreas do pré-sal na região chamada cessão onerosa, realizado nesta quarta-feira, (6/11), frustrou o governo Bolsonaro (PSL-RJ).
Havia 14 empresas habilitadas e a expectativa era a arrecadar R$ 106,5 bilhões.
Mas só conseguiu R$ 69,9 bilhões. Ou seja, 65% da meta.
Metade das empresas habilitadas sequer compareceu ao leilão, que foi dominado pela Petrobrás.
Das quatro áreas colocadas em leilão — Búzios, Itapu, Atapu e Sépia –, apenas as duas primeiras foram arrematadas.
Búzios, a mais cobiçada da oferta, foi arrematada pela Petrobrás, em consórcio com 90% de participação da estatal brasileira e 10% de duas estatais chinesas.
Outra área de grande interesse, a de Itapu, só teve uma proposta, da própria Petrobrás.
O Viomundo ouviu José Maria Rangel, coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), sobre esses resultados.
Viomundo — Qual a sua avaliação do megaleilão da cessão onerosa?
José Maria Rangel — Primeiro, em termos do que o governo esperava foi um fracasso. Ele pretendia arrecadar R$ 106,5 bilhões e ficou em R$ 70 bilhões. Mais uma vez a Petrobrás socorre o governo, demonstrando a importância de se ter uma empresa estatal do porte dela.
Viomundo — O que acha da ausência das petroleiras estrangeiras e a presença apenas dos chineses?
José Maria Rangel –Começando pelos chineses. Eles vieram porque estão diversificando a sua matriz energética. Estão investindo em carvão, petróleo, energia eólica. Ao mesmo tempo, eles querem ser autossuficientes, não querem depender de uma única matriz.
Quanto à ausência das petroleiras internacionais, uma das razões é a insegurança jurídica que esse governo tem trazido à baila.
Agora, vamos ver amanhã. Serão leiloados cinco blocos da 6ª rodada de partilha: Aram, Bumerangue, Cruzeiro do Sul, Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava
Viomundo — Há menos de um mês Câmara dos Deputados e Senado aprovaram projeto de lei, possibilitando a partilha dos recursos arrecadados no leilão da cessão onerosa com estados e municípios do valor arrecadado. O que achou?
José Maria Rangel –– Gostaria de aproveitar este momento para lamentar os parlamentares que votaram a favor desse projeto de lei. Esse dinheiro vai ser para eles pagarem dívidas com a Previdência. Ou seja, o dinheiro vai simplesmente voltar para o mercado financeiro.
Viomundo — Municípios e estados não vão poder usá-lo como acharem melhor?
José Maria Rangel — Não. Isso está no projeto de lei aprovado, que virou lei. Ela prevê que os recursos repassados a Estados e Municípios têm que pagar primeiro as dívidas deles com a Previdência. E, aí, se sobrar recursos, investir.
Viomundo — A lei foi aprovada por unanimidade na Câmara e Senado, inclusive pela oposição.
José Maria Rangel –– Lamentavelmente. O Brasil está padecendo da doença holandesa.
Viomundo — Explique melhor.
José Maria Rangel — Em economia, doença holandesa refere-se à relação entre a exportação de recursos naturais e o declínio manufatureiro.
No nosso caso, o Brasil produz um recurso extremamente valioso, que é o petróleo. Só que não está conseguindo transformar este recurso numa indústria pujante para alavancar emprego, renda, desenvolver a nossa engenharia.
PS do Viomudo: A presença do setor industrial no PIB brasileiro caiu de 27,2% em 1992 para 21,5% em 2019.
A expressão “doença holandesa” foi inspirada em eventos dos anos 1960, quando uma escalada dos preços do gás teve como consequência um aumento substancial das receitas de exportação dos Países Baixos e a valorização do florim (moeda da época).
A valorização cambial acabou por derrubar as exportações dos demais produtos neerlandeses, cujos preços se tornaram menos competitivos internacionalmente, na década seguinte.
Embora seja mais comumente usado em referência à descoberta de recursos naturais, como petróleo e gás natural, a doença holandesa pode também se referir a “qualquer desenvolvimento que resulte em um grande fluxo de entrada de moeda estrangeira, incluindo aumentos repentinos de preços dos recursos naturais, ajuda externa ou volumosos investimentos estrangeiros”.
Com isso, o país passa a viver de exportação de matérias primas e o setor industrial não se desenvolve (vide, por exemplo, a Venezuela).