MENU

Manifesto exige reintegração de médicos suspensos em SP e arquivamento do PL 1904

Paralelamente à ofensiva fundamentalista contra o aborto legal, com a tramitação do PL 1904, conselhos de medicina e a prefeitura de SP têm punido médicos, atentando contra a vida de meninas e mulheres

Publicado: 12 Julho, 2024 - 15h28 | Última modificação: 12 Julho, 2024 - 15h50

Escrito por: André Accarini

Prefeitura de SP
notice

A luta contra o avanço do Projeto de Lei 1904/2011, travada pela sociedade civil, por meio de manifestações tanto nas ruas como nas redes sociais, vem sendo feita também por meio de outras ações como a defesa dos profissionais de saúde, que assim como as mulheres, podem ser criminalizados, caso o projeto seja aprovado. Mais de cem entidades da sociedade civil elaboraram um manifesto que exige o arquivamento de processos administrativos movidos contra médicos, que foram suspensos, não podendo exercer a medicina e também o arquivamento do PL 1904, o PL do Aborto.

O caso dos médicos suspensos ocorreu em São Paulo,no Hospital Vila Nova Cachoeirinha,e tem mobilizado diversas entidades. Eles tiveram sua atividade profissional suspensa pelo Conselho Regional de Medicina, Cremesp, por realizarem o aborto legal e as entidades cobram reparação e reintegração de médicos às suas atividades.  

Além da punição, práticas ilegais foram detectadas dentro do hospital. A médica, dirigente da CUT Nacional e do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), Juliana Salles, afirmou em entrevista ao portal da CUT que os ‘prontuários de pacientes foram acessados de forma ilegal na unidade’, e encaminhados ao conselho para que, a partir dessas informações, passassem a punir os médicos.

“Os trabalhadores da saúde vêm sendo perseguidos pela prefeitura de São Paulo e pelo Cremesp. Primeiro, acessaram os prontuários de forma ilegal, já que não deveriam ser abertos sem um rito formal. Mas ainda assim, a prefeitura pegou [os prontuários], mandou para o Cremesp, que abriu uma sindicância, resultando na suspensão do exercício profissional de dois médicos”, diz Juliana.

Após a suspensão, outros profissionais foram chamados a prestar esclarecimentos no Cremesp, o que para a dirigente, confirma a perseguição.  Juliana Salles afirma ainda que a ofensiva é algo como uma ação coordenada. “De um lado o Projeto de Lei com bases fundamentalistas, atacando e criminalizando as mulheres”, ela diz.

Manifesto: a contraofensiva

Após as diversas mobilizações e manifestações contra a perseguição e a convocação de uma plenária que acabou alcançando profissionais de outras localidades, um documento foi elaborado e assinado por mais de 100 entidades da sociedade civil, entre elas a CUT. Trata-se do Manifesto em defesa das trabalhadoras e trabalhadores dos erviço de direitos reprodutivos.

“As trabalhadoras e trabalhadores dos serviços de direito reprodutivos, incluindo os serviços de aborto legal, juntamente com as entidades apoiadoras abaixo, vem através desse manifesto reiterar a defesa ao seu exercício profissional adequado, baseado nos mais avançados e comprovados métodos científicos que garantem a mulher o mais adequado tratamento, incluindo os abortos com as justificativas previstas em lei (chamados abortos legais)” , diz trecho do manifesto.

O documento está disponível no link abaixo para que não somente entidades como movimentos sociais, sindicatos e organizações, mas também lideranças políticas como os parlamentares subscrevam o manifesto.

Acesse aqui o documento 

Ação coordenada contra o aborto legal

Para Juliana Salles, a ofensiva contra o aborto legal tem respaldo no conservadorismo das gestões tanto do Cremesp como o Conselho Federal de Medicina (CFM).

“Para além do PL 1904, existem resoluções de instâncias como os conselhos de medicina. Parece uma ação coordenada para que a mulher se submeta aos riscos e à violência. O CFM assim como os regionais regulam a ética medica. Todos os médicos inscritos deveriam fazer essa interface da pratica medica coma população, mas hoje os conselhos são povoados por médicos bolsonaristas. O último gruo que assumiu o Cremesp é de extrema direita que leva a cabo o conceito fundamentalista e não a ciência”, afirma a dirigente da CUT

É o mesmo Cremesp que indiciou cloroquina na pandemia e que fala em uma falsa autonomia médica para justificar práticas que não são consagradas pela ciência ou pela Justiça, mas por conceitos morais ou discussões fundamentalista no campo da ciência. É inadequado
- Juliana Salles


Luta pela vida

Assim como o Vila Nova Cachoeirinha, os outros poucos centros de atendimento, com o procedimento em questão, ou seja, o aborto legal após 22 semanas, realizam uma ação fundamental em casos que vão além do risco à vida da gestante.

Ao todo, no país, hoje são apenas três municípios (Recife, Salvador e Uberlândia) que realizam o chamado aborto avançado. “A gente vive uma situação dramática, principalmente em São Paulo. Sabe-se das condições precárias, desde a falta de serviços adequados de aborto legal até o número de cidades - menos de 3% realizam quando a gestação passa de 22 semanas”, diz Juliana Salles.

Ela ressalta que, na maioria, são casos de violência e que envolvem também meninas, o que tem relação direta com o aborto ser realizado com a gestação ‘avançada’.

Juliana explica que, muitas vezes, essas ‘crianças’ não conseguem sequer identificar o que é uma relação sexual, muito menos as modificações pelas quais o corpo passa.

 “São casos em que elas não identificaram a gravidez no início. Elas não têm um ciclo menstrual regular, por serem muito novas, portanto, isso dificulta ter conhecimento de uma gravidez. Além disso, muitas vezes o opressor está dentro de casa, impedindo qualquer reação da vítima, o que também leva ao atraso da identificação”, reforça a médica.

Os organismos das meninas não sagram todos os meses. Elas não sabem nem o que é uma relação sexual. Tem todas essas intempéries que postergam a chegada aos serviços de saúde e a gente não tem uma rede completa para a colhimento. Muitas vezes os profissionais não têm pra onde encaminhar
- Juliana salles


Ela atenta ainda para o detalhe que de a maioria das vítimas de violência são meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade sociais ou que não têm acesso a informação nem atendimento médico adequado.

Para os demais casos, há também a postergação por causa da morosidade da Justiça. “Há grupos que lidam com esses casos que citam mulheres que descobrem um câncer avançado, precisam de quimioterapia e, portanto, interromper a gestação, mas só conseguem autorização da Justiça muito tempo depois, diz Juliana, alertando que pode se tratar de uma questão de vida ou morte da gestante.

Fechamento do Nova Cachoeirinha

Em dezembro de 2023, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), determinou a suspensão da realização de aborto legal no Hospital Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte da capital paulista. A unidade, que funcionava havia mais de 30 anos, era uma das poucas no país que realizavam esse tipo de atendimento.  

Durante todo esse período, a unidade foi referência no procedimento. A justificativa da Secretaria de Saúde no município de São Paulo foi “a necessidade de ampliar a capacidade para a realização de cirurgias no local”. Além disso, alegou também haver pouca demanda e a necessidade de realização de cirurgias eletivas, mutirões cirúrgicos e outros procedimentos envolvendo a saúde da mulher no local.

Apesar de a suspensão ter sido anunciada como temporária, mais de seis meses depois, o serviço ainda não foi retomado.

A importância da atuação da unidade não somente no atendimento, mas também no papel de formação de profissionais foi destacada pela dirigente Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep-SP), Laudicéia Reis.

Em entrevista ao Seu Jornal da TVT, ela afirmou que “o hospital Cachoeirinha é um hospital-escola também. Então faz a formação de profissionais para fazer justamente essas interrupções que passaram das 22 semanas”

Por isso, ela diz, o hospital acaba sendo referência não apenas para as mulheres e meninas da região, mas de outras localidades no país. “Faz atendimento, na verdade, de mulheres do Brasil inteiro, porque são só cinco serviços que fazem esse tipo de interrupção no Brasil todo”.

Veja a reportagem 

Já houve determinação da Justiça para a reabertura do serviço, mas até hoje, continua o atendimento para esses casos, no Vila Nova Cachoerinha, continua fechado.

Em janeiro deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) chegou a cobrar esclarecimentos a respeito da suspensão, que tem "causado transtornos a mulheres que se enquadram nos casos legalmente autorizados para aborto". 

No ofício, o MPF afirmou que "a unidade é referência na realização do serviço, principalmente para pessoas com mais de 22 semanas de gravidez. A legislação brasileira não fixa nenhum limite temporal de desenvolvimento do feto para que gestantes que tenham direito ao aborto procurem os serviços de saúde e sejam atendidas".

Logo depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o retorno dos serviços de aborto legal em janeiro deste ano. A Prefeitura, no entanto, conseguiu uma liminar para suspender a decisão.

Protestos na unidade

Cerca de 50 pessoas, mulheres em sua maioria, realizaram um protesto na manhã desta quarta-feira (3) pela reabertura do serviço de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte de São Paulo. Leia na reportagem da Rede Brasil Atual

Leia mais: Sindicato disponibiliza canal de denúncias exclusivo sobre o acesso ao serviço de aborto legal em São Paulo

*com a colaboração de Rede Brasil Atual, Brasil de Fato e TVT