Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA
Serão ouvidos ainda nesta quinta argumentos contrários ao marco temporal, além de representantes de ruralistas e PGR
O presidente do Supremo Tribunal Federal (SFT), ministro Luiz Fux, interrompeu nesta quarta-feira (1ª) o julgamento do marco temporal às 18h, ao final da sessão iniciada às 14h. O julgamento terá continuidade nesta quinta-feira (2), no mesmo horário, com leitura do relatório do ministro Edson Fachin, que votou contra o marco temporal. Em seguida, serão ouvidos ainda advogados contrários ao marco, e só depois disso os ministros começam a votar. Ou seja, não é improvável que o julgamento volte a ser interrompido para prosseguir na próxima quarta, depois do 7 de setembro.
O julgamento chegou a entrar na pauta do STF no final de junho, antes do recesso do Judiciário. Acompanhando por milhares de indígenas que se deslocaram de várias regiões do país, é considerado o mais importante entre aqueles envolvendo povos originários. Isso porque, sendo classificado como “de repercussão geral”, terá impacto sobre os demais processos de demarcação de terras indígenas. Os ministros deverão definir se é constitucional ou inconstitucional a “tese” jurídica do marco temporal, em disputa em um processo movido pelo governo de Santa Catarina contra a Funai.
O governo catarinense reivindica terras que, pelo marco temporal, seriam de sua propriedade. De interesse dos ruralistas, o marco estipula que só podem ser demarcadas terras ocupadas pelos povos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
O que for decidido terá validade para todos os casos semelhantes, uma vez que o STF já determinou a repercussão geral do resultado do julgamento.
A apresentação dos votos dos ministros é acompanhada por mais de 6 mil indígenas de mais de 100 etnias acampados em Brasília. Mas há também mobilização em diversas regiões do país.
Participaram hoje do julgamento diversos advogados, trazendo elementos contrários e favoráveis aos interesses dos povos indígenas. “A tese do marco temporal significa a constitucionalização de uma ideia colonizadora em relação aos povos originários”, disse o advogado indígena Ivo Cípio Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima.
“Muita terra pra pouco índio no Brasil? Mentira! O bordão, impregnado de preconceito e também de racismo, não condiz com a realidade”, disse a advogada do Instituto Socioambiental (ISA) Juliana de Paula Batista. “As pastagens ocupam 21% do território nacional, mais do que as TIs!”
“Adotar o Marco Temporal é ignorar todas as violações que os povos indígenas foram e estão submetidos. O momento é oportuno pra essa Corte reafirmar os direitos dos povos indígenas”, disse Luiz Eloy Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas (Apib).
A jurista Deborah Duprat observou que a Constituição inaugurou uma sociedade plural, em que ideias de “assimilação” e de supremacia racial precisam ser superadas. “Os povos indígenas são sujeitos de direito plenos, mas para isso precisam de seus territórios”, disse Deborah, que foi vice-procuradora-geral da República. “Não existe indígena sem terra, ministros falaram em julgamento anterior, mas o marco temporal pressupõe exatamente isso, indígenas sem direito a seus territórios.”
#MarcoTemporalNão "O que vemos hoje é a suspensão das demarcações de terras indígenas e a tramitação de projetos como o PL 490, que tentam reinterpretar decisões desta Corte, na tentativa de flexibilizar direitos que não são mutáveis", afirma Paloma Gomes, representando o Cimi. pic.twitter.com/qkV9EBoiXM
— Cimi (@ciminacional) September 1, 2021