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Maricá discute o que é utopia nos dias de hoje

Cidade do Rio reúne diversidade em festival para pensar um novo mundo, contra a ofensiva da direita

Publicado: 24 Junho, 2016 - 09h14 | Última modificação: 24 Junho, 2016 - 11h30

Escrito por: Isaías Dalle

Mídia Ninja
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Na tenda da CUT, convidados pensam uma nova sociedade

A quase 500 km daqui, a sede nacional de um partido, cuja história está inegavelmente ligada à redemocratização do Brasil e à busca por avanços sociais, era cercada por policiais armados até os dentes. Por todos os lados, dados de um desemprego crescente. Em torno da cadeira presidencial, um grupo que vai planejando e executando, da maneira mais rápida que pode, a destruição das estruturas de amparo e de políticas sociais.

Enquanto em Maricá, cidade da região metropolitana do Rio, na Região dos Lagos, pessoas de diferentes idades, preferências partidárias – todos de esquerda – , engajamentos, identidades e orientação sexual discutem um novo e melhor mundo, no Festival da Utopia.

O que seria isso, num planeta onde a fome nunca foi tão grande, como lembrou o escritor paquistanês Tariq Ali, num dos debates do festival, e a concentração de renda, via especulação financeira, atinge níveis pré-civilizatórios?

Tariq ali na Tenda dos Pensadores.À direita, Jandira Feghali. Foto de MelitoTariq ali na Tenda dos Pensadores.À direita, Jandira Feghali. Foto de Melito“Utopia é reivindicar ensino gratuito para todos. Acesso de todos ao ensino superior. Utopia, para enfrentar os “rulers”, os poderosos deste mundo, é querer habitação para os pobres”, resumiu o intelectual.

Próximo dali, durante debate na tenda da CUT, a tenda Carlos Manoel, horas antes o ex-assessor do presidente Lula, Paulo Vannuchi, afirmou: “Utopia hoje é nenhum direito a menos”.

Vannuchi dividiu a mesa com a mais jovem deputada cubana, Lisett Conde Sanchèz. A presença dela motivou a audiência a sonhar alto, nos moldes da revolução cubana, em contraste com o debate da política como a arte do possível, marca dos governos do PT.

Para Lisett, a utopia também é, neste momento histórico, cuidar para que a reaproximação com os Estados Unidos não represente desvios no caminho revolucionário. “Essa aproximação pode significar oportunidades de comércio bilateral, mas não podemos esquecer que o embargo econômico sobre nós continua, e com isso não se pode concordar”, disse a deputada.

Tudo ocorria no mesmo dia em que Raúl Castro, presidente de Cuba, conseguia fechar um acordo de cessar-fogo entre o governo colombiano e as Farcs, mediado pelo regime e pelo prestígio cubanos, dando fim a 50 anos de guerra sem vencedores.

Deputada cubana diz que os EUA não desvirtuarão a revolução. Foto Isaías DalleDeputada cubana diz que os EUA não desvirtuarão a revolução. Foto Isaías DalleVannuchi disse reconhecer erros no governo Lula e Dilma, que aplainaram o caminho para o golpe, mas pediu cautela. “Temos de pensar muito se é o momento de radicalizar contra o golpe. A vanguarda que se afasta da classe trabalhadora está se expondo ao extermínio”, comentou, lembrando que ele próprio participou da luta armada contra a ditadura dos anos 1960-70.

Tariq Ali, que falou na Tenda dos Pensadores Darcy Ribeiro, reconheceu avanços nos governos de coalizão do PT, como o Bolsa Família. Mas, disse, “essa não é uma mudança estrutural no sistema.”. Em outro momento, afirmou, sob aplausos: “Você não consegue derrotar o inimigo se você divide o mesmo campo de batalha com ele”.

A senadora Jandira Feghali, pré-candidata à prefeitura do Rio pelo PCdoB, sucedeu a Ali no debate. Lembrou que ao ingressar no partido, em 1981, teve como sua primeira utopia o fim do Estado. “Porque o comunismo é o fim do Estado”, explicou.  Na opinião dela, a aplicação do Estado na busca pelo bem-estar social (“algo que o Brasil nunca teve, embora o persiga”) é um estágio do desenvolvimento. “Mas temos que sonhar com o não-lugar, com aquilo que ainda não vemos”, completou, ao defender que a utopia é a superação do capitalismo.

No período da tarde da última quinta, dia 23, a secretária nacional de Relação com os Movimentos Sociais da CUT, Janeslei Albuquerque, traçou um retrospecto para defender os avanços que os movimentos sociais brasileiros construíram ao longo de décadas, sendo os governos Lula e Dilma uma das expressões dessa luta – que resultou, segundo ela, em conquistas como os direitos trabalhistas às domésticas e o piso salarial nacional para os professores – “luta de 180 anos neste país”.

Porém, para Janeslei, algo que falta para prosseguir rumo à utopia é fazer o debate político com o povo, a quem dificilmente chegam informações diferentes daquelas transmitidas pelos grandes conglomerados de mídia.

“Temos de fazer muita educação política. E não é com os não-alfabetizados, não. É com os alfabetizados”. Para ela, o individualismo e a consequente falta de solidariedade estão presentes até mesmo no interior de setores sindicalizados.

Guilherme Boulos, do MTST, afirmou que a utopia é radicalizar a democracia. “E para isso é preciso fazer a reforma política, a reforma tributária, a democratização dos meios de comunicação, é implementar a pauta que a esquerda vem defendendo há anos”.

Boulos também lembrou que há outras formas de governar além da política de alianças. “Hugo Chávez enfrentou as resistências, levando o debate político para as favelas de Caracas, para os confins da Venezuela”.

Antes, pela manhã, Paulo Vanucchi havia comentado que Chávez não havia feito concessões e, mesmo assim, a situação na Venezuela hoje seria “igualmente preocupante”.

Para o ministro Miguel Rosseto, que participou da mesa da tarde promovida pela CUT, uma das utopias é rever a estrutura de poder existente no Brasil, ”que reproduz o que há de mais autoritário”. Para ele, a representação política é uma conquista e precisa ser fortalecida, e isso deve ser dar em todos os espaços onde as pessoas vivem, estudam e trabalham. “Uma sociedade é mais socialista quando fortalece a cultura política. Isso é mais importante ainda que o controle dos meios de produção”, disse.

Já Marino Vani, dirigente sindical da CNM-CUT e hoje integrante da confederação internacional do setor, a IndustriAll, utopia pode também significar um mundo onde a maioria dos trabalhadores seja sindicalizada. “Onde os sindicatos são fracos ou não existem, as empresas fazem o que querem e não há democracia”.