Médicos de SP perdem empregos com carteira assinada e recebem salários em atraso
Organizações Sociais que administram a saúde em diversas cidades paulistas e na Capital estão sucateando a atividade médica com demissões, pejotização, atrasos nos salários e sobrecarga, diz pesquisa
Publicado: 29 Agosto, 2018 - 16h28 | Última modificação: 30 Agosto, 2018 - 09h05
Escrito por: Rosely Rocha, especial para Portal CUT
As Organizações Sociais (OSs) vêm trazendo prejuízos irreparáveis no atendimento em saúde da população e acarretando diversos problemas para o exercício da profissão dos médicos, demonstram dados coletados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e uma pesquisa do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).
A pesquisa do Sindicato dos Médicos, realizada entre maio de 2017 a maio deste ano, aponta que, das 130 denúncias recebidas no período 89 (68,5%) relatam algum problema com as OSs. Ou seja, de cada 10 denúncias feitas para o sindicato, sete envolvem as OS’s, que administram equipamentos públicos de saúde no estado.
Entre as denúncias estão: atrasos de salários e do 13º, demissões de médicos com carteira assinada (CLT) para contratação de pessoa jurídica (PJ),falta de aplicação do reajuste conforme estabelecido em Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), falta de condições para atendimento devido à sobrecarga de trabalho, falta de insumos ou até mesmo demissões em massa devido à troca de gestão de organizações sociais.
Segundo Juliana Salles, diretora executiva da CUT e diretora de Assuntos Jurídicos do Simesp, um dos maiores problemas com as OSs é a falta de transparência.
“Não há informações, nem nas secretarias municipais, nem na estadual de saúde sobre o número de médicos que atende pelas OSs, média salarial, modo de contratação, se é CLT ou PJ. Não há isso nos contratos de gestão, apenas as metas quantitativas desses contratos, que não possuem meios de controle de mão de obra ou de contratos com empresas, que são feitas por meio de licitações na administração direta”.
Para a dirigente, a situação vem piorando com a terceirização do trabalho dos médicos celetistas que estão sendo demitidos para serem recontratados como PJs, o que precariza as relações do trabalho e reflete no atendimento à população.
“No Pronto Socorro em que trabalho aumentou em um terço o número de pessoas que procuram o SUS, devido à crise econômica. Além do aumento nos atendimentos, o profissional terceirizado tem maior rotatividade, trabalha em mais plantões e se responsabiliza menos, já que não adquiri um vínculo com a população atendida. E isto não é culpa do médico. Quando o entregador do serviço (OSs) não tem um comprometimento, isso reflete no trabalho da ponta”, lamenta Juliana.
A médica denuncia ainda o assédio moral aos médicos praticados pelas OSs para que os profissionais deixem o regime CLT para o de pessoa jurídica. Além disso, são pressionados para atenderem mais pacientes em menor tempo, mesmo com o número de plantonistas menor.
“Somos contrários a esse modelo de gestão, que mistura o público com o privado. Não é eficaz, precariza a mão de obra, gera rotatividade, salários menores - sem saber quando vai receber - sobrecarga de trabalho e com menos insumos para atender a população”, denuncia a dirigente do Simesp.
Já a CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), instalada em fevereiro deste ano, para ‘apurar denúncias de irregularidades nos contratos celebrados com organizações sociais, pelas prefeituras e pelo governo do estado’ apontou mais irregularidades, além das questões trabalhistas.
Um relatório do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) apontou 23 irregularidades nos contratos, como a contratação de empresas de parentes de dirigentes das OSs sem a realização de um processo de seleção e o pagamento de despesas sem qualquer relação com o serviço prestado.
A capital de São Paulo e o descaso na saúde
A capital paulista o atraso no pagamento dos médicos que trabalham com vínculo a OSs já estava se tornando recorrente desde o final do ano passado, durante a gestão João Doria (PSDB), quando a prefeitura deixou de repassar verbas.
Para piorar a situação, Doria anunciou o corte de 25% do orçamento na Secretaria Municipal da Saúde (SMS), sendo 7,2% da verba destinada às OSs.
Já em março deste ano, a prefeitura assumiu o fechamento de 108 AMAs, o que contradisse a promessa do então secretário de Saúde, Wilson Pollara, que anunciou a reestruturação da saúde municipal e que haveria apenas “adequação de alguns serviços”, sem fechamento de unidades.
Nesse período as denúncias de sobrecargas nos serviços e filas de espera de mais 6h em prontos-socorros só aumentaram.
Organizações Sociais denunciadas
A pesquisa do Sindicato dos Médicos de São Paulo apontou, ainda, que as denúncias recebidas contra a administração direta (prefeituras e estado) ficaram em segundo lugar no ranking, com 19%. Já o setor privado chegou a 7%, instituições filantrópicas a 4% e consórcios a 1%.
O Simesp denunciou os problemas ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
As Organizações Sociais de Saúde – Oss
Organização Social é uma qualificação jurídica que um órgão da administração pública direta pode conceder a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para o desempenho de serviços públicos sociais como saúde, educação e assistência social, entre outros.
O sistema foi implementado em 1998, pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por meio da Lei nº 9.637/1998.
No mesmo ano foi movida uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1923-DF. A ação foi julgada pelo STF somente em 2015, que legalizou a prática.
E em novembro do ano passado, o ilegítimo e golpista Michel Temer (MDB-SP), regulamentou a lei nº 9.637/1998, das organizações sociais.