Escrito por: Vinicius Konchinski, do Brasil de Fato
Governo e acionistas privados atuaram para travar mudanças e proteger dividendos recordes pagos a investidores em 2022
Faltando menos de dois meses para a eleição presidencial, a Petrobras tornou-se um dos grandes temas de debate na sociedade. O presidente Jair Bolsonaro (PL) já disse que, se reeleito, pretende privatizar a empresa. Já Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que mexerá na companhia para baratear combustíveis no país se voltar à Presidência.
Os altos preços da gasolina e do diesel são os maiores responsáveis pelos lucros recordes que a Petrobras obtém desde o ano passado. Baixá-los significa reduzir a rentabilidade da estatal e, por consequência, o ganho de investidores com os lucros da companhia.
Investidores, obviamente, sabem disso. Por isso, movimentam-se para lucrar o máximo possível antes da eleição, conscientes de que Lula é hoje líder em todas as pesquisas de intenção de voto. Além disso, movimentam-se para limitar ou atrasar qualquer mudança na gestão da Petrobras que possa comprometer a remuneração deles.
Dividendos recordes
A Petrobras lucrou R$ 98 bilhões nos primeiros seis meses do ano. Esse valor é altíssimo para o histórico da empresa, apenas 7% abaixo dos R$ 106 bilhões que ela lucrou no ano passado – recorde para a estatal.
Ainda assim, a companhia decidiu repassar a seus acionistas mais do que isso. Foram R$ 136 bilhões em dividendos referentes à sua atividade nesses seis meses, ou seja, 138% do lucro líquido da empresa.
De acordo com monitoramento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), isso nunca havia acontecido antes. De 1995 a 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro, a Petrobras tinha repassado a seus acionistas, em média, 30% do seu lucro num ano, chegando a no máximo 54%, em 1996.
Em 2020, contudo, esse percentual atingiu 145%. Baixou a 95% em 2021. Agora, ruma para uma nova porcentagem recorde graças também ao repasse de recursos arrecadados com a venda de parte do patrimônio da empresa. Essas vendas de refinarias e outros ativos são aprovadas pelo conselho de administração da empresa, composto por representantes indicados pelo governo e também pelos maiores investidores privados da empresa.
"Essa situação dos dividendos tem um componente político. Vai que o Lula ganha e a gestão da empresa muda? Os dividendos serão menores no cenário com a vitória do Lula", afirmou o economista Sérgio Mendonça, ex-diretor técnico do Dieese.
Preços protegidosO conselho de administração também aprovou no final do mês uma nova diretriz para que esses mesmos investidores tenham mais poder sobre a definição de preços dos combustíveis vendidos pela Petrobras.
Até então, só diretores da Petrobras, todos indicados pelo governo, definiam os reajustes. Depois da mudança, o conselho de administração passa a supervisionar a questão. Como ele é composto por representantes de acionistas, eles também ganharam voz.
Segundo o economista Eduardo Costa Pinto, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os investidores se mobilizaram pela criação da nova diretriz. E eles têm interesse em manter a atual política de preços da Petrobras, que equipara preços da estatal com os do mercado internacional. Isso garante lucros a eles.
"Os acionistas minoritários marcaram posição. Avisaram que não vão aceitar mudança na política de preços da Petrobras e no pagamento de seus dividendos", resumiu Pinto.
A geóloga Rosangela Buzanelli, a única representante dos trabalhadores entre os 11 membros do Conselho de Administração da Petrobras, concorda com Pinto. Segundo ela, sabendo que Lula é contrário à atual política de preços, os acionistas criaram uma barreira para, no mínimo, dificultar uma provável mudança pós-eleição.
Travas no conselho e na presidência
Buzanelli disse que, no conselho, governo e acionistas trabalham hoje por interesses comuns. Ambos estão comprometidos com o repasse de bens da Petrobras à iniciativa privada e com a manutenção dos pagamentos a investidores, que apoiaram Bolsonaro.
A conselheira disse, inclusive, que Bolsonaro tomou atitudes para dificultar a alteração do conselho e até da presidência da Petrobras, ciente de que pode perder a eleição. Segundo ela, se Lula for eleito, terá mais trabalho para colocar seus indicados na empresa.
Buzanelli citou um decreto editado pelo presidente em abril que criou um novo rito, mais demorado, para eleição de conselheiros da Petrobras. A regra afeta a presidência da empresa, já que só pode presidir a estatal quem já é membro do conselho.
O decreto estabelece que, antes de qualquer eleição de conselheiro, o nome precisa ser primeiramente avaliado por um comitê de elegibilidade, que avaliará seu histórico profissional e pessoal. Depois de concluída a avaliação é que a assembleia de acionistas é marcada, com pelo menos 30 dias de antecedência, para votar sua indicação.
Até o decreto, a avaliação do comitê elegibilidade corria já com a assembleia de acionistas convocada. Isso tornava as eleições mais rápidas.
"O novo presidente do país poderá inidicar conselheiros e até o presidente da Petrobras, mas a posse deles tende a demorar mais tempo", explicou Buzanelli. "Mudanças ficarão mais lentas por conta dessa blindagem."
Edição: Nicolau Soares