Escrito por: Rosely Rocha
Pesquisa do IPEA derruba ideia de que servidores são marajás. Os que ganham acima de 30 mil são juízes, promotores, desembargadores, ministros e o Presidente da República
Dados do Atlas do Estado Brasileiro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) derruba ideia de que servidores públicos são marajás e destrói o argumento usado por governos que querem acabar com políticas públicas para os mais vulneráveis e com os serviços públicos, que a grande maioria dos brasileiros precisa e depende em áreas como saúde e educação, entre outras.
De acordo com o estudo, que analisou dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019, os servidores que ganham acima de 30 mil são juízes, promotores, desembargadores, ministros e o Presidente da República. Mas, a média salarial dos servidores federais, estaduais e municipais é de apenas R$ 2.727 porque a maioria é formada por profissionais que atuam nos municípios onde são pagos os mais baixos salários do setor.
A pesquisa mostra que, dos 11,5 milhões de vínculos de trabalho no funcionalismo público do Brasil, em 2018, metade dos servidores do país ganhava em média R$ 2.727. Um quarto (25%) recebia até R$ 1.566. Ou seja, menos do que o salário mínimo que o Dieese diz que é necessário para manter uma família de quatro pessoas, hoje calculado em R$ 5.330,69.
“Os salários mais altos estão restritos a um pequeno grupo, mas o funcionalismo público é tratado como se esse fosse o perfil dominante”, diz o pesquisador do Ipea, Félix Lopes, coordenador do estudo.
E são esses profissionais, que hoje estão na linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus arriscando suas vidas, ou enfrentando escolas sem segurança para dar aula as crianças, que políticos como o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (Pros- AL) perseguiu dizendo que ia combater os “marajás” , seu mote de campanha para a Presidência da República de 1989.
Atualmente, com Jair Bolsonaro (ex-PSL) no comando do país, os ataques aos servidores e ao serviço público voltaram com mais força . O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, chegou a chamar os servidores de parasitas e, para combatê-los elaborou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32, da reforma Administrativa que, na verdade acaba com o serviço público no Brasil.
Mas, o que os governos liberais tentam esconder da população é que suas campanhas têm por detrás interesses econômicos muito fortes do mercado financeiro, que querem abocanhar setores importantes que hoje estão sob a administração do Estado, como saúde e educação. Imagine como seria o atendimento da população durante a pandemia da Covid-19 se não houvesse o Sistema Único de Saúde (SUS)?
Essa reforma tem tripla característica, que são a destruição dos direitos básicos, precarização dos trabalhadores e trabalhadoras e a destruição do serviço público no país, afirma o técnico da Justiça Federal em Salvador, Bahia, Cristiano Cabral.
“A lógica deste governo é atacar os direitos básicos para minar as condições de organização e luta. Uma prova foi a tentativa de Guedes, no ano passado, de cortar a consignação paga pelos servidores aos sindicatos justificando que as medidas que ele quer tomar têm a resistência dos sindicalistas e que não era razoável eles terem uma forma de financiamento”, ressalta Cristiano, que é servidor desde 2005 e é formado em Direito.
As castas dentro da estrutura do aparelho público dialogam com as castas da sociedade para manter os lucros dos ricos às custas dos trabalhadores. É uma estrutura que se reproduz dentro do setor público para manter privilégios de uma minoria- Cristiano CabralApesar do vasto campo de atendimento do serviço público, a ideia de que os servidores ganham mais do que merecem e que todos pertencem a uma casta de privilegiados cai por terra ao serem analisados os valores dos salários da grande maioria e os percentuais de quem realmente tem um supersaloário, como mostrou a pesquisa do IPEA.
Félix Lopes, coordenador do estudo, disse que a maioria do funcionalismo está nos municípios, onde os salários são mais baixos: 6,51 milhões. Os servidores estaduais são 3,45 milhões e a minoria, 938,71 mil são servidores federais. A maioria dos servidores dos três entes: município, estados e União trabalham no Executivo.
“Seis em cada 10 servidores trabalham nos municípios, três em cada 10 nos estados, e somente 8% são servidores federais”, diz Félix.
Ao explicar um número maior de servidores municipais, o pesquisador lembra que o crescimento de 400% no funcionalismo municipal se deu a partir da Constituição Cidadã, de 1988, que universalizou o serviço público, fazendo com que os municípios passassem a ser responsáveis por uma gama de atendimentos gratuitos à população, e por isso precisaram contratar mais professores, médicos, enfermeiros, entre outras categorias.
“O crescimento se deu por causa da necessidade de universalizar as políticas públicas que a Constituição determina”, afirma Félix.
A pesquisa do Ipea também mostra as diferenças entre os salários dos servidores entre os entes federativos e os poderes. Servidores municipais do Executivo ganham menos que os estaduais e os federais. Eles também ganham menos que os servidores do Legislativo e do Judiciário tanto estadual como federal.
Em geral, as médias salariais dos servidores são:
Executivo Municipal: R$ 2.970 mil
Legislativo Municipal R$ 4.238 mil
Executivo Estadual: R$ 4.810 mil
Legislativo Estadual: R$ 7.685 mil
Legislativo Federal: R$ 9.298 mil
Executivo Federal: R$ 9.438 mil
Judiciário Estadual: R$ 10.195 mil
Judiciário Federal: R$ 15.274 mil
No cômputo geral, a pesquisa mostra que quanto maiores os salários, menor é o número de servidores públicos dos três entes que ganham esses valores. Como a maioria dos servidores se concentra nos municípios e eles ganham menos, a média salarial da categoria no país é de R$ 2.727.
A pesquisa mostra que ganham até R$ 2,5 mil, 58,13% dos servidores municipais; 31,87% dos estaduais e os federais respondem a 9,66%.
Já quem ganha de R$ 2,5 mil a R$ 5 mil são 28,97% dos municipais; 35,38% dos estaduais e do Executivo Federal: 20,34%.
A maior remuneração acima de R$ 30 mil é paga a 0,03% dos servidores municipais; a 0,24% dos estaduais e 1,95% dos federais.
No serviço público do Legislativo ganham até R$ 2,5 mil, 46,40% dos servidores municipais; 26,64% dos estaduais e os federais respondem por 19,65%.
Já quem ganha de R$ 2,5 mil a R$ 5 mil são 27,83% dos municipais; 35,38% dos estaduais e do Executivo Federal: 24,34%.
A pesquisa mostra que no Legislativo a maior remuneração acima de R$ 30 mil é paga a apenas 0,25% dos servidores municipais; a 1,54% dos estaduais e 4,24 % dos federais.
Apesar dos maiores ganhos ser no Judiciário, dentro da própria categoria há enormes diferenças salarias, o que demonstra mais uma vez que uma pequena casta é favorecida com altas remunerações.
A pesquisa do IPEA mostra que no Judiciário Estadual ganham até R$ 2,5 mil, 3,48%. No Judiciário Federal este índice sobe para 6,31%
Já quem ganha de R$ 2,5 mil a R$ 5 mil são 11,82% dos estaduais e 1,89% no Judiciário Federal.
Os mais altos salários acima de R$ 30 mil são pagos a 2,56% dos servidores do Judiciário Estadual e a 1,34% do Federal.
Em sua pesquisa, Félix Lopes deixou de fora os salários pagos aos terceirizados. Ele também excluiu os chamados “penduricalhos” que, muitas vezes, aumentam as remunerações de juízes e procuradores acima do teto do funcionalismo de R$ 39,2 mil.
Para acessar a tabela completa dos salários dos servidores da pesquisa do IPEA, clique aqui.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que no Brasil há pouco mais de 18 mil juízes e os servidores do Judiciário federal e estadual somam 276 mil.
Apesar do teto de R$ 39,2 mil, o próprio CNJ reconhece que a média salarial, dos juízes está em R$ 52.445 mil com os “penduricalhos” composto por diárias, indenizações, gratificações e auxílios.
“Entre os valores de quem ganha mais e os de quem ganha menos há um abismo muito grande”, diz o servidor do Tribunal de Justiça de Sergipe, Plinio Pugliese.
Segundo ele, juízes de qualquer Vara da Justiça recebem em média R$ 35 mil, o que daria para pagar até 90% dos salários de todos os demais servidores daquele local.
O servidor, que é secretário de comunicação da CUT/SE, diz que em seu estado os salários dos desembargadores chegam a R$ 35.462; os juízes ganham em torno de R$ 33. 689 mil, fora os penduricalhos, enquanto os técnicos judiciários recebem vencimentos em torno de R$ 3.230, acrescidos de auxilio alimentação e saúde. Os analistas com nível superior recebem em torno de R$ 5.301 também acrescidos de auxílio alimentação e saúde.
No serviço público nacional quem ganha o teto são ministros do STF. Bolsonaro inclusive, furou o teto e de alguns ministros- Plínio PuglieseLeia mais: Bolsonaro aumenta o próprio salário, enquanto renda dos brasileiros só diminui
O maior ataque ao funcionalismo público com o velho discurso de que todos os servidores são marajás e por isso precisam perder “ privilégios” está contido na PEC nº 32 que Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional.
“No texto da reforma estão excluídos a cúpula de servidores, de autoridades que recebem supersalários, o que mostra que o caráter do projeto do governo federal é apenas prejudicar os servidores públicos que ganham menos, que não compõem a elite, que é privilegiada e vai continuar sendo”, critica Plínio Pugliese, servidor do Judiciário estadual de Sergipe.
Mas, segundo ele, independentemente de incluir os altos salários, como querem alguns deputados, os servidores CUTistas repudiam a reforma Administrativa como um todo”, afirma Plínio, que é também secretário de Comunicação da CUT/SE.
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*Edição: Marize Muniz