Militares frustrados com Bolsonaro planejam chapa em 2022: “Governo favorece bancos"
Seis partidos em formação são presididos por reservistas; líder do Defensores explica descontentamento com atual gestão
Publicado: 08 Novembro, 2021 - 09h13 | Última modificação: 08 Novembro, 2021 - 09h17
Escrito por: Daniel Giovanaz Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Dos 83 partidos em formação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seis são liderados por militares da reserva. Entre eles, apenas um é crítico ao governo Jair Bolsonaro (sem partido) e tem expectativa de entrar na disputa presidencial do ano que vem.
O Brasil de Fato tentou contato com os presidentes desses partidos para entender como se articulam, quais as diferenças entre si e em relação à atual gestão.
O TSE só admite inscrição do partido que apresentar, no período de dois anos, 491.967 assinaturas em pelo menos nove estados. O número corresponde a 0,5% dos votos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Em cada estado, as fichas devem ser assinadas por um mínimo de 0,1 % dos votantes do último pleito.
Um dos seis partidos em formação é o Aliança pelo Brasil, presidido pelo próprio Bolsonaro. Apesar dos esforços para coleta de assinaturas, o capitão reformado admitiu em outubro que não será possível oficializar a sigla a tempo das eleições de 2022.
Os militares da reserva que lideram outros três partidos não responderam ao convite da reportagem. São eles: Partido Militar Brasileiro (PMBR), fundado pelo deputado federal Capitão Augusto (PL-RS); Partido da Segurança Pública e Cidadania (PSPC), presidido pelo major Edivaldo dos Santos de Farias, do Distrito Federal; e União para a Defesa Nacional (UDN), do tenente Altamiro Rajão, de Goiás.
Em seus estatutos e redes sociais, as três siglas defendem ideias semelhantes às do atual governo. Em um gesto amistoso, o PMBR cedeu o número 38 para Bolsonaro usar na urna. O partido em formação, registrado em nome de Andréa Rosa, esposa do Capitão Augusto, ficou com o número 64 – provável referência ao ano do golpe militar.
Do PDS ao Defensores
O único presidente militar de um partido em formação que aceitou conversar com a reportagem foi o cabo Washington Xavier, da Polícia Militar (PM) de Minas Gerais.
O nome dele consta na página do TSE como representante de duas agremiações: Partido da Defesa Social (PDS) e Defensores.
O PDS começou a ser estruturado em 2012 e coletou 561 mil assinaturas, mas extrapolou o prazo imposto pela nova regra do Tribunal, de 2015.
“Com isso, perdemos tudo. Ficamos um tempo inoperantes como partido, até que decidi fazer uma reestruturação e voltar com um novo nome”, explica Xavier.
“Preferi não dar baixa da pessoa jurídica do PDS no TSE na esperança de que ainda pudéssemos ser contemplados de alguma forma. Por isso, ele ainda consta no sistema.”
Hoje, o PDS utiliza suas redes para pedir adesão ao Defensores, constituído em 28 de fevereiro deste ano, já nos termos da legislação atual – Resolução 23.571, de maio de 2018.
PM da reserva e evangélico, Xavier ressalta que o partido é composto não apenas por militares.
“A grande maioria são pessoas que integram a defesa social – órgãos de segurança pública e nacional, socorrimento público –, mas também há pessoas ligadas à educação, que de certo modo cooperam para esse sistema de defesa”, afirma.
“A participação da sociedade civil é de suma importância.”
O processo de coleta de assinaturas do Defensores ocorre paralelamente em 14 estados. As fichas ainda não foram reunidas e contabilizadas em conjunto, por isso não há como precisar o número de adesões.
A expectativa, segundo Xavier, é oficializar o partido a tempo de compor uma chapa presidencial em 2022.
“Estamos aquecendo as turbinas, e os próximos três meses serão de muito trabalho”, diz o cabo.
Ao Brasil de Fato, o líder do Defensores não menciona quem poderia ser o nome lançado pelo partido à Presidência da República. Conforme informações veiculadas em julho pela rádio 98 FM, de Belo Horizonte (MG), o mais cotado é Átila Maia, brigadeiro da Força Aérea. A patente é equivalente à de general no Exército.
Maia, que se apresenta em suas redes como presidenciável, foi secretário-executivo do Ministério da Pesca em 2012 e candidato a senador pelo PRTB no Distrito Federal em 2018 – declarou ter investido apenas R$ 1,5 mil na campanha e fez 135 mil votos.
Onde moram as divergências
Em 2014, Bolsonaro gravou um vídeo ao lado do cabo Washington Xavier pedindo apoio à criação do PDS. Na época, debatia-se a possibilidade de lançá-lo como candidato à Presidência em 2018.
“O presidente, no meu ponto de vista, se afastou dos princípios que o levaram a vencer a eleição. Esperava-se muito dele”, reconhece o líder o Defensores.
“Na campanha, Bolsonaro prometeu que suas reformas não afetariam a população mais carente. Porém, elas visaram atender e privilegiar determinados grupos.”
A decepção não é de hoje. A reforma da Previdência, em 2019, somada ao fim da operação Lava Jato, em 2020, frustrou particularmente os militares com patentes mais baixas.
“A própria família Bolsonaro usou o privilégio do modelo anterior de aposentadoria. Então, quem propôs a reforma [da Previdência] não sente os efeitos dessa mudança”, lembra.
“Nós, praças das polícias estaduais, passamos de 30 a 35 anos de tempo de serviço [para aposentadoria]. É um absurdo, é desumano, considerando toda a tensão, os problemas de saúde, psicológicos e fisiológicos associados à profissão.”
Apesar das críticas pontuais, o Defensores é conservador nos “costumes” e liberal na economia. No processo de mudança de nome, a palavra “Social” foi excluída intencionalmente, para desvincular a agremiação da esquerda – conforme declaração de seu presidente ao jornal O Tempo.
Logo no primeiro parágrafo do estatuto, constam expressões que localizam o partido ideologicamente: “mulheres e homens de bem”, sob as “bênçãos de Deus”. O mesmo texto cita que “o Defensores tem como espectro ideológico o Pragmatismo Político.”
Xavier explica que não há discordância sobre as privatizações do governo Bolsonaro, por exemplo. Porém, a avaliação é de que o conjunto da política econômica beneficia o capital estrangeiro e prejudica os empresários locais.
“Temos que privilegiar a indústria nacional, para não nos tornarmos escravos do investimento estrangeiro. Porque quem investe quer retorno, e esse retorno não vem sendo reinvestido no Brasil”, critica o militar da reserva.
“A política econômica adotada pelo ministro Paulo Guedes tem elevado a inflação, sufocado as pessoas mais pobres, colocado milhões na linha de miséria. O que está sendo feito pelo governo é favorecer os grandes bancos”, acrescenta.
No ano passado, os investimentos estrangeiros no Brasil caíram ao menor nível em duas décadas. A redução foi de 62%, a mais expressiva do continente, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os bancos privados continuaram lucrando na crise, apesar da diminuição do nível de renda da população. [Continua após o vídeo.]
O líder do Defensores avalia que o auxílio emergencial foi importante na pandemia, mas se refere ao Auxílio Brasil como uma “compra de votos indireta para a reeleição”, reforçando o “encabrestamento” dos eleitores.
“Nesse sentido, ele está fazendo pior do que o governo anterior, que tanto criticou. Sou a favor da política social, mas atrelada ao desenvolvimento humano, à independência e à elevação da pessoa”, ressalta.
Xavier também questiona a dificuldade imposta para liberação de crédito a pequenos e microempresários, além dos cortes de orçamento em áreas como educação e tecnologia.
“Criou-se uma guerra ideológica e esqueceram de governar para todos”, acrescenta o militar da reserva, que já foi derrotado em duas eleições – para deputado federal em 2018, e prefeito de Belo Horizonte em 2020.
“Tem muitos colegas que ainda não acordaram, mas acredito que logo vão acordar”, finaliza.
Edição: Vinicius Segalla