Escrito por: Redação RBA

Ministério de suspeitos contradizem Bolsonaro e chateiam 'bolsominions'

Primeiro escalão do novo governo será comandado por investigados por escândalos, caixa 2 em campanha, omissão de patrimônio e outros indícios de corrupção e fraudes

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O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), já tem os seus 22 ministérios desenhados – sete a mais do que os 15 que o então candidato prometia durante a campanha. Mais que isso, algumas escolhas vão na contramão do discurso moralista que rendeu parte dos votos ao presidente eleito e que foi reforçado por seu pronunciamento em dia 31 de outubro. Naquela ocasião, três dias depois de ser eleito, o ex-capitão prometia a exclusão de corruptos de seus ministérios. A definição dos titulares das pastas, porém, traz investigados em denúncias de crimes eleitorais, omissão de patrimônio e fraudes.

O último nome a compor o primeiro escalão do novo governo foi anunciado neste domingo (9): o advogado Ricardo Salles, para o Meio Ambiente. O futuro ministro foi secretário estadual do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin (PDB) em São Paulo. Em sua gestão no governo paulista, Salles atuou contra os institutos de pesquisa, operou transações com imóveis estaduais e alterou de maneira irregular o plano de manejo da Várzea do Tietê, área de proteção ambiental, para beneficiar empresários ligados à Fiesp.

Em maio de 2017, o mais novo ministro de Bolsonaro se tornou réu após o Ministério Público Estadual (MPE-SP) ajuizar ação civil pública ambiental e de improbidade contra ele. 

Nomeações como essa pelo futuro presidente resultaram em repercussões negativas entre seus eleitores. Nas redes sociais, a indicação do próprio Ricardo Salles é contestada. "Não era para ser técnico? E ainda um cara investigado por improbidade?", questiona um eleitor, no Twitter, ao lembrar que o presidente prometeu trazer nomes "não políticos" em seu governo.

Os futuros ministros Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde) também são igualmente questionados pela comunidade bolsonarista. "Não estou acreditando. Fincamos os pés no céu, mas, agora, o senhor nos tirou o ar. Tô muito puta com o senhor!", diz uma eleitora, ao comentar a indicação de Salles.

Saiba Mais

No Facebook, um grupo de apoiadores de Bolsonaro anunciou o cancelamento de uma excursão que sairia de Castanhal-PA para acompanhar a posse do presidente eleito, no dia 1º de janeiro. "Passada a euforia, muitos se decepcionaram com as alianças políticas e, por fim, essas denúncias de corrupção envolvendo grande parte da família do presidente", diz a publicação, referente à "movimentação atípica" de R$ 1,2 milhão envolvendo o assessor de Flávio Bolsonaro.

Onyx Lorenzoni

A contradição das palavras de Bolsonaro de combate à corrupção começou com a nomeação de Onyx Lorenzoni para assumir a Casa Civil. Em maio de 2017, o então deputado federal do DEM pelo Rio Grande do Sul admitiu publicamente ter recebido R$ 100 mil em fundos secretos do frigorífico JBS, nas eleições de 2014, configurando o crime de caixa 2, o qual o juiz Sérgio Moro considerou perdoável depois de Lorenzoni ter reconhecido o erro e pedido "desculpas".

No último dia 4, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou a abertura de apuração sobre o pagamento de caixa 2 ao futuro Chefe da Casa Civil. De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), os delatores da JBS dizem que houveram dois repasses de R$ 100 mil: um em 2014 e outro, em 2012.

O futuro Chefe da Casa Civil já foi investigado por supostamente receber R$ 175 mil em propinas da Odebrecht. Porém, em junho deste ano, o inquérito sobre Lorenzoni foi rejeitado pelo STF.

VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASILÀ esquerda, Julian Lemos, acusado de agressão doméstica. À direita, o futuro Chefe da Civil, Onyx Lorenzoni, que assumiu ter recebido caixa 2

Paulo Guedes

Chamado de "posto Ipiranga de Bolsonaro", o futuro super-ministro da Fazenda, Paulo Guedes, também está sob duas investigações separadas por fraudes em fundos de investimento. 

Desde o começo de outubro, Guedes é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) por gestão fraudulenta e temerária à frente de fundos de investimentos (FIPs) que receberam R$ 1 bilhão, entre 2009 e 2013, de fundos de pensão ligados a cinco empresas estatais.

As principais suspeitas envolvem os aportes no FIP BR Educacional que, no primeiro ano, aplicou todo o dinheiro recebido dos fundos de pensão na HSM Educacional – agora chamada BR Educação Executiva, na qual ele era membro do Conselho de Administração. A HSM Educacional adquiriu uma empresa argentina, fora do negócio, por R$ 16,5 milhões. O negócio não foi bom e ambas as empresas acabaram perdendo dinheiro para os acionistas nos anos seguintes.

A segunda investigação envolvendo o "guru econômico" de Bolsonaro é sobre uma possível fraude de investimento que sua empresa fez na Enesa Participações. Acionistas confiaram no julgamento do economista com R$ 112 milhões. Gerido pela BR Educacional, empresa ligada a Paulo Guedes, o FIP causou perda total aos seus cotistas, entre eles o fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef), que detinha 20% de suas ações.

Marcos Pontes

O astronauta Marcos Pontes, futuro chefe do novo Departamento de Ciência, Tecnologia e Comunicação, a ser criado, também não possui sua ficha limpa. De acordo com o The Intercept Brasil, o tenente-coronel da Reserva da Força Aérea Brasileira escondeu ativos por mais de uma década e violou o Código de Conduta Militar.

Pontes foi investigado por supostamente possuir sociedade na empresa Portally Eventos e Produções. O astronauta, no entanto, sempre negou sua associação com a Portally, já que o Código Militar Brasileiro proíbe que militares participem de qualquer atividade comercial enquanto estiverem no serviço ativo. 

Após a investigação contra ele caducar na Justiça, Marcos Pontes, que já estava em regime de reserva naquele momento, tornou-se o principal acionista da empresa, detendo 80% do controle.

Luiz Henrique Mandetta

Escolhido para assumir o Ministério da Saúde em 2019, o deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) é investigado por fraude em licitação, tráfico de influência e caixa 2 na implementação de um sistema de informatização da saúde em Campo Grande, capital de seu estado, onde foi secretário.

A denúncia é de que o deputado tenha influenciado na contratação de empresas para o serviço, conhecido como Gestão de Informação da Saúde (Gisa), em troca de favores em campanha eleitoral. De acordo com a Folha de S.Paulo, em uma ação civil pública, na qual Mandetta é alvo, a Justiça do Mato Grosso do Sul mandou bloquear um valor total de R$ 16 milhões de bens dele e dos demais envolvidos.

Augusto Heleno

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro será o general Augusto Heleno. O indicado para ser o responsável pela agência federal foi condenado em 2013 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por assinar convênios ilegais de R$ 22 milhões para os Jogos Militares de 2011, sediados no Rio. A condenação foi confirmada em 2016 e ordenou que ele pagasse uma multa de R$ 4 mil.

De acordo com a decisão do Tribunal, os institutos, que deveriam prestar serviços durante os jogos, não poderiam ter sido contratados sem um concurso público, além de não haver provas de que as parcerias beneficiariam o exército.

Tereza Cristina

O primeiro escalão do presidente de Bolsonaro também contará com a deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS) como ministra da Agricultura. Ela é tratada pelo apelido de Musa do Veneno, dado pelos próprios ruralistas quando, em maio, promoveu uma festa para comemorar a aprovação do chamado 'Pacote do Veneno' – projeto que revoga a atual Lei dos Agrotóxicos e flexibiliza as regras para o uso de pesticidas agrícolas, muitos deles proibidos nos Estados Unidos e Europa.

Quando foi secretária estadual de Desenvolvimento Agrário e Produção do governo do Mato Grosso do Sul, Tereza concedeu incentivos fiscais à JBS na mesma época em que arrendou propriedade ao grupo, entre 2011 e 2012. Em 2014, ela recebeu mais de R$ 100 mil em doações de campanha do frigorífico. Eleita pela primeira vez em 2014, ela acumulou um aumento de quase 50.000% em seus ativos desde então.

ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASILTereza Cristina, desde que foi eleita pela primeira vez em 2014, acumulou um aumento de quase 50.000% em seus ativos

Da transição às amizades

Apesar de até agora não possuírem pastas no futuro governo Bolsonaro, outros nomes que cercam o presidente eleito são questionáveis. Um dos principais exemplos é Julian Lemos, líder do PSL no estado da Paraíba e membro da equipe de transição. 

Em 2011, Lemos foi condenado por fraude ao usar um certificado falso para garantir um contrato entre sua empresa e o estado da Paraíba. Lemos se declarou inocente e recorreu da decisão, e antes do segundo julgamento, o crime foi enquadrado no chamado estatuto de limitações e Lemos não enfrentou nenhuma punição.

Ele também foi acusado de violência doméstica por sua ex-mulher e sua irmã, e foi preso uma vez sob a acusação. Embora as duas mulheres mais tarde tenham recuado seus testemunhos, um exame mostrou diversas feridas no corpo de sua irmã. A investigação está em andamento.

Amigo íntimo do futuro presidente, o senador Magno Malta, que se disse "chateado" por não ser nomeado ministro no novo governo, não possui um bom histórico. Em setembro, um jornal do Espírito Santo revelou que Malta acusou falsamente, em 2009, o cobrador de ônibus Luis Alvez Lima, de estuprar sua própria filha de dois anos. 

O cobrador ficou detido por nove meses. Durante esse período sofreu torturas com espancamentos, choques, asfixia e imersão em água gelada. Sofreu descolamento das retinas devido às agressões e perdeu 80% da capacidade de visão do olho esquerdo. A lesão é irreversível e progressiva. Futuramente, ele deverá ficar cego.

The Intercept Brasil também revelou, em setembro, que Malta gastou meio milhão de reais de dinheiro dos contribuintes em dois postos de gasolina entre setembro de 2009 e julho passado – o valor corresponde a uma quantidade de combustível que seria suficiente para um carro circular duas vezes na Terra.

Bolsonaro chegou a dizer que Malta, seu "braço direito", poderia ser o chefe do Departamento de Família, no entanto, a má reputação de Malta o manteve fora da administração do futuro governo.

Outro que chegou perto de ser ministro do novo governo foi o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), flagrado em uma conversa telefônica reclamando do baixo valor de uma propina. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou o parlamentar, em setembro, por cobrar propina em contratos de transporte no DF. 

Em um vídeo, Bolsonaro anunciou que Fraga estaria com ele no Palácio do Planalto. "Eu já posso anunciar que Fraga será o único a coordenar a bancada (parlamentar pró-arma) em minha administração", disse em outubro. Após outra repercussão negativa, o presidente eleito voltou atrás na decisão.