Escrito por: Andre Accarini
Decreto de Bolsonaro que propõe escolas especiais para pessoas com deficiência foi suspenso pelo STF em dezembro para analisar o tema. Especialistas afirmam que política de Bolsonaro reforça o preconceito
Patrono da educação brasileira, Paulo Freire dizia que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Significa que compreender as diferentes realidades do ser humano é essencial para a promoção de uma educação inclusiva, baseada na socialização entre os indivíduos. Mas Paulo Freire, com toda sua importância para a história da educação no Brasil é ignorado pelo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) e por seu ministro da Educação, Milton Ribeiro.
Em vigor desde outubro do ano passado, o decreto de Bolsonaro que instituiu a Política Nacional de Educação para alunos com Deficiência, propõe segregar esses alunos, relegando a eles escolas específicas que não promovem nenhum tipo de interação social e comprometem o direito constitucional à educação.
Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o decreto após uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) questionar a legalidade da medida. A Corte vem promovendo debates e ouvindo especialistas sobre o assunto.
Para o secretário-adjunto de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Ismael Cesar, a educação inclusiva, além de ser um método de transformação social da própria escola, possibilita o combate o ao preconceito é à discriminação.
Mas, principalmente, garante o acesso desses alunos ao conhecimento, que ele reforça, “é um dever básico do Estado e um direito da criança e do adolescente”.
O decreto 10.502/2020 propõe a criação de escolas específicas para atender pessoas com deficiência. No conceito do governo, esses alunos não devem estar na escola regular porque atrapalham o rendimento de outros alunos.
O ministro Milton Ribeiro, pastor da Igreja Presbiteriana de Santos, chegou a dizer que “há crianças com um grau de deficiência que é impossível a convivência” e que quando uma criança com deficiência estuda com alunos sem essa condição, há o que ele chamou de inclusivismo. “A criança não aprende e atrapalha a aprendizagem das outras”, disse.
Para Ismael Cesar, são inaceitáveis tanto as declarações como a política do governo de acabar com a educação inclusiva e criar ‘guetos’ para alunos com deficiência. “Uma política que reafirma todo o tipo de preconceito e é antidemocrática”, diz.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), representada por seu presidente, Heleno Araújo, repudia os conceitos retrógrados do governo em relação à educação inclusiva.
“Rejeitamos de forma veemente as declarações horrendas do ministro da educação do governo Bolsonaro, de que crianças com deficiência atrapalham as outras crianças na formação escolar”.
“São absurdos que devemos condenar e que, só por isso, já seriam suficientes para exigir a saída de um ministro que atua contra a escola pública brasileira”, acrescenta Heleno
O tema tem ganhado ainda mais visibilidade, em especial, por causa das Paralimpíadas do Japão. Nos jogos, o Brasil já superou suas marcas anteriores. Já são 14 ouros, 11 pratas e 17 bronzes, num total de 42 medalhas conquistadas em diversas modalidades por atletas com deficiências. Até esta terça-feira, o Brasil ocupava a sexta colocação no ranking.
O desempenho dos atletas mostra que a educação inclusiva promove, de fato a sociabilidade e, mais que tudo, incentiva o ser humano a conquistar medalhas como os companheiros sem defificência. Além disso ainda prepara as pessoas para o a inclusão profissional.
Lara Aparecida é atleta paralímpica, campeã mundial e também estudante do 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública da cidade mineira de Uberlândia. Ela tem deficiência física e usa cadeira de rodas e considera muito positiva a convivência entre estudantes com e sem deficiência. Ela entende que o contato com a diversidade é importante para que as pessoas eliminem preconceitos e valorizem as singularidades de cada um.
Outro exemplo é o do bancário José Roberto Santana da Silva, um dos coordenadores do Coletivo Nacional de Trabalhadores com Deficiências da CUT.
“Eu estudei numa escola normal e garanto que os alunos que estudaram comigo ou que estudaram na minha época têm uma outra visão sobre as pessoas com deficiência em relação àqueles que nunca tiveram contato conosco”, diz José Roberto.
Ele explica que aqueles que nunca se relacionaram pessoas com deficiências acabam acreditando ‘é uma coisa de outro mundo, que essas pessoas não têm vida, não têm condições de ser pai e mãe de família, de trabalhar’.
Ele ainda afirma esse paradigma tem sido quebrado ao longo do tempo, mas o decreto veio para atrasar uma evolução de mais de 20 anos. O bancário teve paralisia infantil no membro inferior direito.
Heleno Araújo, da CNTE, afirma que o decreto é um exemplo de “fraude normativa”. Para ele, contraria todas as perspectivas de inclusão e de respeito à diversidade, de combate ao preconceito, de valorização da cidadania e da garantia de oportunidade às pessoas com deficiência, durante ou depois do ciclo escolar.
Para a assistente social e representante da CUT no conselho no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), Daiane Montoanelli, o decreto impacta negativamente e diretamente nas relações de trabalho, sociais e do ensino superior destas pessoas.
“Muda o que está previsto na Constituição sem ouvir as PCD´s, os coletivos e o Conade”, ela diz.
Daiane ainda afirma que “Bolsonaro quer privatizar a educação e atender algumas instituições cooptadas e apoiadas pelo governo que têm como missão se omitir e violar os direitos sociais dessas pessoas”. Ela reforça que a população precisa ser organizar coletivamente, promover debates e audiências públicas combater o retrocesso na educação promovido pelo governo.