Escrito por: Redação RBA

Moradores do Complexo do Alemão lidam com a pandemia e a violência policial

Operação nesta segunda (27) acabou em tiroteio e interrompeu ação social na comunidade, trazendo mais “desespero e abalo psicológico para os moradores”, diz sociólogo

Fernando Frazão/EBC

Uma ação de voluntários na luta contra o novo coronavírus no Complexo do Alemão, um dos maiores conjuntos de favelas da zona norte do Rio de Janeiro, foi interrompida nesta segunda-feira (27) por conta de uma operação policial que terminou em tiroteio.

De acordo com informações divulgadas pelo ativista social e midiativista no Coletivo Papo Reto, Raull Santiago, a ação impediu a distribuição de alimentos e itens de higiene. Pelo Twitter, Santiago ainda relatou que a operação contava com o uso de um blindado, que quebrou dentro da favela. Moradores denunciaram que os policiais saíram do veículo e invadiram suas casas para se abrigar, enquanto esperavam por novo blindado.

“Em meio à pandemia, fome e incertezas, o terror do Estado por meio da polícia vem mais uma vez deixar bem entendido o que acham que merecemos”, disse o ativista em sua rede social. À agência de notícias internacional AFP, a Polícia Militar do governo Wilson Witzel (PSC) disse que as “trocas de tiros foram registradas em dois pontos diferentes da comunidade, depois que ‘criminosos armados’ atiraram em agentes e instalações policiais”.

Nesta terça (28), em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, o sociólogo Alan Brum, morador do Complexo do Alemão, confirmou que uma nova operação policial ocorria novamente na manhã desta terça-feira (28) na região, prejudicando ainda mais qualquer medida restritiva e de enfrentamento à covid-19, como destacou.

“A gente precisa repensar a forma de trabalhar a segurança pública que, nesse contexto de pandemia, é um item a mais de pânico, desespero e de abalo psicológico, para falar o mínimo, sem dizer o perigo de vida que as pessoas passam nas favelas”, explica Brum. Um estudo da Rede de Observatórios da Segurança no Rio mostrou que no mês de março, quando a doença chegou no país e a polícia diminuiu o número de operações, as mortes nas comunidades caíram 60%.

“É um crime humanitário o que se faz nas favelas do Rio de Janeiro”, destaca o sociólogo, que é também doutorando em planejamento urbano, secretário-executivo do Instituto Raízes em Movimento e coordenador educacional do Projeto Usina de Valores do Instituto Vladimir Herzog. “O que há por trás, sociologicamente falando, é um grande genocídio da população preta e favelada.”

Violência piora o quadro da covid-19

Brum explica que essa violência policial agrava um quadro que já é preocupante diante da Covid-19, que nas favelas ainda precisam lidar com a ausência de saneamento básico, problemas na questão habitacional em conjunto ainda com a negação histórica de direitos a essa população.

No Complexo do Alemão, assim como em outras comunidades e regiões periféricas, os movimentos sociais vêm pressionando o poder público para que possa haver uma mudança em relação ao tratamento na área social e de saúde. O sociólogo conta que o número de casos e mortes em decorrência da doença só crescem no Complexo e a situação é “caótica”.

A prefeitura do Rio divulgou nesta segunda-feira que a rede de saúde pública já atingiu o limite de capacidade, com quase todos os leitos de UTI ocupados. “As pessoas estão morrendo dentro de casa, sem identificação do vírus e sem atendimento”, descreve Brum, que perdeu a avó, há duas semanas, entre outros companheiros de luta. “Somos nós do movimento social aqui do Complexo do Alemão que estamos fazendo as doações de máscaras, desinfetante e álcool gel para as equipes de saúde do Complexo do Alemão”, acrescenta.

As redes de favelas também dialogam com instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para viabilizar postos de saúde para atender as comunidades. “As organizações sociais estão fazendo muita coisa, mas não são elas que vão resolver o tamanho do problema a ser enfrentado. As políticas públicas, dos municípios ou dos estados, precisam chegar”, ressalta o sociólogo.

Ouça a entrevista da Rádio Brasil Atual

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