Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA
Movimento aponta “apagão de políticas públicas” como um dos fatores, além da impunidade
De janeiro a agosto, 207 pessoas da população LGBTI+ foram assassinadas ou se suicidaram em decorrência de crimes de ódio, aponta relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil. Dessa forma, com média mensal de quase 26 mortes, o número tende a ultrapassar o total registrado em 2020 (237). Os dados, divulgados pela Aliança LGBT, são do Acontece – Arte e Política LGBTI+ e do Grupo Gay da Bahia, entidades que coordenam o Observatório.
“Essa realidade dramática expõe a ausência de políticas públicas para garantir os direitos humanos, proteger, amparar e gerar oportunidades para a população LGBTI+ no Brasil”, aponta o relatório. “Outro agravante para essa situação é o fato de que muitos crimes contra a população acabam impunes e, em alguns casos, até mesmo sem a identificação dos responsáveis, o que amplia o sofrimento de familiares e amigos.”
Assim, a cada 36 horas um LGBTI+ “é vítima de homicídio ou suicídio, o que confirma o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais”. O número teve redução de 2019 para 2020, ano considerado atípico por causa da pandemia.
Há registros de mais casos em anos anteriores, como o recorde de 445 mortes em 2017. Não há uma explicação única. Mas esse número maior pode estar relacionado a fatores como incidência de registros confirmados. Do lado da queda, a mais medidas de prevenção adotadas pela comunidade. De qualquer forma, isso não indica redução da violência no país.
“Com a diminuição das necessárias medidas de distanciamento social, para conter a pandemia, mais pessoas LGBTI+ voltaram a ficar expostas à violência contra suas vidas e seus corpos”, comenta Alexandre Bogas Gastaldi, diretor executivo da Acontece Arte e Política LGBTI+. “Ao que tudo indica, teremos em 2021 um crescimento significativo no número de casos, em relação ao ano anterior, o que impõe medidas emergenciais por parte do poder público”, acrescenta.
Neste ano, pelo levantamento, homens gays representam praticamente metade das mortes violentas. São 102, ou 49,3% do total. Em seguida, vêm mulheres trans e travestis, com 86 (41,5%). Lésbicas somam oito (3,86%). Os registros mostram ainda três assassinatos de pessoas que foram confundidas com LGBTs.
Assim, dos casos apurados até agora, 171 correspondem a homicídios (82,6% do total). Também se registram 18 suicídios (8,7%), 16 latrocínios (7,7%) e dois casos de overdose (1%).
Já das 237 mortes no ano passado, houve 224 homicídios e 13 suicídios. Pela primeira vez em 41 anos, travestis e mulheres trans ultrapassaram os gays em número de mortes: 161 (70%) e 51 (22%), respectivamente. O relatório cita ainda 10 lésbicas (5%), três homens trans (1%), três bissexuais (1%) e dois heterossexuais confundidos com gays (0,4%).
As quatro unidades da federação mais populosas apresentam o maior número de mortes: São Paulo (28), Minas Gerais (24), Bahia (22) e Rio de Janeiro (16). Mas, considerando a proporção de mortes a cada milhão de habitantes, os índices mais elevados foram registrados em Mato Grosso (3,36 mortes por milhão), Alagoas (2,37), Amapá (2,27) e Sergipe (1,71). Em São Paulo, por exemplo, a proporção é de 0,6.
Nos casos em que foi possível apurar essa informação, 70 casos envolveram pessoas brancas (33,8%) e 67, pretas ou pardas (32,4%). A maior parte ocorreu com pessoas de 21 a 30 anos: 55 casos (26,6%). Em seguida, vêm as faixas de 31 a 40 (33, 15,9%) e de 41 a 50 (27, 13%).
“Vivemos hoje um verdadeiro apagão de políticas públicas focadas na população LGBTI+” afirma o professor Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia. “Se antes elas já eram escassas, hoje, todo o aparato estatal de amparo à esta população tem sido desmontado pelo governo federal. Somado aos discursos LGBTIfóbicos proferidos pelas maiores autoridades do país, o que se tem é a receita de uma tragédia silenciosa vivida pela nossa população”, critica.
O relatório cita quatro casos de repercussão.
Entre as recomendações para combater os crimes, as entidades fazem reivindicações, como garantia de educação sexual e de gêneros em todos os níveis escolares. Além disso, cumprimento da jurisprudência que garante cidadania à população LGBTI+. Também listam o reconhecimento do casamento homoafetivo e equiparação desses crimes ao de racismo. E implementação de políticas públicas em saúde, direitos humanos e educação.