Escrito por: Érica Aragão
O Estado, que deveria financiar a saúde, legisla para acabar com o SUS
Diante dos constantes ataques do governo ao SUS, as trabalhadoras e os trabalhadores rurais se reorganizam para lutar em defesa dessa política que garante saúde gratuita e participação social. O Congresso da CONTAG, a se realizar na próxima semana, será uma grande oportunidade de avançar nessa direção. As mulheres do campo criticam a postura do governo ilegítimo e articularão um calendário de lutas contra o desmonte do SUS.
O objetivo desta ofensiva do governo é desmontar o SUS ao máximo e aumentar o lucro das operadoras dos planos de saúde. Com a Emenda Constitucional 95 (antiga PEC 55, conhecida como PEC dos gastos) os investimentos para a saúde diminuirá expressivamente nos próximos 20 anos, colocando em risco a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras, principalmente dos que vivem no campo.
A saúde gratuita e universal é garantida na Constituição Federal de 1988 como direito de todos e todas e dever do Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS) é resultado da luta do movimento sanitarista, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, estudantes, usuários e usuárias da saúde, sindicatos e movimentos populares.
Nos últimos anos, as populações do campo, florestas e águas que correspondem a 16,4% da população, segundo o IBGE, puderam vivenciar avanços importantes, como a implementação de equipes de saúde da família em assentamentos e comunidades ribeirinhas, por meio de incentivo financeiro repassado do Ministério da Saúde para as Secretarias Municipais desde 2004. A implantação das Unidades Básicas de Saúde Fluviais, a partir de 2011, também mudou a realidade de acesso à saúde na região Amazônica. E, principalmente o programa Mais Médicos, que desde 2013 leva profissionais para locais onde nunca teve um médico ou uma médica, sendo as principais beneficiadas as pessoas que vivem nas periferias das grandes cidades ou em áreas rurais.
Para a Secretária Nacional da Saúde do Trabalhador na CUT, Madalena Margarida da Silva, a defesa do SUS, universal, integral, equânime e com a participação e controle da sociedade é uma bandeira de luta permanente de todos e todas que desejam uma sociedade mais justa e democrática. “Alterar essa ordem é desumano e covarde, mas também é atender os interesses do capital internacional e das empresas de planos de saúde privados que vendem a ideia do que é privado é melhor que o público e mentem dizendo que os serviços particulares têm mais qualidade”, observa.
Ela também destaca que todos e todas somos usuários do SUS. “Até quem paga caro pelo convênio é beneficiado pelo SUS. Muitos tratamentos e medicamentos só são possíveis ter acesso através do SUS”.
A pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e ex-presidenta do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza destaca: “o impacto do corte e congelamento dos gastos públicos nas áreas sociais por vinte anos será imediato e prolongado, e certamente encrudescerá a crise política, econômica e social brasileira, acirrando os conflitos entre as classes sociais populares e médias”.
Segundo a Coordenadora de Mulheres da CONTRAF Brasil (Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar no Brasil), a entidade que ela representa olha para a saúde hoje como preocupação. “Como teremos uma saúde pública de qualidade se os investimentos estão contidos? A criança que nascer hoje terá uma assistência em saúde defasada até seus 20 anos”, exemplifica.
Madalena, que é agricultora familiar da base da CONTAG, destaca que as trabalhadoras e os trabalhadores do campo, da floresta e das águas serão os mais prejudicados com o desmonte do SUS, porque essa população, em sua grande maioria, é usuário do serviço público de saúde.
A população rural brasileira vive em lugares sem água encanada, sem saneamento básico e sem coleta seletiva de lixos, condições determinantes para a afetar a saúde no campo. Em condições insalubres, esses trabalhadores tem contato direto com agentes infecciosos e parasitários, que provocam a esquistossomose, malária, febre amarela, por exemplo. Os trabalhadores e as trabalhadoras do campo estão expostos diariamente a ruídos e vibrações devido a uso de tratores, colheitadeiras, entre outras, trabalham sobre radiações solares por longos períodos, expostos a partículas de grãos armazenados, ácaros, fezes de animais, fungos e bactérias que provocam doenças respiratórias, asma ocupacional e pneumonias.
Além disso, O povo do campo adoece também em função das Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Doenças Osteomusculares Relacionadas com o Trabalho (DORT) e está exposto ao uso do agrotóxico que podem causar náusea, cefaleia ou até mesmo câncer.
Maria do Socorro de Souza observa que os problemas de saúde que afetam a população do campo não terão respostas somente no âmbito do SUS. “É necessário um conjunto de políticas públicas que seja capaz de solucionar os problemas de saúde vivenciados no campo”, alega.
Madalena complementa contando como foi o processo da implementação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCF) em 2011. “A PNSIPCF foi resultado da luta para a construção de uma política pública de saúde que atendesse as necessidades desta população em função das condições de vida, de trabalho e da precariedade ao acesso aos serviços públicos de saúde que contribuem para o adoecimento dessa população”.
A PNSIPCF tem o objetivo de promover a saúde das populações do campo, da floresta e das águas por meio de ações e iniciativas que reconheçam as especificidades de gênero, geração, raça, cor, etnia e orientação sexual. A iniciativa abrange todos aqueles que têm seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com o campo, a floresta, os ambientes aquáticos, a agropecuária e o extrativismo, como: camponeses, agricultores familiares, trabalhadores rurais e assentados, comunidades de quilombos, populações ribeirinhas, entre outros.
Elaborada por diversos atores, olhares, escutas, ou seja, pelos movimentos sociais do campo, a PNSIPCF tem como objetivo contemplar toda a especificidade e as peculiaridades da população do campo, das florestas e das águas, visando promover o acesso às ações e aos serviços de saúde, a redução de riscos e agravos decorrente dos processos de trabalho e das tecnologias agrícolas e a melhoria dos indicadores de saúde e da qualidade de vida deste povo. “Mesmo muito recente, a PNSIPCF, pouco implementada e conhecida, se transformou num instrumento político para que as lideranças sindicais e comunitárias tivessem condições de reivindicarem nos Conselhos de Desenvolvimento e de Saúde e Secretarias Municipais, Estaduais e Ministério da Saúde a implementação desta política em cada canto deste país”, explica Madalena.
Com o desmonte do SUS, todas as conquistas da classe trabalhadora do campo, das florestas e das águas estão ameaçadas, porque com a redução dos recursos para saúde imposta pela Emenda Constitucional 95 (que congela investimentos por 20 anos) os programas, as ações e as políticas deixarão de serem incorporadas os planos de saúde e não serão consideradas importantes e prioritárias. Com isso a população do campo terá dificuldade em ter acesso a medicamentos gratuitos, a tratamento fora do domicilio, ao médico na comunidade e aos profissionais de saúde no município.
Socorro lembra que há serviços que as populações do campo têm acesso somente por intermédio do SUS, como a vigilância em saúde e o saneamento básico.
Graça afirmou que a CONTRAF Brasil continuará lutando por uma saúde pública de qualidade e diferenciada para o povo do campo. “As doenças são negligenciadas, e adoecemos muito por conta das mordidas e picadas de animais e de doenças de pele, por conta do nosso trabalho exposto ao sol. Além disso, precisamos mudar a realidade que as trabalhadoras e trabalhadores do campo enfrentam de sequer conseguir uma perícia médica que garanta o laudo para um possível afastamento do trabalho”.
Para Madalena, defender o SUS antes de tudo é necessário restabelecer a democracia devido a disputa de modelo de desenvolvimento do país. A dirigente afirma que o governo ilegítimo de Michel Temer desde que assumiu o poder vem destruindo todas as políticas conquistas ao longo de muitas lutas e está colocando a saúde, entre outros temas, como mercadoria. “O Estado democrático é fundamental para que os trabalhadores e as trabalhadoras do campo, da floresta e das águas ocupem os espaços de gestão e controle social em defesa ao acesso de políticas públicas de saúde”, completa.
A dirigente CUTista destaca que o 12º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), que acontece entre os dias 13 e 17 de março, será um espaço para discutir quais serão as ações e os caminhos estratégicos que os trabalhadores e as trabalhadoras do campo, das florestas e das águas construirão para lutar pela garantia de uma saúde pública, universal, integral e de qualidade para todos e todas.
“Nós da CONTAG temos mais de 50 anos de luta por melhoria de condição de vida e de trabalho das populações do campo, das florestas e das águas. Fazer o enfrentamento e resistir a estes retrocessos é nosso principal desafio”, finaliza.