Escrito por: Redação RBA

Movimento em defesa da Cinemateca marca novo ato contra descaso do governo Bolsonaro

Na luta pela sobrevivência do espaço que há sete meses não recebe nenhum recurso federal, trabalhadores, artistas e pesquisadores fazem “abraçaço” simbólico na próxima terça (14)

TV Brasil

O quadro dramático da Cinemateca Brasileira, que há sete meses vem lutando pela sobrevivência em meio à asfixia orçamentária promovida pelo governo Bolsonaro, faz com que artistas, trabalhadores e pesquisadores realizem mais um ato público em defesa do espaço que abriga o maior acervo audiovisual da América do Sul. Na próxima terça-feira (14), das 16h às 18h, o movimento fará uma projeção a laser sobre a fachada da Cinemateca, na Vila Clementino, em São Paulo, e um “abraçaço” simbólico, respeitando o uso de máscaras e o distanciamento social.

Desde dezembro, a instituição responsável pela preservação e difusão da produção audiovisual brasileira não recebe recursos federais. Há pelo menos três meses os funcionários estão sem seus salários. Uma vaquinha virtual chegou a arrecadar R$ 125 mil para custear todo o trabalho dos empregados, que em paralelo fazem circular a petição on-line Cinemateca pede socorro.

O quadro, contudo, continua se agravando. A empresa terceirizada, responsável pela manutenção dos climatizadores necessários para a conservação dos filmes na umidade e temperatura corretas, deixou de prestar serviço. No dia 26, a brigada de incêndios também debandou. E a previsão é que no próximo dia 15 toda a área de 24 mil metros, que abriga 250 mil rolos de filmes, ficará sem segurança. Nesta terça (7), os trabalhadores da Cinemateca entraram em greve pela terceira vez.

Repetindo a tragédia do Museu Nacional do Rio

“Não seria nossa vontade estar num ato, numa manifestação no meio de uma pandemia. Muitos de nós temos idade, não deveríamos estar lá, mas o dever como cidadãos e profissionais do cinema nos chama a estar lá. Essa luta é nossa. Vamos fazer cumprir nosso dever para que não ocorra uma tragédia como aconteceu com o Museu Histórico Nacional”, explica a historiadora Eloá Chouzal, pesquisadora do audiovisual, que atua na área há mais de 30 anos e é membro da Associação de Preservação Audiovisual.

Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, ela lembra o incêndio do Museu Nacional no Rio, em setembro de 2018, que transformou em cinza 20 milhões itens de um acervo de patrimônio histórico.

Descaso que se repete quando há sete meses o Ministério da Educação (MEC) encerrou o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp). De acordo com Elóa, a organização social é a gestora da Cinemateca e também realizadora da TV Escola. Esse era um contrato vultoso, assinado em 2015, mas que em 2018 recebeu um aditivo, acrescentando como o adendo a Cinemateca.

O contrato venceria em 30 de dezembro, e a pasta não quis renová-lo. O aditivo, contudo, validava a manutenção do acordo com a instituição de audiovisual até março de 2021. “Esse racha jurídico fez com que a Acerp continuasse acreditando que o governo ia pagar as coisas que devia. O governo não pagou e nós estamos nessa situação”.

Imbróglio 

Apenas no último dia 24, depois de prometer à ex-secretária especial de Cultura Regina Duarte, um cargo que sequer existia, o governo Bolsonaro se mostrou aberto à discussão. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, se reuniu com a organização social na Cinemateca, acompanhado do novo secretário da Cultura, Mário Frias. A reunião era para tratar do imbróglio que se arrasta há meses. A historiadora conta que os funcionários chegaram a ficar esperançosos de que haveria um acordo rápido diante da emergência que a situação requer. Até o momento, no entanto, nenhuma resolução foi anunciada.

 

“A gente sabe que existe por parte do Ministério Público Federal uma cobrança, tanto sobre a Acerp quanto sobre o governo. Porque é uma responsabilidade tremenda perder um acervo desses, e também é uma questão de responsabilidade com os trabalhadores. Um acervo não vive sem essas pessoas cuidando dele. Estamos em pânico com essa situação”, descreve Elóa.

Histórico de resistência

A história da Cinemateca nunca foi de fato tranquila. Já resistiu a quatro incêndios, enchentes, uma delas recente, no depósito da Vila Leopoldina, zona oeste da capital paulista. Mesmo assim, também há glórias. São 44 mil títulos de curta, média e longa-metragens. Há no acervo programas de televisão, registros de jogos de futebol e filmes publicitários.

O espaço, que já foi considerado a quinta cinemateca do mundo, é o primeiro lugar de contato com o cinema para muitas crianças das escolas públicas. E nele também que está todo o acervo de cartas, filmes e roteiros do cineasta Glauber Rocha. O lugar abriga um acervo público e privado. Produtores e famílias que não têm condições de guardar os negativos, deixam o material aos cuidados da Cinemateca.

São as “obras de uma vida”, como ressalta Eloá, que estão no acervo da instituição. Mas, principalmente, é todo um patrimônio cultural do país. “E estamos nessa situação de penúria, com trabalhadores fazendo uma vaquinha para conseguir pagar suas contas e comer. É realmente o fundo do poço”, lamenta.

“Estamos engajados como profissionais e cidadãos brasileiros nessa luta pela Cinemateca. Não vamos admitir que isso aconteça com a Cinemateca Brasileira. A gente está cobrando o governo porque é dever dele cuidar desse patrimônio público. Lá estão não só as imagens e esse acervo, existe um parque tecnológico que foi comprado com dinheiro público, com telecines e equipamentos caríssimos. É dever do governo manter isso”, finaliza a historiadora.