Escrito por: Isaías Dalle

Movimentos celebram 10 anos da derrota da Alca

Em 2005, mobilizações de rua e trabalho de base no Brasil e em países vizinhos impediram que os EUA abolissem fronteiras nacionais

Fotos de Roberto Parizotti
Encontro reuniu diversas entidades que participaram do Plebiscito Contra a Alca

Vai fazer 10 anos que os movimentos sociais organizados derrotaram a proposta de criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), uma ideia dos Estados Unidos que, na prática, pretendia abrir indiscriminadamente as fronteiras dos demais países do continente aos produtos das multinacionais estadunidenses.

Diferentes gerações na plateiaEm 5 de novembro de 2005, uma multidão de militantes de diferentes países, a maioria sul-americanos, reunida na Cúpula dos Povos em Mar Del Plata, Argentina, sacramentou a rejeição à proposta lançada pelo ex-presidente Bill Clinton e que havia recebido antes a simpatia de governos como o de Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, e de Carlos Menen, da Argentina, entre outros.

Para dar início às comemorações dessa vitória, movimentos sociais reuniram-se na noite da última quarta-feira, em São Paulo, e lançaram a Jornada Continental de Luta Anti-imperialista, para não apenas lembrar aquele momento, como para refletir sobre os desafios atuais.

O encontro, que reuniu mais de 300 pessoas no auditório do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, acabou por funcionar também como uma injeção de ânimo e esperança em meio às dificuldades políticas e econômicas que tanto preocupam os movimentos sociais e a esquerda nestes dias que correm no Brasil.

No dia 5 de novembro, aniversário da derrota da Alca, serão realizados atos de rua em São Paulo, Rio e Brasília.

Unidade internacional

A vitória em Mar del Plata foi precedida por várias e grandes mobilizações de rua em diversas cidades do Brasil e de países sul-americanos. Reuniões, seminários e debates em sindicatos, comunidades de bairro, igrejas e escolas disseminaram pela sociedade informações importantes sobre os prejuízos que a Alca ia produzir sobre o mercado de trabalho, os direitos e as condições sociais, ao tornar as economias nacionais absolutamente desprotegidas diante do poderio dos Estados Unidos.

Enquanto isso, a mídia tradicional, na direção contrária, propagava mensagens de que a Alca seria algo benéfico e que colocaria o Brasil na rota do progresso e da modernidade. Portanto, a disputa pela opinião pública foi uma tarefa de grandes proporções.

Essa mobilização, que unificou os movimentos sociais, ganhou as ruas. Em setembro de 2002, no Brasil, foi realizado o Plebiscito Popular Contra a Alca, que recolheu mais de 10 milhões de votos. Havia bancas e postos de votação nas estações de trem, ônibus e metrô, nas escolas e praças. Milhares de comitês organizadores foram criados pelo País.

Júlio lembrou as mobilizações que precederam a vitóriaParalelamente a essa pressão, que ia crescendo, e impulsionada por ela, governos progressistas e nacionalistas começaram a vencer os processos eleitorais. Hugo Chávez já havia sido eleito em 1998, e em 2002 resistiu a uma tentativa de golpe. Lula assumia o governo brasileiro em 2003, mesmo período em que ascendia na Argentina Nestor Kirchner. Dois anos depois, Evo Morales assumia na Bolívia.  No Uruguai, a Frente Ampla governava com Tabaré Vásquez.

Foi nesse contexto de luta nas ruas e nas urnas que a Alca e seus poderosos defensores foram derrotados. A Cúpula dos Povos de 2005 deu força popular aos governos que decidiram rejeitar a proposta da Alca. Em seguida, foi possível construir organismos internacionais fora da esfera de influência dos Estados Unidos e do Canadá, caso da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América) e, posteriormente,  da Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Tratado Transpacífico

“Percorremos o país debatendo como a Alca seria a abertura total de nossas fronteiras para pilhagem e destruição de nossos países”, lembrou o dirigente da CUT Júlio Turra, presente ao encontro. “Há 10 anos conseguimos construir uma integração que pesou na posição dos governos”, completou.

Ele lamentou que países que não conseguiram barrar aquele avanço dos Estados Unidos hoje pagam um preço alto. “O México transformou sua indústria em maquiladoras, que montam produtos feitos nos Estados Unidos como se fossem um jogo de quebra-cabeça”, exemplificou.

E alertou para perigo semelhante que se aproxima. “Gravem a sigla TTP, que é o Tratado Transpacífico, proposto agora. Em breve começarão as pressões sobre nós para aceitar a adesão a mais essa abertura de fronteiras”.

O dirigente do MST João Pedro Stédile fez uma breve retrospectiva histórica da luta latino-americana contra o imperialismo estadunidense e lembrou que a luta de classes se dá em ondas, “numa espécie de gangorra”, para então analisar o momento em que vivemos hoje.

Stédile fez um retrospecto da luta latino-americana“Em 2015 estamos entrando em um novo período histórico”, disse. Citando Rosa Luxemburgo, afirmou que o imperialismo pretende se apropriar das riquezas naturais dos demais povos para sair da crise em que se encontra. “Hoje eles sabem que é mais rentável tomar as riquezas naturais do que ficar explorando os operários”. Daí, segundo ele, os ataques contra a Petrobras, com vistas à exploração estrangeira do pré-sal.

Da mesma forma como os movimentos foram às ruas no período em que se derrotou a Alca, é preciso, segundo o líder sem-terra, buscar neste momento a reconstrução dos movimentos de massa para enfrentar os desafios.

“Precisamos derrotar a ditadura das multinacionais sobre nossos povos. Vamos à luta contra o inimigo da humanidade: o imperalismo”, disse Júlio Turra.

Na plateia do encontro de ontem à noite, muitos jovens, a maioria estudantes da Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST. Entre eles, muitos de países vizinhos e também haitianos. Diversas entidades compareceram ao ato, como o Movimento dos Pequenos Agricultores, a Marcha Mundial de Mulheres, UNE, Levante Popular da Juventude, Via Campesina, Jubileu Sul, Rebrip, Consulta Popular, entre outros.