Movimentos devem retornar às bases para defender conquistas
Boaventura Santos acredita em ações articuladas de golpes na América Latina
Publicado: 26 Março, 2015 - 01h57 | Última modificação: 27 Março, 2015 - 06h26
Escrito por: Luiz Carvalho, da Tunísia
Debate na Casa Brasil tratou também da cultura como forma de mobilização e do papel da Petrobras para fomento de debatesPara Boaventura, movimentos devem ser alternativas aos jovens antes que jovens encontrem outras alternativas (Fotos: Mídia Ninja)
Durante abertura das mesas de debate nesta quarta-feira (25), na Casa Brasil, espaço que a CUT e parceiros dos movimentos sociais manterão até o final do Fórum Social Mundial, na Tunísia, o professor português Boaventura Santos apontou que o momento na América Latina é de defesa das conquistas e não de ofensivas.
Para ele, o imperialismo norte-americano voltou com força ao continente e após atuar nos golpes contra os governos de Honduras (Manuel Zelaya) e Paraguai (Fernando Lugo), Brasil, Venezuela e Argentina estão na mira. Mas não via golpe e si por meio do financiamento de organizações da sociedade civil que se infiltram nos movimentos sociais e desestabilizam a democracia.
“Aqui o problema é o pré-sal e o banco que os Brics (bloco comercial formado por Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) que ameaça a predominância do dólar. A terceira fase envolverá o Rafael Correa, no Equador, e o Evo Morales, na Bolívia, que esfriaram esse ímpeto porque tiveram vitórias expressivas nas eleições”, avalia.
Por aqui, avalia, o caminho é colocar os movimentos sindical e sociais nas ruas e fazer uma reforma política que acabe com financiamento privado das campanhas que criou uma corrupção endêmica, definiu.
Receituário neoliberal
O professor alerta ainda que o Brasil não deve repetir o receituário europeu de austeridade e cortes sociais. “Isso destruiu a saúde pública em Portugal e as economias de Espanha e Grécia. Esse é o modelo global de enriquecer a minoria empobrecer a maioria. O país deve ir no caminho contrário e ouvir os movimentos sociais que não podem ter importância apenas nas eleições. Devem ser importantes sempre”, alertou.
Santos disse que os movimentos sociais não podem deixar de fazer criticas até mesmo para reforçar os governos progressistas que ainda estão na América Latina, mas sem deixar de investir numa grande solidariedade regional e em agregar cada vez mais diferentes pontos de vista em espaços como o Fórum Social.
Da mesa forma que partidos, ele destaca que a burocratização e o envelhecimento dos movimentos exigem a reaproximação das bases num movimento que deve vir de baixo para cima.
“A América Latina já ensinou a Europa do Sul e agora precisa aprender com a formação que é feita a partir de conselhos de cidadãos que atuam a partir da base e nela ficam. Isso se perdeu aqui. Por isso políticas como os pontos de cultura devem ser aprofundadas e estimuladas.”
Santos entende também que a esquerda comete um grande erro ao classificar como despolitizada a maioria da população que não participa de movimentos e partidos.
“Não são despolitizados. O que acontece é que não foram ainda politizados com os temas que os poderiam mobilizar. O risco é que podem ir tanto para causas progressistas quanto reacionárias e, por isso, temos que conquistar a juventude para movimentos progressistas como fizeram o Syriza, na Grécia, e o Bloco de Esquerda, na Espanha. Ou o PT se reforma para congregar essas novas forças sociais ou surgirão outras forças políticas que criarão outras forças com outras lógicas”.
Voz das redes
A defasagem entre o desejo de participação e a estrutura do Estado lento e hiperhierarquizado é outro desafio para a inclusão social da sociedade brasileira.
Secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Ivana Bentes, acredita que essa crise envolve a falta de capacidade de absorção das novos modos de comunicação e vai além do voto.
“As forças tradicionais tem pânico de participação porque considera algo produtor de crise e instabilidade, quando, na verdade, é o que legitima o regime democrático. Não existe oposição entre urnas e ruas”, afirmou.
Ainda sobre a inclusão popular, o assessor da Secretaria Geral da Presidência da República, Jeferson Miola, fez um resgate das conferências nacionais que o Brasil já promoveu e comparou com períodos anteriores. Entre 1941 a 2002 foram 41 conferências temáticas, enquanto entre 2003 a 2012 foram 103.
Apesar disso e de resultados como a Lei Maria da Penha, resultado de uma das conferências de mulheres, o Plano Nacional de Participação Social, cujo decreto está sendo debatido no parlamento, encontra resistência no Congresso, lembrou.
“O controle social é fundamental para combater a corrupção, mas convivemos num ambiente em que o PT não ganhou poder, mas sim o governo. E os movimentos sociais se veem desafiados a dar uma resposta à nova organização política em que a direita também vai para as ruas”, comparou.
Ruas que também devem ser espaços da defesa de conquistas, ressaltou o gerente de Relação Comunitária da Petrobrás, José Barbosa.
“Estão em jogo programas implementados nos últimos 12 anos, o projeto de inversão de prioridades na sociedade, privilegiando os mais pobres, e a possibilidade de ajudar a projetos como o Fórum e ações culturais. Se não mobilizarmos vai acontecer a quebra do monopólio brasileiro sobre o petróleo com apoio da Justiça e de agências como a Pricewaterhouse. Somos favoráveis à condenação dos corruptos, mas não da sociedade brasileira e dos 86 mil trabalhadores”, definiu.