MP 1045 de Bolsonaro aumenta jornada e corta descanso de trabalhadores da mineração
Para os trabalhadores da mineração, entre as categorias mais precarizadas, terceirizadas e que enfrentam jornadas extenuantes e de alto risco, a MP é ainda pior
Publicado: 16 Agosto, 2021 - 08h30 | Última modificação: 16 Agosto, 2021 - 08h36
Escrito por: Maurício Angelo / Observatório da Mineiração
Cumprindo as suas promessas de campanha, Jair Bolsonaro (ex-PSL) está entregando além: se a ideia era obrigar o trabalhador a escolher entre “ter menos direitos e empregos” ou “todos os direitos e desemprego” – como prometeu na sua primeira fala no primeiro debate para presidente na TV Bandeirantes, em agosto de 2018 – Bolsonaro, Paulo Guedes e o Centrão decidiram por acabar de vez com todos os direitos trabalhistas, batendo recorde de desemprego, miséria e fome.
A Medida Provisória (MP) nº 1045 é o último ataque ao que restou de direitos no Brasil. Embutida na proposta como requinte de maldade a precarização absoluta e a extinção da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), se não bastassem a pandemia, o genocídio e a grave crise econômica causada pelos militares e ultraliberais no poder.
Para os trabalhadores da mineração, entre as categorias mais precarizadas, terceirizadas e que enfrentam jornadas extenuantes e de alto risco, a situação é ainda pior.
Partindo do original de Bolsonaro e Paulo Guedes ( ministro da Economia) , o texto do deputado Christino Aureo (PP-RJ) aumentou de 144 horas mensais para 180 horas o limite permitido para os mineiros. São 36 horas a mais por mês.
Além disso, Aureo também fez com que as mineradoras possam impor jornadas de até 12 horas por dia, desde que “a média” continue em 36 horas semanais.
Nem o descanso de 15 minutos após três horas consecutivas de trabalho foi respeitado: antes obrigatório, agora ele “pode ser negociado” em acordos coletivos que prevalecem sobre a lei. A matéria vai ao Senado.
Eu perguntei ao deputado Christino Aureo qual a justificativa técnica para essas mudanças, se houve diálogo com os trabalhadores da mineração e se por acaso as doações que recebeu para as campanhas de deputado estadual no Rio de Janeiro, e agora para deputado federal tiveram alguma influência nisso. Nenhuma resposta até o momento. Caso responda, o texto será atualizado.
Patrimônio de Aureo subiu de R$ 89 mil para R$ 1,6 milhão desde 2006
Desde que foi eleito deputado estadual no Rio de Janeiro em 2006 – reeleito em 2010 e 2014 e eleito deputado federal em 2018 – Christino Aureo viu o seu patrimônio explodir: de R$ 89 mil na primeira declaração em 2006 para R$ 1,6 milhão na última em 2018. Aumento superior a 1.800% em 12 anos, de acordo com os dados declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Natural de Macaé (RJ), Christino Aureo tem “experiência na gestão e no Conselho de companhias de capital aberto listadas em bolsas de valores” e formação em “áreas diversificadas ligadas a setores do agronegócio e também da indústria de transformação e infraestrutura”.
Passou por diversos órgãos públicos ligados à economia e destaca que, durante os anos como deputado estadual, “participou da formulação de leis que propiciaram a instalação e/ou expansão de inúmeras empresas em mais de 50 municípios”.
Na Câmara Federal, participa como suplente de comissões importantes, como a de Finanças e Tributação, Constituição e Justiça, Agricultura e Pecuária, entre outras.
Nas doações recebidas em suas campanhas para a Alerj consta milhões em valores somados da JBS, banco BTG Pactual, construtoras como Carioca Engenharia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e outras em 2014.
O Comitê do seu partido na época, o PSD-RJ, também recebeu centenas de milhares de reais de empresas do setor extrativo, como a Companhia Metalúrgica Prada, parte da CSN Mineração e a HRT Petróleo.
Mineradoras, governo e Câmara estão juntos, afirma sindicalista
Rafael Ávila, presidente do sindicato Metabase Inconfidentes, que representa os 6 mil trabalhadores da CSN em Congonhas (MG), não tem dúvida: essas mudanças tem a participação direta de mineradoras.
“Na nossa opinião isso tem o dedo da Vale, já que existe a tentativa de aumentar a jornada de 6 para 12 horas há anos. Em plena pandemia fizeram uma ofensiva em nível nacional nas praças que ainda tinham 6 horas para implementar o turno de 12 horas. Essa reforma está passando goela abaixo da categoria, não tem como negociar”, diz Ávila.
As mineradoras tem registrado recorde de lucro na pandemia: a Vale embolsou R$ 70 bilhões em 6 meses de 2021, segundo maior resultado da história de uma empresa de capital aberto no Brasil (perdendo para a Petrobras).
CSN, Gerdau, Anglo American, Usiminas, no Brasil e no mundo, mineradoras tem lucrado exponencialmente com o boom de commodities e as estratégias usadas contra os trabalhadores na pandemia. No geral, as mineradoras faturaram em 2020 36% a mais que no ano anterior, chegando a R$ 209 bilhões.
Dezenas de matérias publicadas no Observatório da Mineração mostrando como a pior crise sanitária dos últimos 100 anos foi usada para expandir o lucro às custas das pessoas, serviram de base para uma denúncia que foi aceita pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Se há alguma divergência entre Bolsonaro e a Câmara, ela não existe no caso das reformas trabalhistas que penalizam os trabalhadores, afirma Ávila. “Bolsonaro e a Câmara estão unificados com os patrões – Vale, CSN, Gerdau – para implementar todas essas reformas. É um absurdo completo, bate fundo em todos os trabalhadores da mineração e ataca a classe trabalhadora mais jovem”, diz.
O sindicalista afirma que “a ficha ainda não caiu” para boa parte da categoria. Dia 18 de agosto foi marcado pelas principais centrais sindicais – como a CUT e a CSP-Conlutas – como um dia nacional de luta. Para Ávila, a unificação é o único jeito de tentar parar os ataques. “É clara a necessidade de uma greve geral. A jornada de trabalho é a ponta. Estamos falando de mais doenças, mais precarização, mais acidentes de trabalho. Só quem ganha com isso são as empresas”, crava.
O setor extrativo emprega 3 milhões de pessoas, dos quais 1,5 milhão são terceirizados e apenas 500 mil têm carteira assinada, segundo dados da Frente Sindical Mineral.
37.478 acidentes trabalhistas foram gerados pelas mineradoras entre 2012 e 2018, de acordo com a mesma Frente. Já o Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (AEAT) de 2016, da Secretaria de Previdência, revelou que a indústria extrativa brasileira mata 3 vezes mais que os outros setores.