Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA
Relatório final da Comissão da Verdade em Minas Gerais aponta assinatura de rescisão sob mira de metralhadoras e outras ameaças
O Ministério Público Federal (MPF) instaurou dois inquéritos civis para apurar possíveis responsabilidades das siderúrgicas Belgo Mineira e Mannesmann, em Minas Gerais, em relação a violações de direitos humanos ocorridas durante a ditadura. A investigação vai apurar se essas empresas colaboraram com a repressão, como aconteceu em vários casos naquele período.
Essa abertura de inquérito é consequência do relatório final da Comissão da Verdade em Minas, que aponta participação das empresas. De acordo com o documento, Belgo Mineira e Mannesmann “apoiaram política e financeiramente a ruptura institucional causada pelo golpe de Estado de 1964”. Depois de implementação da ditadura, as companhias “colaboraram ativamente com a repressão política exercida contra os seus próprios trabalhadores, especialmente no contexto do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de João Monlevade”, município no sudeste mineiro.
Ainda segundo o relatório da Comissão da Verdade, havia um aparato interno de repressão da Belgo Mineira que mantinha ligações com órgãos do regime. Logo depois do golpe de 1964, pelo menos 74 operários foram demitidos sob a acusação de serem “agitadores”, embora fossem contratados pela CLT e tivesse estabilidade no emprego. Além disso, “os trabalhadores eram forçados a assinar rescisões contratuais sob a mira de metralhadoras e sofrendo humilhações”.
Isso também aconteceu na Mannesmann. A Comissão da Verdade de Minas afirma que funcionários “foram aprisionados” na própria empresa, citando um “tenente Schmitz” e o “policial Gustavo”, da Patrulha Volante. Isso consta em boletim de ocorrência. E aconteceu por que eles esses trabalhadores eram apontados como ““líderes agitadores no movimento”.
O MPF, citando o relatório, fala em “aliança” dos empresariado com a ditadura para reprimir a organização dos trabalhadores. Por isso, “os movimentos sindicais constituíram o alvo primordial do golpe de Estado de 1964, das ações antecedentes dos golpistas e da ditadura militar”.
Isso seria feito por meio de agentes infiltrados entre os operários, “com estreita colaboração entre a nova burocracia sindical e os órgãos de repressão”. Também foram formados Assessorias de Segurança e Informação (ASI) em empresas estatais e nos setores de RH das empresas privadas. Com isso, as empresas ofereciam listas de trabalhadores para o Dops o DOI-Codi.
Além dessas duas empresas, a Fiat está sendo investigada há aproximadamente três anos, a partir de informações da Comissão Nacional da Verdade (CNV). “De acordo com relatório da CNV, a Fiat colaborou com o sistema de repressão do governo militar em troca de informações sobre o movimento sindical, nos mesmos moldes do comportamento adotado pelas siderúrgicas”.
Assim, a apuração já levantou algumas informações sobre a atuação da montadora e suas relações com o regime de exceção. Segundo o Ministério Público, “já se tem conhecimento sobre as facilidades econômicas e fiscais conferidas pelo Estado brasileiro à implementação da Fiat no país, a participação de militares no corpo de empregados da segurança da empresa e a constituição de um sistema complexo de vigilância e informação dentro da Fiat para coibir as práticas políticas de seus empregados”.
A própria Comissão Nacional da Verdade manteve um grupo de trabalho específico sobre a participação de empresas no apoio à ditadura. Posteriormente, apurações do MPF, com apoio de entidades e de ex-trabalhadores, levou a um acordo na Volkswagen, incluindo reparação e reconhecimento de responsabilidades.