MST, a silenciosa linha de frente de segurança da Caravana de Lula
Em Pontão, Lula agradeceu aos militantes do MST pela atuação como seguranças da caravana
Publicado: 27 Março, 2018 - 09h47 | Última modificação: 27 Março, 2018 - 09h57
Escrito por: Luís Eduardo Gomes, Sul 21
As imagens de violência correram o Brasil. Um homem agredindo outro com um relho. Homens, mulheres e até crianças atirando pedras, ovos e o que mais tinham acesso em mãos nos ônibus da Caravana de Lula em sua passagem pelo Rio Grande do Sul. Imagens que se repetiram de Bagé, primeira parada, até Passo Fundo, quando uma manifestação de ruralistas conseguiu o que opositores do ex-presidente vinham tentando desde o início, impedir a chegada dele a uma cidade. O que talvez não tenha sido contado é que essa cena poderia ter sido repetida em paradas anteriores ou sido substituída por outras de violência ainda maior, não fosse a atuação de algumas dezenas de militantes do MST, incluindo nove mulheres, que acompanharam a caravana desde antes da chegada de Lula ao Estado e continuaram ainda na primeira parada em Santa Catarina, na cidade de Chapecó, no sábado (24).
Vicente Willes saiu de casa ao meio-dia do domingo (18) anterior ao início da caravana, deixando temporariamente de lado sua pequena propriedade em um assentamento do MST em Santana do Livramento. Contudo, como mora sozinho, antes se certificou de que algum vizinho pudesse assumir as tarefas que não conseguiria realizar. “Eu moro sozinho, então tive que criar com um grupo de amigos e a organização do movimento as condições para que alguém fique cuidando dos animais, da casa, das lavouras e fazendo as atividades por mim”, disse, na última sexta-feira (23), durante a parada da caravana em Pontão.
Por que deixar tudo para trás? “Eu decidi fazer isso pelo momento político que nós estamos vivendo. Eu acho que é importante fazer esse diálogo com a sociedade, de que projeto nesse momento é necessário para o País. O ex-presidente Lula tem um projeto popular, democrático, que dialoga com o pensamento do MST”.
Jacir Chies é professor e mora com a esposa em uma escola dentro do assentamento do movimento em Pontão, de onde saiu no domingo pela manhã em direção a Candiota, para um encontro no centro de formação do movimento antes de rumar para Bagé, na manhã de segunda-feira (19). “Sempre é um pouco tenso pelo fato de estar numa linha de frente. A família se preocupa, mas sabe que é por uma boa causa, é por um motivo. Nós queremos conversar e debater com a sociedade. Para quem não tem o que debater, tem que avacalhar e é isso que eles estão tentando fazer. Nós queremos conversar, dialogar, por isso a família entende perfeitamente a necessidade que o Brasil tem de conversar com a sociedade sobre propostas de governo”, afirmou.
O professor destaca que o MST, quando assumiu a tarefa de fazer a escolta do ex-presidente, assumiu também a missão de que a passagem da caravana pelo RS fosse pacífica. “Infelizmente, tem alguns que discordam disso e têm o direito de discordar. No entanto, eles usam de artifícios de milícias armadas, de pessoas que transcorreram o Estado todo, praticamente, tentando impor medo a essa caravana”.
Ele afirma que, apesar das provocações a cada parada, as agressões nunca partiram do MST, mesmo de forma preventiva. “A caravana não está disposta a ir para o confronto, a não ser que seja necessário. Estamos de forma pacífica tentando mediar as situações, embora alguns acéfalos andem pelas estradas tentando impor medo e impedir que a caravana aconteça”.
Durante todo o trajeto, dois ônibus levaram os militantes do MST. O primeiro momento de tensão foi logo em Bagé, quando um protesto financiado por sindicatos de ruralistas e por apoiadores de Jair Bolsonaro tentaram bloquear, com tratores, a chegada da caravana à Unipampa, universidade federal criada durante o governo Lula e agenda para ser o pontapé inicial de sua passagem pelo RS. Os ônibus conseguiram chegar à universidade graças a um acesso secundário, mas os manifestantes, que incluíam homens armados, tentaram se aproximar e uma pedra chegou a atingir o ônibus do ex-presidente.
Dali para a diante, o nível de violência só aumentou. Pedradas e ovadas nos ônibus passaram a ser comuns, mas os anti-Lula foram além. Na visita à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde não estava prevista uma fala de Lula, apenas um encontro na reitoria, um grupo alugou um caminhão de som para protestar contra e, depois que foi rechaçado e teve as bandeiras arrancadas por apoiadores do ex-presidente, deixou o local. No entanto, logo em seguida, dezenas de pessoas vestidas de verde-amarelo, com trajes gaudérios ou com camisas com a foto de Bolsonaro, se aproximaram do local onde estudantes se reuniam, na expectativa de ver o ex-presidente ou quem sabe até ouvir ele falar. O que se viu na sequência foi uma troca de xingamentos, que logo viraria empurrões e agressões. Foi neste contexto, que durou cerca de uma hora, que um dos manifestantes anti-Lula usou um relho para agredir outro homem. Contudo, os momentos de violência sempre foram alternados por relativa calmaria, garantida pela ação dos militantes do MST – sempre usando um boné do movimento -, uma vez que a Brigada Militar só chegaria ao local quase no final da visita.
Vicente destaca que ninguém do MST ficou ferido com gravidade em confrontos durante a passagem da caravana pelo RS, mas que, em diversos momentos, houve troca de socos, empurrões e agressões. “A companheirada levou bastante, inclusive tem um companheiro nosso que caiu e foi surrado, houve umas chicoteadas nele”.
Em São Vicente do Sul, também coube a estes homens acompanhar a pé, a poucos metros de distância dos manifestantes contrários e sob ameaças constantes, a chegada da caravana ao campus local do Instituto Federal Farroupilha. Nas demais paradas, era sempre o cordão humano do MST que isolava os manifestantes contrários dos favoráveis. Além disso, eram esses homens que também faziam a escolta do presidente na chegada e saída dos atos públicos, para garantir que ele não fosse “engolido” pelo público.
Talvez por já conhecer bem o outro lado, Jacir, apesar dos pesares e mesmo com a impossibilidade de a caravana chegar a Passo Fundo, considerou que a passagem do ex-presidente pelo Estado ocorreu dentro da normalidade. Já Vicente, que também tem muita experiência de atividades ao lado do movimento, foi pego de surpresa pela agressividade das manifestações contrárias.
“Te confesso que tem sido uma das atividades mais fortes que eu já passei. Já fiz marchas com o movimento, na época dos acampamentos fizemos ocupação de terra, mas eu confesso que essa aqui está sendo de uma pressão psicológica muito forte”, diz. “Há um movimento contrário aí, uma raiva, uma radicalidade, uma agressividade, que ninguém esperava. Bagé foi tenso. A fazendeirada ainda acha que o povo deve ser governado pelo relho. Em Livramento, tinha um grupo que é mais um movimento político de alguns adversários que também tentaram impedir o ato. Em Santa Maria, foi uma disputa da universidade para conseguir acontecer o ato. Na ida a São Borja, em São Vicente do Sul, acho que foi o movimento que nós ficamos mais frente a frente, porque tivemos que fazer a escolta do ônibus do presidente a pé, a dois metros deles com pedra, cassetete, foguetes, ali foi um momento muito tenso”.
Homenagem de Lula
Além da atuação na segurança – que já havia sido feita durante as outras etapas da caravana pelo Brasil -, os laços de Lula e do PT com o MST foram visíveis durante todo o trajeto. Como a caravana visitou cidades eminentemente agrícolas, o público dos atos era, em grande parte, formado por pequenos agricultores, muitos deles assentados e identificados com bonés do movimento. Contudo, em nenhum momento essa sinergia foi mais evidente do que na parada da caravana em Pontão, em que foi realizado um ato no estacionamento da Cooperlat, cooperativa de produtores de leite do Assentamento Novo Sarandi, antiga Fazenda Annoni. Local que também carrega um grande simbolismo para o MST, pois foi a primeira ocupação do movimento.
Em 29 de outubro de 1985, milhares de agricultores em busca de um lugar para plantar ocuparam o latifúndio de 9 mil hectares. Daquela disputa, nasceu um assentamento que hoje abriga 412 famílias, duas cooperativas de produção que geram renda dividida igualitariamente entre todos. Nas palavras do líder local do movimento, Darci Maschio, uma experiência real de socialismo. “Aqui o fruto do nosso trabalho é dividido igual por igual”, diz. Uma experiência que anda lado a lado com o desenvolvimento das condições de vida das famílias, que já não dormem sob as lonas pretas dos antigos acampamentos. Graças a esse crescimento, Pontão se emancipou em 1992, tendo 25% de sua população morando nas terras assentadas.
Foi nesse cenário que Lula, pela primeira vez, tirou um tempo de suas falas para homenagear diretamente os membros do movimento que o escoltaram pelo RS, a quem chamou de “linha de frente” de sua caravana. “O carinho que eu tenho por vocês é histórico. Eu não sei se a gente [PT] nasceria sem vocês, e não sei se vocês nasceriam sem nós. Então, nós nos completamos, no campo, na cidade e na fala”, disse.
A ex-presidenta Dilma Rousseff também aproveitou a oportunidade para saudar a atuação desses militantes. “Temos muita gratidão pela coragem de cada um de vocês que fizeram a nossa segurança. Nós não teríamos chegado aqui se não fosse cada um de vocês”, disse, lembrando nesse momento das quatro mulheres que tinham sindo agredidas na véspera, em Cruz Alta, quando se dirigiam ao ato local com bandeiras do PT. “Não só arrancaram da mão delas as bandeiras, pisotearam e, mais grave atacaram as mulheres com chutes e pontapés, violentando no sentido mais amplo o espírito democrático”.
Antes mesmo de a caravana ser barrada de entrar em Passo Fundo, Lula já dizia que nunca tinha presenciado o nível de violência política que estava vendo no Brasil atual. “Eu tenho 72 anos, faço política desde os 35, nunca ouvi dizer de bloquear a cidade para a gente não entrar, e bloquearam tocando pedra”, disse. “Eu acho bom porque vai ficando mais definido no Brasil quem é quem”.
Momento que, para Darci Maschio, configurava a representação na prática de antigos conceitos marxistas. “Nós estamos assistindo à luta de classes, não só à luta das ideias. E a luta de classes, quando vai para o campo, vai para o campo do enfrentamento”, disse o líder local do MST.
Também em Pontão, a diretora estadual do movimento, Salete Carollo, destacou que os membros do movimento que assumiram o papel da segurança sabiam que isso significa estar colocando a própria vida em risco em alguns momentos, estarem sujeitos a agressões e lesões, mas que era um papel que se cumpria porque fazia sentido à luta do MST. “Nós estamos dispostos a dar a nossa vida ao nosso projeto e a defender vidas que fazem sentido ao nosso projeto”, disse, prometendo ainda seguir na escolta do presidente sempre que necessário. “Lula, nós estamos dispostos a assumir essa briga contigo no Brasil todo”, disse.
Inicialmente, a tarefa dos militantes do MST era acompanhar a caravana até Passo Fundo. Mas, em Pontão, Salete destacou que um dos ônibus do movimento iria seguir até Chapecó para transferir a tarefa ao movimento catarinense, que assumiu o acompanhamento da comitiva na passagem pelo estado vizinho.
Segundo Salete, foi graças ao treinamento e à disciplina da militância sem-terra que a caravana evitou ser barrada em mais lugares e outros momentos de agressões. Ela destacou, por exemplo, que durante todo o trajeto nenhum deles “sequer pegou o seu celular para fazer uma foto da caravana”; que, em São Borja, o conhecimento estratégico do MST sobre a região permitiu que a caravana “driblasse os coxinhas” e se direcionasse para um caminho que, quando os manifestantes contrários se deram conta, ela já estava no centro da cidade.
Ao final de sua fala, Salete pediu ao ex-presidente que posasse ao lado dos militantes do MST, para que eles pudessem ter ao menos essa recordação da passagem da caravana pelo Estado.