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MST e CPT repudiam projeto Bolsonaro de usar GLO em ações de reintegração de posse

Para entidades, Bolsonaro quer usar as Forças Armadas para garantir os interesses do capital e da propriedade privada, o que contribui para acirrar conflitos e colocar a vida do povo que vive no campo em risco

Publicado: 28 Novembro, 2019 - 14h43

Escrito por: Redação CUT

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgaram notas de repúdio à proposta de Jair Bolsonaro de liberar o uso das Forças Armadas nos casos de reintegração de posse.

Bolsonaro disse esta semana que está avaliando enviar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei de criação da Garantia da Lei da Ordem (GLO) das Forças Armadas, ou uma GLO/Rural, para fazer o que, segundo ele, os governadores não estão fazendo quando a Justiça determina desocupação de uma área.  Atualmente, as missões de GLO só ocorrem por tempo limitado em situações em que a polícia não consegue controlar. 

Para o MST e a CPT, a GLO/Rural tenta criminalizar movimentos populares, proteger os ruralistas e ameaçar a vida dos brasileiros que vivem no campo. Aliado a proposta da GLO/Rural que, de acordo com Bolsonaro, tem apoio dos mais de 200 parlamentares da bancada ruralista, o governo apresentou na semana passada projeto de lei propondo a ampliação do excludente de ilicitude para militares que atuarem em operações de Garantia da Lei e da Ordem.

"A defesa dos direitos humanos é parte do processo histórico das lutas dos povos e sua conquista, bem como sua garantia, depende da capacidade de organização e de luta dos trabalhadores e trabalhadoras e dos demais setores expropriados dos bens essenciais à sobrevivência humana. Diante desse cenário, o MST reafirma sua disposição na luta pelo livre direito de manifestação previsto em Constituição e pelo cumprimento da função social da terra – também previsto em Constituição", diz trecho da nota do MST.

Já a nota da CPT enfatiza que Bolsonaro propõe utilizar a força do Estado para garantir os interesses do capital e a propriedade privada, além de acirrar os conflitos agrários. Para a CPT, o governo Bolsonaro segue uma escalada autoritária que, no fundo, representa "uma licença para matar".

Confira as íntegras das notas do MST e da CPT:

Nota do MST sobre proposta de Bolsonaro de uma GLO/Rural

A recente declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a criação de uma Garantia de Lei e da Ordem (GLO) Rural é uma explícita ameaça aos movimentos sociais, especialmente ao MST, que foi citado nominalmente nesta segunda-feira (25), no Palácio da Alvorada.

Através da GLO Rural, segundo a proposta do presidente, as Forças Armadas poderiam ser utilizadas em ações de reintegração de posse. Pelo visto, tal medida complementa o PL (Projeto de Lei) do excludente de ilicitude em GLO, enviado na semana passada pela presidência da República ao Congresso. O excludente de ilicitude foi proposto inicialmente no pacote anticrime do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, mas enfrentou forte rejeição por parte do Congresso.

O excludente de ilicitude nada mais é do que uma licença legal para matar e reprimir a luta social, ou seja, agentes de segurança pública e das forças armadas serão eximidos de responsabilidades sobre agressões e mortes se forem praticadas sob situações de “pressão emocional” ou que justifiquem segundo eles, o emprego da força ostensiva. Isso deve ampliar o extermínio que já acontece contra pobres, negros, periféricos, Sem Terra, indígenas, lutadores e lutadoras e defensores do meio ambiente.

Reiteramos que é importante entender essas medidas do governo sob o espectro das lutas na América Latina. O governo Bolsonaro tenta inibir que qualquer processo de mobilização e manifestação chegue ao país e faça frente às duras reformas promovidas pelo seu governo. Não à toa, temos ouvido cada vez mais membros do governo falar em AI-5, e essas declarações fazem parte do clima político vivido na América Latina e o quanto isso pode ascender aqui no Brasil.

Essa defesa cega da propriedade privada feita pelo governo Bolsonaro nos coloca numa situação anterior à lei de terras de 1850. Além disso, medidas e declarações como essas colocam combustível nos conflitos já em curso no campo, principalmente nas áreas indígenas. Essa GLO certamente não será empregada contra grileiros, invasores de terras públicas da União e terras devolutas.

Por isso, aqui fica a pergunta: Jair Bolsonaro, você pretende aplicar a GLO contra os invasores de terras indígenas Yanomamis em Roraima, por exemplo? Contra os invasores da reserva legal do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança, onde foi assassinada irmã Dorothy, no Pará? Contra grileiros de terra como a Cutrale? Provavelmente não! No entanto, essa medida imparcial e cruel não chega a ser uma surpresa, pois está em consonância com esse desgoverno que rasga sistematicamente a Constituição brasileira e governa para as elites.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra existe em função da denúncia da concentração da terra, que é parte central no eixo das violações dos direitos humanos no Brasil. Isso se deve ao fato de o país possuir uma enorme quantidade de latifúndios improdutivos — herança do modelo colonial, e de terras públicas griladas por particulares, o que demanda que os trabalhadores rurais se organizem através de movimentos e associações pressionem o Estado Brasileiro a realizar a prometida reforma agrária, garantindo assim o cumprimento da função social da terra, previsto na Constituição Federal de 1988.

A defesa dos direitos humanos é parte do processo histórico das lutas dos povos e sua conquista, e bem como sua garantia, depende da capacidade de organização e de luta dos trabalhadores e trabalhadoras e dos demais setores expropriados dos bens essenciais a sobrevivência humana. Diante desse cenário, o MST reafirma sua disposição na luta pelo livre direito de manifestação previsto em Constituição e pelo cumprimento da função social da terra também previsto em Constituição.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 26 de novembro de 2019

Nota da CPT sobre GLO/Rural

Governo cede aos ruralistas e ameaça vida no campo

"A Diretoria e Coordenação Executiva Nacional da CPT juntam-se hoje ao coro de indignação que se levanta em todos os cantos do país, diante da anunciada intenção do presidente Jair Bolsonaro de criar uma Garantia da Lei e da Ordem – (GLO) do campo, para autorizar a intervenção federal quando governadores estaduais protelarem a execução de mandados judiciais de reintegração de posse. Assim atenderia ao acordo feito com os grileiros, fazendeiros, madeireiros e milicianos rurais, incomodados pela demora na execução dos mandados.

O presidente taxa os que lutam para defender ou conquistar um pedaço de terra para trabalhar, como “marginais que invadem uma propriedade rural”. Os indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras rurais, bem como os sem-terra vivem dias nefastos e sob constante insegurança.

Isto é o que quer o presidente, submisso aos interesses ruralistas: atropelar prerrogativas estaduais e garantir impunidade a policiais e militares que alvejarem pessoas em reintegração de posse de propriedades rurais ocupadas ou já com posse efetiva. É uma licença para matar!

Seria estender ao campo o projeto de lei enviado ao Congresso no dia 21/11 que tem o objetivo de isentar de punição agentes de segurança que cometerem crimes e excessos durante outras operações de GLO (“excludente de ilicitude”).

O apelo a este incremento da violência do Estado corresponde às pressões do capital agrário e minerário pela expansão sem freios dos seus empreendimentos danosos contra a terra, a água, a floresta e as pessoas. Até um novo AI-5 tem sido reiteradamente aventado como meio de entregar o prometido pelo capitão-presidente aos que bancaram sua viciada eleição.

Repudiamos o desmonte contínuo das instituições que garantem os direitos das e dos cidadãos, neste caso proposto com a intervenção federal na esfera estadual. O dever principal do Estado em cada esfera é de garantir a integridade física das pessoas. O atual Presidente da República propõe utilizar a força do Estado para garantir os interesses do capital e a propriedade privada.

No último sábado, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria em que informa que há engavetados 66 projetos de assentamentos que cumpriram todas as etapas legais exigidas e estão prontos para serem executados, só falta a assinatura do presidente. No entanto, nenhum deles foi assinado até o momento e, consequentemente, nenhuma família foi assentada.

Ao mesmo tempo há um projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro, que visa descaracterizar a função social da propriedade da terra, para favorecer os grandes proprietários. Neste contexto também cresce a violência do Estado contra os povos do campo.

Na segunda-feira (25) deu-se o despejo de 700 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST na Bahia, que, desde 2012, cultivavam a terra nos acampamentos Abril Vermelho, no Projeto Salitre, em Juazeiro (BA), e Irmã Dorothy e Iranir de Souza, no Projeto Nilo Coelho, em Casa Nova (BA), áreas públicas da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF.

Os despejos foram violentos, apesar de a Polícia Federal ter dito em nota que a desocupação ocorreu de maneira pacífica em todas as áreas. A PM ignorou a Resolução No. 10 de 2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que trata exclusivamente dos despejos, e violou os direitos humanos das pessoas nos acampamentos.

A ação teve início ainda na madrugada, quando foram jogadas sobre os acampados bombas de gás e utilizado spray de pimenta. As casas foram destruídas, trabalhadores ficaram feridos e as famílias estão sem ter para onde ir. Muitas crianças e idosos acordaram com falta de ar por conta da fumaça e chegaram a desmaiar.

Isso mostra o total desrespeito das forças policiais às recomendações que, após o Massacre de Eldorado dos Carajás – PA, em 1997, foram determinadas a esses tipos de operações. Recomendações essas que a GLO do campo, de Bolsonaro, quer suprimir.

A CPT se pergunta: até quando os pobres desta terra serão vistos e tratados como potenciais infratores das leis que precisam ser combatidos e contidos à força, quando na verdade são cidadãos portadores de direitos, inclusive à propriedade, produzem os alimentos saudáveis que comemos e cuidam das águas, das matas e da qualidade do meio-ambiente da qual todos dependemos para viver?

Assim como Deus se fez presente no meio do seu povo, indo com ele para o exílio e, por fim, perseguido e crucificado em Jesus Cristo, acreditamos que a sua presença continua viva e atuante junto às sofredoras e sofredores deste mundo".

Comissão Pastoral da Terra (CPT)