Escrito por: Érica Aragão
Com toques de alegria e solidariedade, 700 marmitas são entregues desde o início da pandemia todas as quartas-feiras pelo MST. Em outros dias a ação é feita por outros movimentos populares
Toda quarta-feira a doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paraná, Adriane de Andrade, acorda animada, separa seus equipamentos de proteção, como máscaras, luvas, álcool em gel e avental, coloca uma boa música e segue até o alojamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no centro de Curitiba, para mais um dia de voluntariado.
Ela e mais 19 pessoas e o MST estão produzindo 700 marmitas todas as semanas e distribuindo para a população em situação de rua na capital paranaense.
Cerca de 90% dos alimentos que compõem as “quentinhas” são produzidos pelo movimento. Nos outros dias da semana, a produção e distribuição das marmitas ficam por conta do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) e pelo Projeto Mãos Invisíveis.
“As minhas quartas-feiras nunca mais foram as mesmas desde que começou a pandemia, e garanto que para todos e todas que estão ajudando também. É muito gratificante ver as 700 marmitas prontas e preparadas com todos os cuidados, amor, carinho e alegria, que acabam sendo também os ingredientes da alimentação. A gente não vê a hora de chegar a próxima quarta”, afirma Adriane.
Além de tudo, a quentinha é saudável. É feita com alimentos da agroecologia, como arroz, feijão e vários legumes, como mandioca, batata doce, couve flor, repolho e cenoura, tudo produção do MST no Paraná. A carne o movimento compra e as vezes recebe doação também.
A coordenadora do MST/PR, Adriana Pereira de Oliveira, conta que a ideia dos componentes da marmita é seguir uma prática da roça, no qual o camponês quando sai para trabalhar faz uma alimentação saudável, mas reforçada.
Segundo ela, muitas vezes é a única refeição que o povo em situação de rua tem, porque quando os restaurantes estão abertos normalmente eles e elas até conseguem doações para se alimentar, mas com o isolamento social, para controlar a proliferação do novo coronavírus, os estabelecimentos estão fechados e muitas vezes estas pessoas ficam sem refeição.
“Como muitas vezes a marmita é a única refeição que a população em situação de rua faz, a gente coloca mandioca e batata doce para turbinar a refeição, porque além de ser saudável dá muita energia e a pessoa pode ficar até o outro dia sem comer”, explica.
Adriana conta também que junto com as marmitas, estão sendo distribuídos carinho e cuidados.
“Além de nos cuidarmos, utilizando todos os equipamentos de proteção, Junto com a alimentação a gente entrega água, álcool gel, máscaras e explica para cada pessoa em situação de rua os cuidados que devem tomar para não ser contaminado pelo vírus”.
Segundo os movimentos sociais, são mais de 3 mil pessoas em situação de rua em Curitiba, mas estão espalhados entre bairros e centros. Para o MST, devido a ação social, o número pode chegar a 5 mil.
Alegria e felicidade resumem os sentimentos de quem contribui
A alegria que cada voluntário traz de casa pode ser vista também durante a produção das marmitas no assentamento do MST. Tanto Adriana quanto Adriane expressam isso quando contam a experiência desta ação solidária.
São mais de 8 horas diárias para completar a missão, entre produzir e entregar cada uma das 700 marmitas. E o que não falta, dizem elas, é alegria e felicidade durante o trabalho.
“É cansativo e desafiador, mas a gente percebe que é um processo que resgata a humanidade sabe? E isso, principalmente neste momento que estamos vivendo, nos traz muita felicidade e alegria”, conta Adriana.
E quando volta da distribuição todo os voluntários e o povo do movimento fazem questão de almoçar juntos e conversarem sobre o dia e sobre o momento que estão vivendo.
“A solidariedade deixa a gente renovado”, conclui.
Os alimentos que “sobram” eles dividem entre eles e cada um pode levar para sua casa.
Produção e entrega das marmitas
São 100 quilos de alimentos por quarta-feira, doados pelos acampamentos de Ponta Grossa (Emiliano Zapata) e Castro (Maria Rosa do Contestado e Padre Roque Zimmermann), e por um assentamento na Lapa (Contestado). O arroz vem da Coana, cooperativa do MST em Querência do Norte. O feijão vem de do assentamento Eli Vive, de Londrina.
As praças da cidade que são feitas as doações das marmitas foram mapeadas pelo Movimento Nacional da População de Rua e pelo Projeto Mãos Invisíveis e são entregues por 20 voluntários e voluntárias e pelo MST.
“As pessoas já ficam esperando as quartas chegarem para se alimentar com os produtos produzidos pelo MST e isso é muito gratificante, porque além de matar a fome a gente pode oferecer comida saudável”, conta Adriana.
Sobre o início da ação solidária
A ação solidária do MST e os voluntários acontece desde o dia 2 de maio e a data foi escolhida como forma de homenagear o agricultor Antônio Tavares, assassinado pela Polícia Militar do Paraná no dia 2 de maio de 2000 no que ficou conhecido como massacre da BR 277. Antônio Tavares Pereira tinha 38 anos e era pai de 5 filhos. A violência policial ainda deixou cerca de 300 feridos naquele episódio.