Escrito por: Redação CUT | texto: André Accarini
Estudo aponta que a maior parte da população que vive em áreas com risco de inundações, deslizamentos e outros fenômenos é pobre, negra. Mulheres que chefiam família são fatia significativa dessa população
As mulheres negras e pobres são as principais vítimas de tragédias ambientais como temporais que causam alagamentos e deslizamentos de terra, segundo dados de um estudo feito pelo instituto Polis, intitulado Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades.
As áreas de riscos ambientais em grandes cidades, onde os fenômenos têm sido frequentes e têm deixado milhares de desabrigados, além de mortes, são os locais onde a população mais pobre vive.
O estudo, feito com dados de três cidades (Belém, Recife e São Paulo), mostrou que, nas áreas de maior risco, a maioria da população é de negros e negras, de baixa renda, assim como é alto o índice de domicílios chefiados por mulheres negras.
Questões fundamentais são abordadas no levantamento. Uma delas é justamente que essas áreas de riscos são ocupadas por pessoas que não têm condições de morar em locais mais seguros porque não têm renda e faltam políticas públicas para amenizar o problema do déficit habitacional. São pessoas que não têm mais acesso a programas como era o Minha Casa Minha Vida, desmontado pelo atual governo.
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Segundo a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, o estudo comprova um fato que vem sendo denunciado há anos por grupos de mulheres e de defesa dos direitos dos negros e negras.
“Sempre que se fala em justiça ambiental ou em racismo ambiental, a mulher, em especial a mulher negra é a maior a principal vítima, como a gente sempre disse e o estudo comprovou. Primeiro porque ela já está na base da pirâmide social, ou seja, sem emprego ou com renda insuficiente o que a obriga a morar em locais sem estrutura. E à medida em que o meio ambiente vai sendo degradado pelo homem vêm as consequências, as tragédias. E são essas pessoas as mais impactadas”, diz Juneia, que complementa: “A condição de vida vai piorando cada vez mais”.
A dirigente afirma que o Estado raramente chega a esses locais. “Basta vermos o que aconteceu com a população dessas cidades, assim como em outras também, em Alagoas, em Petropólis. Não são as pessoas ricas que morrem. São as pobres”, ela diz.
Prova de que o Estado nunca chega, ou se chega é para piorar a situação é a aprovação de uma Medida Provisória do Governo de Jair Bolsonaro (PL), a 1109/2022 que retira direitos trabalhistas em situações de “estado de emergência”.
Com a MP, até mesmo municípios em estado de calamidade pública, por exemplo, por causa de fortes chuvas, podem mudar as regras trabalhistas. Ou seja, o trabalhador será penalizado pela tragédia ambiental e ainda pode perder direitos.
“É a população pobre, preta, e principalmente as mulheres negras que moram nesses locais e que terão além de todo o sofrimento, retirada de direitos por causa da medida”, diz Juneia.
A avaliação da dirigente está em consonância com umas das questões levantadas pelo o estudo do Instituto Polis – a de que os impactos ambientais nas cidades não são causados por eventualidades climáticas, mas “são socialmente produzidos”.
O estudo
O estudo traz recortes de raça, gênero e renda por área de risco, ou seja, distingue entre fenômenos como inundações e deslizamentos para analisar qual é a população predominante
Em Recife, por exemplo, ao todo são 677 áreas de risco de deslizamento, onde 68% da população é negra e a renda média é de R$ 1.100 reais por domicílio e 27% desses domicílios são chefiados por mulheres. Já nas áreas com risco de inundação, a população negra representa 59% do total, com renda média domiciliar de R$ 2.100, enquanto a renda média geral do município é de R$ 2.700. Nessas áreas também há grande incidência de lares chefiados por mulheres (22.1%)
Em São Paulo, são 1.314 as áreas com risco de deslizamentos. A renda domiciliar média é de R$ 1.600 contra R$ 3.500 da média municipal. Ainda nesses locais a população negra representa 55% do total dos moradores.
O estudo destaca ainda que as mulheres que ganham até 1 salário mínimo, responsáveis pelo domicílio, são 8,4% da capital paulista, mas 12,6% nas áreas com algum grau de risco geológico.
Em Belém, 20% das casas nas 125 áreas de risco de inundação ou de erosão é chefiada por mulheres de baixa renda. Nesses locais a predominância da população também é negra, ao contrário de bairros onde não há riscos, onde além de a renda domiciliar ser maior, a maioria da população é branca.