Escrito por: Rodrigo Gomes, da RBA

Mulheres reagem a projeto de Janaína Pascoal que incentiva cesariana

Proposta da deputada estadual do PSL, criticada pelo Conselho de Enfermagem e pela Defensoria Pública, contraria orientações da Organização Mundial de Saúde

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Um projeto de lei da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL) causa apreensão a movimentos sociais de mulheres e entidades por incentivar, segundo seus críticos, o parto cesariana (PL 435/2019). O texto define que as mulheres poderão optar pelo procedimento cirúrgico independentemente de indicação médica. A proposta em discussão na Assembleia Legislativa de São Paulo pode ser posta em votação em regime de urgência a qualquer momento. O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) e o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública estadual ((Nudem) são contra o projeto.

A lei estadual proposta por Janaína, a pretexto de combater o que já chamou de “ditadura do parto normal”, autoriza o a gestante usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) a optar pelo parto cirúrgico a partir da 39ª semana de gestação. O Brasil é o segundo país com maior taxa de cesáreas do mundo.

A principal crítica é a falta de discussão. O PL foi apresentado em março – mês em que a deputada tomou posse no parlamento paulista, e começou a ser discutido na semana passada. Não foi debatido em nenhuma comissão temática, nem foi aberto a audiência pública. Nenhuma organização técnica foi convidada a se manifestar sobre a proposta na Assembleia. Um acordo entre os deputados permitiu que o PL 435 fosse incluído no pacote de projetos de urgência, o que o levaria direto à votação em plenário. A votação sobre regime de urgência é esperada para esta quarta-feira (12).

Janaína diz que sua intenção é defender a vida e a autonomia das mulheres em relação ao que chama de “obsessão” por parto normal. “O parto cesáreo não é uma questão de comodidade, mas a salvaguarda da vida de uma criança pronta para nascer e que cuja mãe, muitas vezes, é mandada de volta para casa até que o parto normal tenha início – em função de uma verdadeira obsessão pelo parto normal – e acaba ocasionando asfixia fetal, levando crianças à morte em uma circunstância grave, triste e desnecessária”, afirmou.

O Coren, no entanto, discorda da proposta. “O PL apresentado está em desacordo com as 56 recomendações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgadas em 2018, que estabelecem padrões de atendimento para reduzir as intervenções desnecessárias no parto. Nas últimas décadas, houve aumento significativo das taxas de cesariana em todo o mundo, sem comprovação de benefícios significativos para a saúde das mulheres e de seus bebês”, diz a entidade.

A defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza citou estatísticas em que 70% das mulheres iniciam o pré-natal com desejo de ter um parto normal. Mas ao final, mais da metade dos partos ocorre por cesariana. “Será que elas realmente estão tendo opção? O que tem havido nesse tempo, que leva a escolha de um procedimento que contraria as indicações de saúde internacionais?”, questionou.

Em 2018, o Brasil teve aproximadamente 55% dos partos realizados por cesariana. Quando se observa apenas a rede privada, foram quase 85%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável uma taxa de até 15% dos partos serem cesarianas. A partir disso, há impacto significativo na ocorrência de mortes maternas. 52% das mortes maternas têm causas associadas ao parto por cesariana. Nós partos normais isso fica em torno de 23%.

“Projetos como esse defendem interesses de planos privados. Não existem dados ou argumentos técnicos que o justifiquem. Essa correria para aprovar parece uma necessidade da base do governo agradar ao PSL, por alguma votação posterior”, avaliou a deputada estadual Beth Sahão (PT). Um grupo de deputadas de vários partidos convocou uma audiência pública para dialogar sobre o tema com representantes de entidades técnicas da área da saúde.

A co-deputada Raquel Marques, da Bancada Ativista (Psol), considera o projeto um retrocesso a toda discussão sobre saúde das mulheres e o parto. “Um projeto que trata da saúde, da vida, dos corpos das mulheres não pode ser aprovado assim, em rito sumaríssimo, sem discussão, sem a participação da sociedade, sem ouvir especialistas. É uma solução simplista para um problema complexo. As mulheres procuram a cesariana porque ela têm, de um lado, um parto extremamente violento, hospitais sucateados, sem estrutura, e de outro elas vêm a cirurgia como uma forma de fugir dessa verdadeira tortura”, explicou.

Para Raquel, a solução apresentada por Janaína é uma falácia que visa apenas a disputa política do lugar de defensora das mulheres. “Discutir autonomia das mulheres não é só garantir o direito à cesariana. Tem que se garantir o direito a escolher o acompanhante, que já é lei e não é cumprido, o direito de pedir analgesia, de ter doula, de decidir se quer ou não episiotomia. Um projeto que realmente defenda a autonomia da mulher deve fazer isso até o fim, podemos avançar muito mais. Dar o direito à cesariana sem discutir o orçamento do Estado, sem compromisso com a melhoria das condições dos hospitais e das equipes médicas, é uma proposta totalmente falaciosa”, afirmou.