Escrito por: Carlos Lopes. Hora do Povo

Multinacionais sangram a economia

Remessas ao exterior mantêm a escalada e vão a US$ 2,6 bilhões

 

A totalização das contas externas de fevereiro, divulgada pelo Banco Central na terça-feira, mostra - ou, antes, confirma - que o grande problema do país, do ponto de vista da sangria de seus recursos para o exterior, é, no momento, o domínio de parcela ponderável da economia, isto é, da produção interna, do comércio interno e dos serviços internos, por empresas externas.

O gráfico ao lado, apresentado pelo economista João Sicsú, do IPEA, em palestra proferida na CUT, é altamente ilustrativo da cada vez mais violenta espoliação a que o país vem sendo submetido via remessa de lucros - e notemos que o gráfico somente se refere às remessas declaradas de lucros, sem descer ao submundo algo descarado das remessas de lucros que não ousam dizer seu nome.

Vejamos as contas de fevereiro:

1) Entraram US$ 1 bilhão e 968 milhões em "investimento direto estrangeiro" (IDE), ou seja, em dinheiro para comprar empresas.

2) Saíram US$ 1 bilhão e 881 milhões que estavam aplicados na Bolsa ou em títulos públicos - o chamado "investimento estrangeiro em carteira" (IEC).

3) Entraram US$ 1 bilhão e 477 milhões em "outros investimentos estrangeiros", item que inclui os empréstimos de bancos estrangeiros em moeda.

4) Portanto, o saldo do capital estrangeiro que entrou foi de US$ 1 bilhão e 563 milhões.

5) Entretanto, o total de saídas do país nos itens "serviços" e "rendas", que incluem as remessas de lucros declaradas e as disfarçadas, em fevereiro, foi de US$ 2 bilhões e 629 milhões.

6) Portanto, o país, entre entradas e saídas de recursos, perdeu em fevereiro US$ 1 bilhão e 66 milhões, transferidos para o exterior.

7) O saldo comercial (US$ 1 bilhão e 766 milhões) serviu fundamentalmente para cobrir esse rombo, ao invés de incorporar recursos ao enriquecimento do país.

8) Por último, as reservas monetárias diminuíram US$ 1,4 bilhão. Não há riscos iminentes, as reservas estão acima de US$ 180 bilhões, mas essa redução mostra uma tendência. O motivo é que as reservas atuais não são resultado do comércio exterior, que, como vimos, tem coberto o rombo nas conta externas. A rigor, essas reservas não são nossas, já que são compostas pelos dólares estrangeiros que entraram, e não por aqueles que resultaram de nossas exportações.

O que se pode concluir? Em suma, pode-se concluir que as remessas de lucros estão espoliando o país. Acabou o tempo em que algumas pessoas (estamos nos referindo às bem intencionadas) podiam se equivocar ou se iludir de que a propriedade das empresas - se nacional ou estrangeira - não tinha importância. A diferença é simples: se os lucros vão ser investidos aqui dentro, se vão ficar no Brasil, ou se eles vão, crescentemente, ser enviados ao exterior, para as matrizes das filiais de empresas externas aqui instaladas, em quantidade maior do que o capital que essas empresas trouxeram (pois, caso não fosse assim, por que elas colocariam seu dinheiro aqui dentro?).

Quando até a tradicional rede "Frango Assado" das estradas do interior paulista foi comprada pela International Meal Company, cada centavo de lucro com o pão de semolina ou o espetinho de frango - se é que a rede vai continuar servindo a mesma coisa - incluirá uma parte crescente que será enviada a Boston, onde está a sede do grupo que controla essa companhia americana. E sem que os novos proprietários tenham construído nada. Apenas se apropriaram do que já havia sido construído por brasileiros, para lucrar com o dinheiro dos brasileiros - e enviá-lo para fora.

Evidentemente, existem dezenas, centenas, milhares de empresas muito mais importantes do que o "Frango Assado" que deslizaram para as mãos do capital estrangeiro. O que somente piora a situação. Mas o exemplo, além de pitoresco, não deixa de ser ilustrativo. Por obra do governo Fernando Henrique, desde 1995 o capital estrangeiro está comprando tudo o que lhe passa pela frente em nosso país. Desde as subsidiárias da Telebrás até o "Frango Assado", passando pela Metal Leve, pela Lacta, pela Abyara - para citar algumas poucas empresas de ramos bastante díspares.

Usando números arredondados, em 1994 as remessas para o exterior foram de US$ 14,5 bilhões; no primeiro ano do governo Fernando Henrique, 1995, foram US$ 18, 5 bilhões;

1996: US$ 20,3 bilhões;

1997: US$ 25,5 bilhões;

1998: US$ 28,3 bilhões;

1999: US$ 25,8 bilhões;

2000: US$ 25,4 bilhões;

2001: US$ 27,5 bilhões;

2002: US$ 23,2 bilhões.

Ao tomar posse, o presidente Lula encontrou a economia do país brutalmente desnacionalizada; durante o seu primeiro mandato, o "investimento direto" diminuiu em relação ao governo anterior. Mas as empresas externas, a maior parte compradas no governo Fernando Henrique, seguiram aumentando as remessas:

2003: US$ 23,4 bilhões;

2004: US$ 26,9 bilhões;

2005: US$ 34,2 bilhões;

2006: US$ 37,1 bilhões.

O IDE voltou a aumentar no segundo mandato do presidente Lula. E também as remessas:

2007: US$ 42,5 bilhões;

2008: US$ 57,2 bilhões.

Em suma, nos 10 anos que vão de 1998 a 2008, saíram do país, sob a forma de remessas - de lucros declarados ou encobertos - US$ 352 bilhões. No mesmo período, em "investimento direto estrangeiro", entraram US$ 271,1 bilhões.

Esta comparação entre remessas e entradas de "investimento direto" poderia ser acusada de imprecisa, uma vez que as remessas mencionadas também incluem as remessas para fora do capital puramente especulativo (IEC). No entanto, a importância deste é relativa: segundo o BC, suas remessas, nesse período, foram de US$ 33,7 bilhões. Se as subtraíssemos, ainda teríamos uma entrada de US$ 271,1 bilhões, contra uma saída de US$ 318,3 bilhões. Certamente, o "investimento direto" não é a única forma de espoliação do país. Apenas, é a maior e a principal.