Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA

Na Câmara, Guedes escapa de perguntas, nega dados e diz que se sacrificou pelo país

Governista chama ministro de “Ronaldinho da economia”. Oposição aponta crise brasileira e questiona ética. Ele admitiu que “offshore” foi usada para escapar de tributação

TV Câmara/Reprodução

Depois de quase quatro horas na Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se esquivou de perguntas mais diretas, voltou a negar conflito de interesses com offshores (“Não, mil vezes não!”) e disse que apresentou todas as informações “às instâncias pertinentes”. Mas admitiu que abriu empresas para escapar da tributação. Quase no final da sessão, fez uma ironia, alegando que precisava garantir certa privacidade, porque se divulgasse todas as informações financeiras “pode ser assaltado pelo vizinho”. Questionado sobre a situação da economia, disse que o governo foi “exemplar” do ponto de vista fiscal e afirmou que o Brasil “está em pé de novo”.

Guedes participou de sessão conjunta das comissões do Trabalho, de Administração e Serviço Público e de Fiscalização Financeira e Controle. Chegou a ser chamado de “Ronaldinho da economia” por um empolgado Sanderson (PSL-RS), vice-líder do governo. E foi várias vezes cobrado, por parlamentares da oposição, pelo crescimento do desemprego, pela desvalorização do real, pela inflação e aumento da pobreza no país. Deputados reclamaram de falta de respostas ou evasivas do ministro, prontamente defendido pela tropa governista.

“Enorme prejuízo”

Offshore é um veículo de investimento. Absolutamente legal. (…)”, afirmou Guedes. “Criei dezenas de empresas. Eu desinvesti com enorme prejuízo. Tudo que estou fazendo há sete, oito, nove anos eu vendo e abro mão dos ganhos de capital. É um sacrifício pelo meu país. (…) Eu fui mais realista que o rei.”

Ele afirmou que propôs tributação dos mais ricos no Brasil, mas, contraditoriamente, queixou-se de regras norte-americanas, usando o termo “expropriação”. “Se você tiver uma ação no nome da pessoa física e falecer, 46% é expropriado pelo governo americano (…)”, afirmou, falando em imposto sobre a herança. “Isso que explica você colocar um parente, filho, filha, mulher, cônjuge, como sócio.”

Guedes também disse defender a democracia. Mas reclamou que o governo ficou “sob fogo cerrado desde o primeiro dia”.

"Um país melhor”

“A verdade é que as instituições funcionam e nós temos construído um país melhor”, afirmou Guedes, retomando a defesa das reformas e agradecendo a “colaboração” da Câmara nesse sentido. Segundo ele, investimento já “contratado” vai “derrubar o preço” (referindo-se à inflação) lá na frente”. Sobre o desemprego, falou apenas que a taxa já era alta e que isso agora fica mais evidente porque medidas na legislação fizeram surgir os “invisíveis” do mercado de trabalho.

Guedes disse que nem sempre a economia vence na tomada de decisões, que dependem também de decisões políticas. Ao falar de sua trajetória, relativizou sua presença no Chile durante a ditadura daquele país. “Nunca vi o Pinochet na vida, minha politização é tardia, eu diria que minha politização está acontecendo agora, minha paixão é a economia.”

Moeda “despolitizada”

Defendeu ainda a “independência” do Banco Central, aprovada há pouco tempo, que ele chamou de aperfeiçoamento institucional. “É a despolitização da moeda. É um ato de desprendimento, é um ato civilizatório.” Segundo Guedes, “quem manda no Banco Central é a preservação de compra dos brasileiros”. Assim, o BC seria um “escravo” dessa função. Ele não comentou o fato de a inflação acumulada já superar os dois dígitos.

“Como não tem política (nas atribuições do Banco Central)?”, questionou Paulo Ramos (PDT-RJ). Para o deputado, Guedes tem “um emaranhado de empresas de difícil rastreamento”. Já Kim Kataguiri (DEM-SP) disse que gostaria de “viver no país” apresentado pelo ministro da Economia.

“Chefete de republiqueta”

Vários deputados falaram sobre o “fracasso” da política econômica e, seguidamente, solicitaram documentos de prestação de contas, que Guedes disse ter entregado aos órgãos competentes. “O senhor usou o cargo para se beneficiar”, acusou Jorge Solla (PT-BA), enquanto Jandira Feghalli (PCdoB-RJ) questionou se era “legítimo e moral” o fato de o ministro da Economia ter contas fora do país.

Para Alessandro Molon (PSB-RJ), o principal causador da instabilidade no país, uma queixa de Guedes, é o próprio presidente da República. “Claro que o investidor estrangeiro, se percebe à frente dele um chefete de uma republiqueta, que não está à altura da grandeza deste país, não tem segurança (para investir)”, reagiu.