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Na contramão do mundo, governo Bolsonaro aperta orçamento em plena pandemia

Estados Unidos e países da União Europeia se endividam para auxiliar população durante a pandemia. No Brasil, governo Bolsonaro manda apertar orçamento, retardando a recuperação econômica 

Publicado: 19 Fevereiro, 2021 - 08h30 | Última modificação: 19 Fevereiro, 2021 - 08h46

Escrito por: Redação CUT

Marcelo Horn / Agência Brasil
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O presidente da República Jair Bolsonaro (ex-PSL) e seus filhos, Flávio, Eduardo e Carlos, sempre se vangloriaram dos estreitos laços da família com o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, visto como modelo de governança, para eles. A forma como a economia norte-americana é conduzida também recebe largos elogios da família Bolsonaro, mas na hora de aplicar aqui o que os “gringos” fazem em termos de ajuda financeira à população, de proteger empregos, salvar vidas, assegurar a renda das famílias e evitar   falências de empresas durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) , o discurso muda completamente.

Na contramão do mundo, Bolsonaro assinou um decreto, publicado na última  quinta-feira (11), limitando ainda mais as contas do governo até que o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) seja aprovado pelo Congresso Nacional. Mas, o governo foi além do que diz a Lei que obriga a limitar os gastos discricionários dos ministérios como custeio da máquina pública e investimentos, até a aprovação do PLOA. A legislação estabelece a um doze avos do valor previsto para o ano. No entanto, o decreto aumenta a limitação a dezoito avos. Por exemplo, se hipoteticamente, um ministério pode gastar R$ 1.200,00 em 12 vezes, o resultado é R$ 100,00 ao mês. Ao dividir em 18 meses, o valor cai para R$ 66,66 ao mês.

A economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Gentil, em levantamento exclusivo para o Portal CUT, dá parâmetros comparativos de como o governo brasileiro vai na contramão do mundo,  inclusive dos Estados Unidos, visto como exemplo de país para a família Bolsonaro.

Nos Estados Unidos, do lado da política fiscal, foi dada assistência a famílias, empresas e governos estaduais e locais em março e abril de 2020, de US$ 3 trilhões, ou seja, 14,8% do PIB e um novo pacote de estímulo fiscal federal de 4,3% do PIB foi aprovado em dezembro.

O Banco Central dos EUA também aplicou US$ 2,3 trilhões do tesouro americano na compra de títulos de empresas endividadas, os chamados "junk bonds". Além desse apoio fiscal, o Federal Reserve (FED), o banco central dos EUA, reduziu as taxas de juros, entre zero e 0,25%, juntamente com US$ 700 bilhões em compras de ativos. O FED também fez compras planejadas de títulos corporativos de governos municipais.

Em sua análise, a professora da UFRJ, aponta que esse suporte fiscal às famílias e empresas tem conduzido ao aumento do déficit e da dívida pública, em todo o mundo.

“Isto é apenas uma mostra de que numa pandemia, não é hora para o Brasil se preocupar com o déficit público. É uma situação inevitável nos momentos de retração econômica. Nas economias emergentes e de renda média e baixa, o aumento do déficit tem estado é associado muito mais ao colapso nas receitas de impostos causadas pela baixa atividade econômica do que ao aumento do gasto. Porém, a saída acionada pelos países no mundo não foi cortar gastos ou limitá-los a tetos estabelecidos em fase anterior à pandemia”, diz a economista.

Segundo Denise Gentil, durante a pandemia, o tesouro e os bancos centrais de outros países têm liberado volumes sem precedentes de estímulos fiscais e monetários para apoiar as economias nacionais e lutar pela vida de suas populações. Até aqui, os países praticaram ações fiscais de apoio para mitigar os efeitos sobre o consumo e a produção, correspondentes a US$ 14 trilhões, segundo o Monitor Fiscal, de janeiro de 2021, do Fundo Monetário Internacional (FMI). Foram US$ 7,8 trilhões em gastos adicionais e US $ 6 trilhões em injeções de capital, empréstimos e garantias.

No Brasil, o ano de 2020 fechou com um déficit primário de R$ 702,9 bilhões ou 9,49% do PIB, abaixo do projetado pelo FMI em 13,3% para as economias avançadas e de 10,3% para economias emergentes e de renda média, como é o caso brasileiro. Ou seja, nem o conservador FMI esperava um déficit menor do Brasil.

A dívida bruta do governo geral do Brasil, também está abaixo da média mundial, tendo passado de 74,3% do PIB em 2019 para 89,3% em 2020, uma subida equivalente a R$1,1 trilhão.

Ainda de acordo com Denise, o FMI estima, entretanto, que a dívida global deverá alcançar 98% do PIB no fim de 2020, comparada com a projeção de 84% feita para o ano de 2019. Pelo indicador de dívida líquida do setor público, a dívida brasileira passou de 54,6% para 63% do PIB, um crescimento de R$700 bilhões.

O Brasil tem espaço fiscal para conter os danos da pandemia, se comparado à média mundial
- Denise Gentil

“Além disso, temos uma situação que nunca presenciamos antes – uma taxa de juros básica de 2% ao ano e  uma taxa implícita de juros sobre a dívida pública bruta de 5,9% também ao ano, o que contribui para baixar a pressão sobre a dívida”, ressalta a economista.   

FMI defende ajuda fiscal

O próprio FMI, sempre conservador em política macroeconômica, tem recomendado aos países que deem apoio fiscal às famílias e empresas vulneráveis até que a recuperação esteja em andamento segundo Denise. O Fiscal Monitor Update, de janeiro de 2021, diz que para o Fundo, “a política fiscal deve apoiar uma recuperação sustentável e facilitar a transformação para uma economia verde, digital e inclusiva, ao mesmo tempo que administra os riscos fiscais e financeiros” .

Denise analisa que é fundamental observar que a reação mundial à pandemia foi abandonar a rigidez dos indicadores fiscais e vincular o orçamento a variáveis políticas e sociais.

A flexibilização das regras fiscais permitirá acelerar a recuperação econômica e, assim, a receita do governo voltará a crescer e certos gastos, como o seguro desemprego e auxílios, cairão. A dívida pública poderá aumentar modestamente em 2021 e se estabilizar no médio prazo
- Denise Gentil

Ajuste fiscal na Europa

A União Europeia agiu rapidamente para apoiar os países membros, ativando a cláusula de escape nas regras fiscais e autorizando temporariamente os auxílios às empresas. Além disso, o pacote de recuperação incluiu investimento verde e digitalização.

O apoio fiscal maciço no continente europeu levou a dívida bruta do governo geral a subir para 123% do PIB em média, em 2020. Além do apoio fiscal, a política monetária também foi flexibilizada. Em março de 2020, o Banco Central Europeu (BCE) acrescentou 120 bilhões de euros a seu atual programa de compra de ativos. No mesmo mês, o BCE adicionou outros 750 bilhões de euros em flexibilização quantitativa.

No total, a injeção chegou a cerca de 1,35 trilhão de euros, valor superior ao PIB do Brasil. O BCE também cortou a taxa de juros em suas Operações de Refinanciamento de Longo Prazo, ficando em 0,75%; disponibilizou empréstimos baratos para bancos; forneceu operações de refinanciamento adicionais para reduzir o financiamento bancário e afrouxou as regras de capital.

Mas no Brasil, o mercado financeiro reage mal às despesas que estão feitas fora do Teto dos Gastos (congelamento por 20 anos dos investimentos públicos), aprovado no governo de Michel Temer (MDB-SP). O presidente do Banco Central , Roberto Campos Neto, já avisou que a taxa de juros poderá subir e haver desvalorização adicional da moeda brasileira, com impactos sobre o investimento e a inflação.

“Por outro lado, há gastos que parecem inquestionáveis pelo governo e vale a pena apontá-los”, diz Denise, que prossegue: “ Os gastos com juros da dívida pública, por exemplo, que alcançaram 4,22% do PIB em 2020, equivalentes a R$312,4 bilhões do orçamento público, não merecem qualquer resistência do governo”.

Para a economista, a força da recuperação do nosso país depende do controle da pandemia, o que significa apressar a vacinação em massa, da capacidade do governo de fazer políticas de apoio às populações pobres, mulheres, crianças, idosos e trabalhadores informais e da retomada do investimento público em setores estratégicos e sistêmicos para ajudar a reativar a economia.

“Os recursos do orçamento devem ser dedicados à aquisição de vacinas; fornecimento contínuo de equipamentos hospitalares para as linhas de emergência e de atendimento aos pacientes infectados onde a transmissão local permanece alta; e, não menos importante, ajuda aos trabalhadores para que se prepararem para uma economia estruturalmente transformada depois que a pandemia estiver sob controle”, afirma.

Nada será como antes. Vamos estar diante de uma economia destruída e socialmente arruinada pela fome
- Denise Gentil

Vacinação no mundo é crucial

Denise reforça o alerta feito por Joseph Stiglitz, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em 2001, de que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), refez os cálculos e estima que nos países industrializados a maior parte da população será vacinada em meados de 2022. Já os países de renda média, o prazo se estende até o final de 2022/início de 2023, enquanto nos países mais pobres, a imunização em massa não será alcançada antes de 2024.

Milhares de vidas serão perdidas, porque, segundo ele, “os monopólios matam” e a quebra de patentes das vacinas é crucial para acabar com a morte nos países pobres que não têm recursos para comprar na escala necessária.


*Edição: Rosely Rocha