Namíbia: do genocídio à luta contra globalização neoliberal
Líder da central sindical TUCNA, Mahongora fala sobre os desafios
Publicado: 19 Julho, 2016 - 20h36 | Última modificação: 19 Julho, 2016 - 21h00
Escrito por: Leonardo Severo
Para o professor Mahongora Kavihuha, secretário-geral da central sindical TUCNA, da Namíbia, este é um momento estratégico para fortalecer a organização, estreitar relações com a CUT e potencializar a luta contra a globalização neoliberal. Participando no Brasil do curso da Universidade Global do Trabalho (GLU), na Unicamp, Mahongora falou ao Portal do Mundo do Trabalho sobre a dura realidade vivida pela classe em seu país, e os desafios a serem superados para a consolidação de uma nação soberana com salário, emprego e direitos para todos e todas.
Atualmente, qual a principal luta do sindicalismo na Namíbia?
Nossa luta principal é pela aceitação por parte do governo da própria existência do movimento sindical. Há muita animosidade e pouco diálogo, porque o governo reluta em incorporar a sociedade civil na tomada de decisões. Isso no que diz respeito à questão institucional. Na questão econômica propriamente dita, temos vários problemas: privatização, desigualdade, rotatividade, terceirização, ao que se somam os trabalhos temporários, sazonais, por dias ou semanas. Com o alto desemprego, tem muita gente disposta a se submeter a condições precárias.
Os altos índices de desemprego acabam virando um aliado dos empresários?
Correto. O desemprego é utilizado pelos empregadores para enfraquecer o movimento sindical e os trabalhadores aceitarem qualquer emprego. O índice oficial de desemprego de 28% chega a considerar empregado até quem cortou lenha na última semana. Na verdade, o percentual é bem mais alto se utilizarmos a definição real, stricto sensu.
Como está estruturada a economia do país?
Há um pequeno setor de serviços, mas a maior parte é extrativista e de exportação de recursos naturais, como urânio, diamante e pescado. Tudo que é extraído é exportado, num tipo de exploração que é muito mais intensiva em capital do que em mão de obra. 61% se dedicam à agricultura, que está sempre sob ameaça das secas, pois somos um país desértico. Hoje, 80 a 90% dos produtos alimentares vêm da África do Sul, da mesma forma que a maioria das lojas do varejo, o que demonstra a manutenção dos vínculos coloniais. A relação do dólar da Namíbia com o rand, a moeda sul-africana, também é de um por um. A agricultura é de subsistência e a pecuária é de exportação. Só tem três países na África que exportam carne para a União Europeia: Namíbia, Botsuana e África do Sul. Recentemente foi fechado um acordo para também exportamos para os Estados Unidos. Somos participantes da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, formada por 15 países: África do Sul, Angola, Botsuana, República Democrática do Congo, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Ilhas Seicheles, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
E a luta contra o neoliberalismo. Fale sobre esta disputa política e ideológica.
Antes da independência muitas empresas eram estatais. Então introduziram o conceito de privatizar, de para-estatal, de comercialização, de venda de ações, sempre orientando que um percentual das empresas necessita ter capital em bolsa, em ações. Assim, utilizam termos como concessão e parcerias público-privadas (PPP) para camuflar a privatização de ferrovias, rodovias, aeroportos. O Estado só é chamado quando é para consertar algum problema, quando há crise. Nas zonas de processamento econômico, por exemplo, há isenção de impostos para o capital estrangeiro e os sindicatos não podem se organizar.
E esses ataques também ocorrem contra a educação?
Os empresários conversam entre si e assumem uma postura similar. Sou professor de matemática e de física e posso dizer que o caminho é de privatização da educação. Há um favorecimento da iniciativa privada em detrimento do coletivo. O discurso é o da “competição justa” em que o governo se retira e deixa os demais atores “disputarem” entre si. É como se os pais se retirassem e deixassem a resolução do problema para uma disputa entre o filho mais velho e mais forte e o menor.
Como é o investimento na formação?
Decidi ficar ausente do meu país por um ano, para fazer a conexão Sul-Sul, porque do Norte não vem nada. Fortalecer o intercâmbio, trocar idéias, ampliar a cooperação entre os trabalhadores. Busco contato entre os cooperativados, mas também entre os mais carentes e desesperados, sempre investindo na união como forma de contraposição ao poder do capital.
As fronteiras africanas foram forjadas a ferro e a fogo pelas superpotências, sob o sangue de inocentes. Fale sobre a Namíbia.
A definição das atuais fronteiras iniciou-se na Conferência de Berlim, em novembro de 1884, e o país, na época chamado de Sudoeste Africano Alemão, entrou na partilha do que sobrou da África para os impérios europeus. Não quer dizer que só a partir daí os brancos tenham chegado no continente, os portugueses já estavam. A Conferência foi uma solução dos europeus que escolheram decidir na cozinha a divisão do belo bolo. O fato é que, quando os alemães chegaram para ocupar o quinhão, encontraram um povo organizado e numeroso, os hererós, e no Sul os namaquas, que viviam de cuidar caprinos. Como havia uma animosidade entre as duas tribos, os alemães chegaram querendo dividir para conquistar, entraram com armas e prometendo acordos de “proteção”. Houve uma reunião entre o chefe dos hererós e o comandante alemão, que reivindicou terra. A resposta do chefe hereró foi pegar uma cesta e entregá-la cheia de terra, o que ofendeu profundamente os alemães. Com o tempo, após a morte do líder, seu herdeiro Samuel foi catequizado e utilizado para criar conflitos a fim de tentar facilitar a dominação estrangeira. Quando Samuel se deu conta, os alemães já haviam se infiltrado e ele declara guerra. Como os hererós começam vencendo, o Kaiser é acionado em Berlim e é enviado o experiente general Lothar Von Trotha, especialista em dizimar oponentes. Apesar da forte presença militar, ainda assim perdeu a primeira batalha, o que fez com que movimentassem mais reforços e, em 1904, quando a guerra iniciou, começou o genocídio. Cerca de 100 mil hererós foram mortos, homens, mulheres, idosos e crianças, sendo reduzidos em quatro anos a somente 15 mil, uma vez que foram empurrados para o deserto, morrendo de fome e desidratação. Havia uma regra instituída por Samuel que sempre foi respeitada: não matar outros europeus além dos alemães, para evitar que outros entrassem em guerra; e poupar mulheres e crianças. Já os alemães matavam e destruíam tudo o que vissem pela frente. Em 1905, os namas já haviam se dado conta de que seriam os próximos e entraram na guerra ao lado dos hererós. Cerca de 10 mil namas, o equivalente à metade da população, foram aniquilados.
Um verdadeiro genocídio.
Após 1915 houve o reconhecimento de que houve genocídio e as duas etnias somaram forças com os ingleses contra os alemães. Documentos oficiais encontrados nos escritórios alemães pelos ingleses e sul-africanos confirmavam o genocídio, o que se transformou no Livro Azul. Com o fim da Segunda Guerra e as negociações da Alemanha com a Inglaterra, decidiram destruir as cópias da obra, mas algumas sobraram. Bem mais recentemente, a liderança hereró entrou em campanha pelo reconhecimento do histórico genocídio. Esta é parte da nossa luta.
Tradutor/intérprete: Leonardo Vieira