Narrativas da seca em São Paulo
Moradores da capital, interior e litoral contam histórias em meio à crise da falta de água
Publicado: 17 Dezembro, 2014 - 12h54 | Última modificação: 17 Dezembro, 2014 - 13h11
Escrito por: Vanessa Ramos e Flaviana Serafim/CUT-SP
O nível do Sistema Cantareira em São Paulo, reservatório que distribui água para 6,5 milhões de consumidores, chega nesta segunda (15) a 7,2% de sua capacidade. Ao mesmo tempo, o nível do Sistema Tietê, que atende 4,5 milhões de pessoas, chega a 4,1%. Enquanto isso...
As torneiras de dona Ana, moradora do Jardim Patente, bairro da zona sul da capital, próximo à Heliópolis, secam final de semana sim, final de semana não. Sem aviso prévio, a família, que tem apenas uma caixa d´água, já começa a criar medidas de economia, mas sem entender porque enfrenta uma crise hídrica.
No outro extremo da cidade, em Taboão da Serra, dona Filomena percebeu que a água estava sendo cortada à noite. Até então, a vida estava equilibrada, mas as torneiras também começaram a secar durante o dia. Aos 76 anos, ela carrega nos braços um saco de roupas para serem lavadas na casa da filha. Ela relata que a escassez não é de hoje, mas as coisas têm piorado.
Os dois bairros ficam a cerca de 30 km de distância um do outro, na periferia da capital. Dona Ana e dona Filomena não são adeptas ao uso das novas tecnologias, portanto, costumam se informar por meio do rádio ou da televisão, que falam apenas para economizar o recurso.
O governo de São Paulo, por meio da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), não reconhece até o momento o racionamento oficial. Ou seja, o órgão oficial está em contradição com os relatos de dona Ana e dona Filomena, que ficam quase todo o dia em suas residências e conhecem como ninguém a realidade em que vivem.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fez ampla campanha neste ano para coletar depoimentos sobre a falta de água nas residências. De junho até o início de dezembro, a entidade recebeu cerca de 700 relatos. O mapeamento aponta a torneira seca nas regiões Oeste (26%), Norte (26%), Leste (25%), Sul (20%). No centro da capital foi menor que 1% o número de depoimentos.
A pesquisadora do Idec, Renata Amaral, explica que o governo apresentou dados à entidade somente mediante recurso jurídico. “Os mapas que disponibilizaram não foram os que solicitamos. Queremos informações semanais atualizadas para saber onde haverá a redução de pressão nas torneiras. E mais, os relatos que recebemos não batem com dados oficiais”.
Para ela, o governo continua culpando a estiagem e relacionando isso apenas como um fator climático. “Eles deveriam considerar planejamento, falta de investimento e falta de transparência para a população desse tipo de informação. Mas não fazem isso”, critica.
Grande São Paulo
O coordenador da subsede da CUT São Paulo em Guarulhos, José Rogério Vieira, relata que, no município a região demográfica é diferenciada e alguns bairros que ficam na parte alta, como o Parque Continental, há anos sofrem com a falta d´água. “Mas o problema maior é que agora isso está afetando todo o município. O governo municipal tem feito sua parte, com a construção de reservatórios, mas o estado de São Paulo não dialoga, e as medidas são insuficientes.”
Em Osasco, Valdir Fernandes, mais conhecido por Tafarel, coordenador da subsede da CUT São Paulo na região, explica que de manhã, a água vem com muito cloro e, a partir das 19h e 20h, a pressão é baixa e não dá para tomar banho. “Está faltando água no Jardim Veloso, no centro e, principalmente, no Jardim Cirino”.
Da mesma cidade em que Valdir, o documentarista Rui de Souza conta que à revelia dos moradores é que a falta de água acontece no Alto do Farol e na Cidade das Flores. “Não tem aviso prévio. Minha mãe é baiana, carregou lata d´água na cabeça e jamais imaginava que passaria por esta situação, ainda mais no estado de São Paulo.”
Coordenador da subsede ABC, Claudeonor Neves da Silva diz que a região em que trabalha está sendo atacada pela Sabesp com várias obras, mas o racionamento é o pior problema que enfrentam. “Sou morador de Diadema, uma cidade que a Sabesp assumiu neste ano e, no bairro em que moro, Jardim Ruyce, nós temos água dia sim, dia não. Mas o governo não reconhece que isso é racionamento”.
Seca se espalha
No litoral, o coordenador de Políticas Sindicais da subsede Baixada Santista, Amilton Correa, comenta que a região usa água da represa Billings e Guarapiranga. “O nosso problema é a falta de investimento nas estações de tratamento, pois no verão não há como suprir a necessidade da população”.
Segundo Amilton, nos bairros de classe média alta do Guarujá, como Pitangueiras e Enseada, e em Santos, na praia do Gonzaga, a falta d´água é mínima. Já nos bairros pobres da zona Noroeste de Santos não têm água nos finais de semana. “Não tem investimento e, ainda, há discriminação entre ricos e pobres. Isso não é de hoje, pois isso acontece há mais de 15 anos”, garante.
A moradora da zona sul da Praia Grande, na Baixada Santista, Marinalva Araújo, esclarece que em Santos as famílias precisam ter pelo menos duas caixas d´água para suprir a necessidade, pois durante o dia não tem água na torneira. “Também temos problema com a pureza da água. Na minha casa, a água chegou a ter cor de barro. Liguei para a Sabesp e veio um técnico fazer teste, mas deixou um vazamento por quase uma hora. Ele tinha um medidor que marcava a pureza da água que constava 18%. Perguntei a ele qual era o nível aceitável e me disse que era de 6%”.
Segundo Marinalva, essa situação gera muitos problemas de saúde na população fora da temporada porque durante a temporada, diz ela, tudo piora. “Moro há quase 20 anos e a situação é a mesma”.
Preocupação futura
A coordenadora da CUT Subsede da CUT-SP em Itapeva, Solange Aparecida Benedeti Penha, relata que, no município onde atua, em que a agricultura familiar está presente, já existe preocupação. “O que ocorre hoje na capital vai afetar o interior daqui a alguns anos, que é onde se produz os alimentos que vem para a cidade de São Paulo. Estamos de olho para saber quais medidas que o governador irá tomar, se o caminho será a privatização ilimitada, a exemplo do que aconteceu em parte com a Sabesp”.
No interior de São Paulo, Jundiaí, Campo Limpo Paulista e Várzea Paulista já sofrem com a falta de água. Quem conta é Vitor Machado, coordenador da CUT Subsede Jundiaí. “Em Campo Limpo Paulista, onde a Sabesp faz um péssimo trabalho de captação e tratamento de água e esgoto, a população já fez várias manifestações reclamando da falta de água. Em Várzea Paulista o tratamento de água e esgoto também é de responsabilidade da Sabesp e, onde a empresa está, traz problemas”.
Segundo Vitor, os bairros altos, como América 4 e o Jardim Mirante, passam a maior parte do dia sem água, fazendo com que a população tenha que acordar de madrugada, armazene a água em tambores e tanques.
A coordenadora da CUT Subsede Mogi das Cruzes, Kátia Aparecida Santos, explica que a região é onde fica a nascente do Rio Tietê. “Em Mogi, especificamente, não temos, ainda, dificuldades com racionamento. Mas nos bairros mais carentes de outros municípios que a subsede representa, como Poá, Ferraz de Vasconcelos e Itaquaquecetuba – e não nos centros dessas cidades – já começou o racionamento de água na forma de rodízios. Há bairros que chegam a ficar dois dias sem água”.
Para Kátia, deveria existir uma política do governador Geraldo Alckmin (PSDB) com relação à nascente que existe na região. A coordenadora diz que seria necessário um planejamento para levar água aos bairros da periferia dessas cidades.
Sucateamento afeta trabalhadores/as
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT-SP, Sônia Auxiliadora, mora em Presidente Prudente. Segundo ela, um dos desafios é a questão do preço da água. “Como a região é cercada por dois grandes rios, que são o Paraná e o Paranapanema, além de seus afluentes, não temos problemas hoje com a falta de água. Mas temos uma água fornecida, bem próxima dali, que tem um valor muito caro para chegar às torneiras e gera reclamação da população”.
Sonia afirma que vários movimentos da região tentam alertar para o cuidado com a preservação de rios e nascentes. Foram várias usinas hidrelétricas construídas sem qualquer preservação da natureza. “Hoje temos todas essas mudanças climáticas devido a falta de cuidados do governo estadual, que não preserva o meio ambiente e não toma medidas preventivas”, diz.
Coordenador da CUT Subsede em São Carlos, Ednaldo Henrique Ferreira, narra que os problemas principais da cidade estão na região sul, nos bairros Cidade Aracy, Presidente Collor, Antenor Garcia e Vila Monte Carlo. “Faltam investimentos e, no município, governado pelo PSDB, a atuação tem sido no sentido de sucatear o Serviço Autônomo de Água, o SAAE”.
Segundo Ednaldo, a situação afeta principalmente os trabalhadores mais carentes do município que, quando saem de manhã para o trabalho, não têm suas necessidades básicas atendidas para garantir a alimentação. E, quando chega à noite, depois do trabalho, sequer tem água para tomar banho.