Natal na pandemia: é possível confraternizar sem riscos. Confira o que fazer
Infectologista, psicóloga e psicanalista orientam sobre como proceder nas reuniões familiares neste Natal com a pandemia da Covid-19. Para eles confraternização pode ser feita, mas com cuidados redobrados
Publicado: 19 Novembro, 2020 - 08h30 | Última modificação: 19 Novembro, 2020 - 11h33
Escrito por: Rosely Rocha
Depois de oito meses de isolamento social e perdas dolorosas, as informações sobre a segunda onda da pandemia do novo coronavírus na Europa e o aumento das médias móveis de mortes e novos casos de Covid-19, no Brasil muitas pessoas estão preocupadas com as comemorações ou, pelo menos, os encontros com os familiares e amigos no Natal deste ano. O que pode ser feito? Como proteger a si mesmo e as pessoas queridas? Como controlar a ansiedade e os receios que estão desestruturando muitas pessoas em todo o mundo?
Para ajudar a entender qual é a responsabilidade de cada um neste momento de vulnerabilidade, e como podemos agir a fim de ter um final de ano junto com familiares e amigos com maior segurança física e emocional, o Portal CUT ouviu a infectologista Juliana Salles, a psicóloga Juliana Yokomizo e o psicanalista Christian Dunker. Confira no final do texto uma série de dicas para se proteger nos encontros.
Em primeiro lugar, é importante tratar a questão emocional. Neste quesito, o comportamento negacionista de autoridades políticas do país, como o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), que até hoje, com mais de 166 mil pessoas mortas no país, ainda trata a pandemia como uma doença qualquer, fácil de ser tratada, contribui para a desestruturação do emocional de parte da população.
“Quando a gente não se sente apoiado, legitimado pelas autoridades, e as instituições políticas desvalorizam o que a gente está passando, isso também contribui muito para não ficarmos bem. O comportamento das autoridades afeta uns mais, outros menos, mas é um fator que pesa na recuperação emocional. É um caminho longo, não dá para dizer que é fácil”, afirma a psicóloga Juliana Yokomizo.
Além da questão emocional, o descaso das autoridades do país também contribui para o aumento dos casos de Covid-19, com consequências nefastas para a saúde física e mental do brasileiro, acrescenta a médica infectologista e diretora da Executiva da CUT São Paulo, Juliana Salles.
“O povo brasileiro não está recebendo o suporte necessário. Estão todos exaustos, esgotados e sem apoio de uma politica séria de autoridades municipais, estaduais e do governo federal”, avalia a infectologista.
Para Salles, é fácil culpar a pessoa pela contaminação e individualizar a responsabilidade, mas é o Estado que tem de garantir saúde, rastrear quem teve contato com contaminados e fazer testagem em massa, o que não vem ocorrendo. Sem isso, não é a toa que aumentaram em 18% as internações nos casos de Covid-19, em São Paulo, nas últimas duas semanas.
Soma-se a tudo isso a impossibilidade de festejar e celebrar a vida como fazíamos antes em outros Natais, sem pandemia. As reuniões familiares, com certeza, devem se adequar ao “novo normal”. Mas qual o limite deste “novo normal”?. Devemos nos afastar dos entes queridos e aprofundar a melancolia, chorar os mortos, a perda do emprego – milhões de trabalhadores ficaram desempregados ou sem a renda da informalidade este ano - e não renovar nossas esperanças?. Essas são algumas questões que têm afetado a saúde física e mental de todos, independentemente de classe social, credo e raça.
O psicanalista Christian Dunker diz que com a instabilidade gerada pelas variações em torno do auxílio emergencial, que Bolsonaro cortou de R$ 600 para R$ 300, o aumento na inflação, da incerteza sobre o final da pandemia, este final de ano deve favorecer uma aproximação das pessoas em torno do sofrimento, de uma certa cultura da escassez e do medo. Ainda assim, Dunker é otimista com o futuro na medida em que haja alteração desse cenário, com o fim da quarentena.
“A renovação das formas de alegria é possível. Vamos lembrar que o Carnaval de 1919, que deu forma ao Carnaval tal qual a gente conhece hoje, sucedeu a 1918, ano da gripe espanhola e pós Primeira Guerra Mundial”, diz o psicanalista.
Recomendações para as festas de fim de ano, em família
Dunker recomenda que as famílias sigam em escala menor aquilo que as escolas, hospitais e empresas, de uma forma ou de outra, estão seguindo, que são protocolos das autoridades sanitárias como distanciamento e uso de máscaras. Mas, ele ressalta que o importante é a família negociar como deverá ser o comportamento de cada um nessas festas.
“Antes de sair para se reunir na casa de algum parente, é preciso que todos negociem e concordem com determinados comportamentos, que levem em conta que há pessoas que têm uma relação de risco da Covid mais potencial do que outras’, diz.
“Por isso, uma negociação geral, de produção de alguns consensos, é crucial para que não haja constrangimento daqueles que têm menor poder de voto, de fala, dentro da família e eles sintam que é arriscado ir a essas reuniões e simplesmente faltarão às comemorações”, orienta.
A psicóloga Yokomizo também é favorável que as reuniões familiares de final de ano aconteçam, mas ressalta a importância dos protocolos sanitários. Para ela, apesar da pandemia é melhor estarmos entre os nossos entes queridos, com os devidos cuidados, do que passarmos sozinhos por este período de fim de ano, que muitas vezes pode levar à melancolia, principalmente na situação que estamos vivendo.
“É preciso buscar o coletivo, estar com pessoas, valorizar aquilo que importa. Este movimento positivo ajuda a enfrentar as adversidades, fazer um balanço consigo próprio, do que é importante, do que é essencial, quem são as pessoas essenciais para você estar perto, são aspectos que entram nesta conta”, avalia Juliana Yokomizo.
Quem prefere manter o isolamento social não está errado, mas para superar a sua solidão e a do ente querido, pela ausência de contato, é muito importante que cartas ou mensagens sejam enviadas.
“Se você não pode estar presente, mande um abraço pelo WhatsApp. O importante é a gente não se desconectar, não perder de vista nossas comunidades de referência porque elas são também fonte para nossa saúde mental”, recomenda Dunker.
O sofrimento e o luto
Para as pessoas que passaram pela perda de um familiar, um amigo por causa da Covid-19, tanto Yokomizo como Dunker recomendam vivenciar o luto para recuperar a saúde emocional.
“A saúde emocional pode ser recuperada por meio de palavras da recordação, da saudade que a gente está um dos outros. Reconhecer o sofrimento, dar nome a ele, compartilhar com toda a intensidade os afetos, para que ele não evolua para uma forma sintomática e outros transtornos mentais”, diz Christian Dunker.
“É tempo de falar daqueles que se foram, dos 166 mortos mil mortos, que muitos deles, não puderam ser propriamente pranteados, chorados. Então será um Natal que a gente vai sentir mais a falta de um familiar. É a falta das despedidas que a gente não pode fazer. Talvez seja o Natal mais triste, mas ele vai ter essa função, de lembrarmos daqueles que não estão mais com a gente. Vivenciar o luto é o trabalho da família dos que sofreram com uma perda comum e esta lembrança precisa ser feita com palavras e lágrimas’, complementa o psicanalista.
Para Juliana Yokomizo, é preciso que as pessoas não se sintam culpadas pela morte de seus entes e terem sobrevivido à pandemia. “Pode acontecer a ‘culpa do sobrevivente’, que por não ter morrido junto com o ente querido se sente culpado por ter sobrevivido, por isso que é importante buscar grupos pelos quais se sinta pertencente, até mesmo a espiritualidade”, recomenda Juliana.
Protocolos sanitários
A médica infectologista, Juliana Salles, entende que muitas famílias não têm a mínima condição de manter o distanciamento social em função do espaço físico limitado de suas moradias, em relação ao número de pessoas que ali vivem.
Mas, para quem pode cumprir algumas regras de protocolos sanitários nas reuniões familiares de final de ano, as recomendações são:
- Distanciamento social;
- Nada de beijos e abraços;
- Tirar os sapatos na entrada;
- Abusar do uso do álcool em gel e lavar as mãos, em casos de contatos pessoais;
- Evitar levar as mãos ao rosto;
- Uso de máscaras quando no elevador e se não estiver ingerindo comida;
- Não compartilhar objetos pessoais como copos, pratos e talheres;
- A ceia deve ficar em no fogão ou numa bancada distante da circulação de pessoas para reduzir o contato;
- Estimular que crianças higienizem as mãos e não compartilhem brinquedos;
- Não comparecer às festas familiares se tiver algum desses sintomas: febre, dor de cabeça, coriza , diarreia, vômito, manchas no corpo, náusea, falta de ar, dor de garganta e perdas de cheiro e paladar e;
- Para famílias muito grandes, recomenda-se também dividir os membros em dois grupos e realizar dois encontros na véspera e no dia de Natal.
Edição: Marize Muniz