Escrito por: Walber Pinto

Negacionismo de Bolsonaro contribuiu para aumentar número de mortes por Covid-19

Para especialistas da área médica, o Brasil enfrenta a pandemia sem coordenação nacional e em clima de disputa política, o que faz do país uma ameaça global em relação à doença

Marcos Vicentti/Secom Acre

Mais de um ano depois da pandemia do novo coronavírus ter sido decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil se tornou epicentro global da maior crise sanitária do século, batendo três recordes inéditos de óbitos, médias móveis e internações nas últimas semanas. O agravamento dessa tragédia, que parece nunca ter fim, é resultado da sequência de erros do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), que ignorou a ciência, negou a gravidade da pandemia e não soube conduzir uma ação nacional de combate à pandemia

A avaliação é de Diego Xavier, epidemiologista do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo ele, muitas mortes poderiam ter sido evitadas se não fosse o negacionismo, a falta de distanciamento social e o não uso das máscaras.

 “A gente teria evitado essa situação se não fosse o negacionismo. Não é uma disputa de poder político, é uma questão sanitária. O SUS é tripartite, não é um manda que eu obedeço. Não é assim, nunca foi assim. Só faz isso quem não conhece o SUS”, disse Diego Xavier.

O médico se referiu a disputa entre Bolsonaro e, especialmente, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e a frase do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, quando foi repreendido por Bolsonaro por dizer que o governo general compraria milhões de doses da CoronaVac, vacina que o presidente não queria por ser produzida na China comunista. Como o governo não conseguiu comprar vacinas de outros países, foi obrigado a se render a vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac, da China.

A explosão de mortes e contaminações no Brasil não há sinais de que a pandemia vá acabar em pouco tempo. O país segue na contramão do mundo, enquanto os outros países decretavam medidas rígidas, como o lockdwon associado à vacinação em massa, o Brasil não tem vacinas em número suficiente para toda a população e o presidente trabalha diariamente contra o isolamento social.  

Além disso, a queda da adesão às medidas preventivas e omissão do Ministério da Saúde e de Bolsonaro em implementar, estimular, controlar e fiscalizar o cumprimento de normas de distanciamento social, contribuíram para piorar a situação, especialmente após o surgimento das novas variantes do vírus, mais transmissíveis e letais, que estão se espalhando pelo Brasil.

Para o deputado federal e ex-ministro da Saúde do governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), Alexandre Padilha, Bolsonaro tem responsabilidade direta nessa tragédia humanitária por tratar Covid-19 com “algo de conflitos”.

“Estamos enfrentando a pandemia em clima de disputa e a falta de uma coordenação nacional é decisiva nisso. Se tivéssemos isso, estaríamos enfrentando a pandemia com muito mais força e, sobretudo, salvando vidas”, defende o ex-ministro.

A afirmação de Padilha vai de encontro à fala do epidemiologista. “Falta muito diálogo com os prefeitos vizinhos e o diálogo federal com todo mundo”.

“Temos um prefeito de um município x que decreta lockdown, o outro da cidade vizinha não decreta. Esses municípios estão na mesma ilha, se não tem essa organização coordenada, as medidas de restrição não funcionam”, completa.

Sobre o colapso nos estados

O pior momento da pandemia no Brasil é registrado em todos os estados que enfrentam falta de leitos, filas de internações e pacientes morrendo à espera de uma vaga em enfermaria.

No mesmo dia que registrou recorde no número de mortes por Covid-19, ultrapassando 3 mil, o Brasil atingiu 16 estados em colapso, com taxas de ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) superiores a 90%.

Estamos vivendo o momento mais difícil da maior tragédia humana já registrada no país e somos a maior ameaça global em relação a Covid-19- Padilha

O quadro é mais grave em 3 estados: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia - que possuem 100% dos leitos da rede pública de saúde ocupados, ou seja, pacientes com casos graves da doença aguardam na fila de espera para serem internados. 

Cerca de 24 estados e o Distrito Federal estão com taxas de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) acima de 80%. Apenas dois (Rio e Roraima) ainda não passaram da marca.

“A doença subiu de forma sincronizada em todos os estados, todos os estados estão com os leitos de UTI muito alto. Se antes conseguíamos remanejar os pacientes para outros estados, agora não tem mais, não tem como mandar paciente para outro estado”, explica o epidemiologista.

Pandemia é gravíssima em São Paulo

Enquanto o governador de São Paulo resiste ao lockdown, o estado vive uma situação “bastante dramática”, reconhecido com estas palavras pelo próprio governador.

São Paulo vem batendo recordes de casos e mortes nos últimos duas e vê sua rede de saúde passar de 90% de ocupação. O estado tem ampliado as medidas de isolamento mais rígidas desde o início da crise para tentar evitar uma tragédia ainda maior, mas ainda não houve sinais de melhora.

O sistema de saúde paulista já colapsou — e a situação vai se agravar ainda mais nos próximos dias, mas o governo paulista não quer decretar o lockdown, medida defendida por vários especialistas para reduzir o contágio.

De acordo com Padilha, o Brasil deve seguir o exemplo de Araraquara, que desde o início é modelo de combate à pandemia, e que decretou o lockdown, uma medida dura. Em 15 dias após do decreto, o município teve redução de 50% de novos casos.

“Mesmo os países com sistemas públicos mais consolidados que o nosso, como o Reino Unido, entraram em risco de colapso e decretaram lockdown. Defendo que as regiões que apresentem 80% de lotação de leitos de Covid, adotem o lockdown”.

São Paulo vem batendo diariamente recordes de pessoas internadas por causa da Covid-19 desde o final de fevereiro. Na terça-feira (16), 24.992 pacientes hospitalizados, dos quais 10.756 em UTIs e o restante em enfermarias, segundo os dados mais recentes.

É bem mais do que as 6.250 pessoas que estavam internadas em uma UTI no pior momento da primeira onda da pandemia no estado, em julho do ano passado.

São Paulo também bateu na terça-feira o recorde de óbitos. Foram 679 em 24 horas, o maior índice já registrado. Até então, o recorde era o de sexta-feira (12), com 521 mortes.

O Estado também teve sua maior média móvel de óbitos na quarta-feira, com 421 mortes diárias. Isso elevou o total para 65.519 vítimas fatais desde o início da pandemia.

*Edição: Marize Muniz