Escrito por: Camila Araújo, da CUT-Rio
Dona Lídia, que parou de comprar até pé de frango por causa do preço alto, diz que a pandemia agravou a crise econômica, mas reclama que faltou governo atuar para reduzir drama dos mais pobres
O relato da paraíbana, dona Lídia Alves, que mudou de Campina Grande para o Rio de Janeiro, em 1998 com o objetivo de realizar o sonho de todo brasileiro, mudar de vida, é o retrato da triste realidade atual da população mais vulnerável, que não tem emprego formal e se vira com atividades por conta própria A inflação galopante, o desemprego e a queda da renda estão mudando a vida das pessoas, sim, mas para pior.
O Brasil, que saiu do Mapa da Fome em 2014 e voltou em 2020, tem atualmente 20 milhões de pessoas passando fome, o dobro de favelas e alta generalizada de preços, inclusive dos pés de galinha, que dona Lídia tanto gostava e não pode mais comprar.
Lídia mora na Rocinha, a maior favela do país, há mais de vinte anos. Lá criou os cinco filhos. Há dez anos trabalha como salgadeira, “com muito orgulho”, diz ela, que antes era acompanhante. “Tudo que eu alcancei foi aqui no Rio de Janeiro”, afirma lamentando a situação atual, que impede a famíia até de fazer churrasco com asa de frango.
“Eu comprava muita asa, muito drumete essas coisas. Fazia muito churrasquinho quando podia. Desisti porque hoje em dia a gente não pode mais fazer churrasco nem ter esse luxo, porque churrasco agora é luxo”, diz a trabalhadora.
A situação também se complicou porque ela usa muito frango para fazer seus salgados e teve de reduzir as compras também. “Antigamente eu comprava duas caixas de peito de frango por semana. Hoje, eu não consigo nem uma. Tem que ser de quinze em quinze dias”, diz.
Para ela, em parte, a situação de penúria atual foi causada pela pandemia do novo coronavírus, que agravou a crise econômica, mas faltou também políticas públicas do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) para atender a população mais vulnerável.
“A pandemia veio pra mexer com nossa saúde, só que o governo, com o presidente que a gente tem, ele conseguiu mexer na estrutura financeira do pobre. Porque nisso tudo quem sofre mais é o pobre, não é o rico. Porque o rico já tem, o pobre trabalha no dia a dia pra conseguir alcançar os seus objetivos”, analisa Lídia.
Como toda dona de casa, Lìdia tem na ponta da língua a escalada dos preços que a impede de comprar o que antes podia, sem problemas.
“O preço do frango aumentou muito. O que era R$ 6, agora é R$ 14, R$ 15, é R$ 16, é R$ 17. Uma asa que era R$ 6 hoje está R$ 12, R$ 14. O que era mais barato era o ovo, mas tá R$ 14, R$ 15 uma caixa de ovo”.
“Como é que você vai manter um padrão se todo dia é um valor diferente?” questiona a trabalhadora para em seguida responder: “Não tem nem como. Cada vez mais aumentando, saindo do seu controle, aí fica complicado de manter o que se tinha antigamente”.
“Fugiu tudo do controle. A gente que trabalha tem que se manter como pode”, diz Lídia.
“O frango era a única alimentação em termos de carne que o pobre poderia comer sem evoluir tanto. Agora não tão conseguindo nem comer o peito de frango. Tem que ir na asa, tem que ir no pé. Tem que ir na coxa, sobrecoxa, pra ver se consegue ter carne dentro da geladeira. E tem uns que nem isso conseguem”, diz com conhecimento de causa.
“Peito de frango, eu comprava grande quantidade porque eu preciso, eu trabalho com isso. Só que eu diminuí muito. No lugar de comprar três caixas por mês, hoje eu só compro uma. Porque não tem como mais, aumentou muito. Não dá mais pra bancar o que se bancava”, diz Lídia.
“Antes tinha mais condições, ganhava bem, sabia que ia ter o retorno do que estava comprando. Hoje não tem mais retorno. Você trabalha simplesmente pra manter suas despesas quando dá”, conclui a trabalhadora e mãe de família.
*Edição: Marize Muniz