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"Nem tanto ao mar, nem tanto à terra"

Para especialistas, é preciso relativizar o cenário catastrófico construído pela mídia

Publicado: 26 Março, 2015 - 15h19

Escrito por: Henri Chevalier

Gonzalo Arselli
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É preciso relativizar o cenário catastrófico construído pela mídia no Brasil, segundo o qual o país está em profunda crise econômica, política e social. A conjuntura é complexa e necessita de atenção por parte dos movimentos sociais, mas a luta dos trabalhadores tem o poder de mudar os rumos da política econômica que vem sendo adotada no Brasil.

A opinião é similar entre a vice-presidenta da CUT nacional, Carmen Foro; a Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Regina Carvalho; e o professor universitário da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), Ladislaw Dowbor, em análise de conjuntura realizada nesta quarta-feira (25), durante o 9º Congresso Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs), em Guarapari, Espírito Santo. Segundo os debatedores, o país precisa sair das mãos do mercado financeiro, mudar a política econômica adotada pelo governo e voltar ao ciclo de desenvolvimento construído nos últimos anos no país.

Clareza de cenário

Para a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, é necessário clareza no cenário para que a elite nacional e internacional não paute as ações dos movimentos sociais por meio da construção de um senso comum de desespero e catástrofe. "Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os interesses econômicos se colocaram a serviço dos interesses políticos aqui, assim como no mundo inteiro. Mas também há uma construção permanente de que estamos vivendo uma catástrofe, o que não é necessariamente verdade", afirma.

Carmen destaca que a escolha de política econômica feita até agora é uma escolha equivocada que levará o país a uma situação delicada, e os movimentos precisam fazer enfrentamento nas ruas. Ao lembrar das ações da CUT para o próximo período, ela lembra o dia 7 de abril, quando haverá a ocupação do Congresso Nacional durante a votação do PL 4330, que amplia a terceirização; e o dia 26 de abril, quando os movimentos sociais farão uma grande mobilização contra a Rede Globo.

No próximo dia 31 de março, os movimentos sociais também realizarão Plenárias pelos estados por Democracia, Direitos, Reforma Política e em defesa da Petrobrás. "Isso é absolutamente central para todos nós nesse momento de disputa que estamos fazendo", afirma Carmen.

Foto: Gonzalo ArselliFoto: Gonzalo ArselliMPs são erros do governo

Segundo a vice-presidenta, o governo federal "erra com as duas medidas provisórias aprovadas [664 e 665]. Nós, da CUT, estamos nas ruas e discordamos que quem pague o ajuste fiscal seja os trabalhadores. Os ricos que criaram essa crise, eles que paguem a conta. Mas não podemos aceitar uma campanha poderosa da mídia dizendo que devemos baixar nossa cabeça frente a todas as conquistas que tivemos. Nós precisamos entender que esses questionamentos estão situados numa perspectiva de quem não aceita o projeto vitorioso".

Após um levantamento histórico sobre os últimos 12 anos de governo, em que fica evidente ter havido conquistas históricas para os trabalhadores, como valorização do Salário Mínimo e aumento do nível de empregados no país, Carmen lembra da ascensão conservadora no país, onde se amplia o preconceito, o machismo e a violência nas bases. Para ela, é preciso considerar três pautas que poderiam ter sido trabalhadas com mais afinco nos últimos 12 anos e não foram: Democratização da Comunicação, Reforma Política e Reforma Tributária Justa e Progressiva. "Erramos e agora estamos pagando um preço alto por isso".

Escapar das armadilhas do mercado

Para o professor Ladislaw Dowbor, o desafio no momento é compreender o que está acontecendo no eixo econômico. O Brasil, segundo ele, tem uma série de avanços extremamente importantes que é preciso proteger e dar continuidade. E tem também uma elite que quer retrocesso e um mercado financeiro que se apropria da produção  no país para engrandecer o caixa das empresas no exterior.

"Os bancos descobriram uma forma de chupar aquele pouco dinheiro que se transferiu na imensa transferência de renda que demos início no país. Estou falando de crediário dos bancos. Se pensar no Santander, 30% do lucro do banco vem do Brasil. Está chupando daqui o que a gente produz, mas leva para fora, sangrando a economia", destaca o acadêmico, para quem o Brasil precisa fugir da lógica do mercado financeiro internacionalizado. "Se você compra no cartão de crédito, o comerciante vai receber 5% a menos. No débito, 2% a menos. Esse dinheiro vai para o banco. Lembram  da CPMF? Pois era 0.38% e foi um verdadeiro escândalo", lembra.

A Economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Regina Carvalho, relembrou as origens do mercado de trabalho no Brasil, originado no regime escravocrata, quando os negros foram abandonados à própria sorte, gerando massas de trabalhadores precarizados.

"Essa massa de pessoas vagando pelo país em procura de trabalho perdurou durante séculos e adentrou o século XX à disposição do capital. Isso deu um formato muito perverso ao nosso mercado de trabalho. É o que Ruy Braga chama de precariado".

Para a economista, uma solução é inserir os trabalhadores no trabalho formal. E, para isso, é necessário romper com certas armadilhas do sistema econômico. "A principal das medidas necessárias é retirar a economia brasileira de ser refém do rentismo, do sistema financeiro, como bem apontou o professor Dowbor. É preciso recuperar a capacidade de investimento da economia, seja pelo lado do setor público - refém do refinanciamento diário da sua dívida pública, que drena em torno de 5% do PIB anual para pagar seus juros - seja pelo privado. Não há Estado que cresça com essa dívida pública", opinou.

Ao lembrar do poder do Estado na economia, a economista ressalta que o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal respondem por 45% do total do crédito no país. "Quase a metade de todo o crédito para pessoas físicas e jurídicas no Brasil vem de dois bancos. Agora, sozinhos, BB e Caixa não dá conta de financiar a necessidade de crescimento da economia brasileira".